O Movimento Reage ABC (que nominei equivocadamente Reaja ABC porque fui levado pelo subconsciente de quem entende que a marca poderia ser mais determinista) está com os dias contados para se definir como ferramenta multiplicadora de mudanças: ou se transforma no motor de arranque de novo desenho institucional das forças produtivas da região, em contraponto ao sindicalismo, ou explodirá como grande blefe gestado no ventre do afogadilho político-partidário.
O Reage ABC cometeu sete pecados capitais ao ocupar na última quarta-feira ruas de Santo André e entregar manifesto ao presidente do Clube dos Prefeitos, Gabriel Maranhão. São pecados capitais sim, mas não entornou o caldo. Por incrível que pareça, quem ficou em situação confortável foi o Clube dos Prefeitos. Vou explicar as razões. Antes disso, listo e sintetizo os pecados cometidos:
1. Organização apressada. Pelo agregado de erros cometidos, está tipificado que os líderes do movimento deixaram escapar um bem precioso em qualquer sistema que envolva grupo de pessoas: equalizar as linhas de produção de ideias e sair a campo com segurança de que está tudo azeitadíssimo. Cito apenas um exemplo dos muitos que poderia listar como sustentação de que houve apressamento ou despreparo: as mídias em geral não foram convocadas para tomar conhecimento da agenda do Reage ABC. Algumas matérias publicadas dias antes da manifestação não passaram de parágrafos superficiais produzidos por quem teve acesso privilegiado aos organizadores. Fiou-se demais nas mídias sociais que, por mais que avancem, estão distantes da organicidade convencional e ainda insubstituível do jornalismo profissional.
2. Calendário oportunista. Nada mais inapropriadamente aplicado que a manifestação regional às vésperas deste domingo previamente agendado por militantes de movimentos sociais contra a presidente Dilma Rousseff. As demandas da indústria da região, principalmente dos pequenos e médios empresários, núcleo do movimento Reage ABC, vão muito além dos escombros da atual ocupante formal do Palácio do Governo. A intersecção entre economia e política nacional provavelmente fez recuar parcela enorme de empreendedores que estão com a corda no pescoço, mas não querem misturar as bolas por temer represálias.
3. Partidarização desnecessária. No bojo do oportunismo temporal vicejou o partidarismo político que contaminou a legítima e inédita mobilização por mudanças econômicas que retirem a grande parcela do setor industrial da região de definhamento contínuo, mascarado nos últimos anos pela demanda por veículos. Os problemas regionais, muitos dos quais suscetíveis a intervenções locais, foram largamente substituídos por tropeços nacionais.
4. Agenda fantasma. O manifesto entregue ao presidente do Clube dos Prefeitos e, incrivelmente, de conhecimento restrito a algumas lideranças do Reage ABC, é prova provada da pressa em sair às ruas. Afinal, não existe nada que possa ser catalogado como agenda emergencial que sirva de pontapé inicial do jogo de competitividade econômica da região. Um movimento que se propõe a entregar documento emergencial a forças políticas da região não poderia cometer tamanha omissão. Uma pauta preliminar de medidas ao alcance dos atuais prefeitos seria o mínimo a desejar, entre outras razões porque descaracterizaria o movimento como linha auxiliar de hostilidade generalizada ao governo federal de plantão.
5. Manifesto manquitola. Não bastasse o descaso com pontos focais de intervenções de curto e médio prazo dos administradores municipais da Província do Grande ABC, o documento encaminhado ao presidente do Clube dos Prefeitos é um apanhado mal escrito de incoerências, distorções, interpretações caolhas e tudo o mais que jamais poderia sintetizar as demandas do Reage ABC voltado exclusivamente ao território regional. Permeado pelo politiquismo partidário explicitamente tucano, o manifesto é o resumo do resumo dos erros de preparação do movimento. Seria extraordinário demais acreditar que um cozinheiro pouco habilidoso prepararia uma feijoada caprichada sem os ingredientes básicos.
6. Entidades de fachada. O conjunto de organizações empresariais e sociais que subscreveram o manifesto parece seguir formalidade de adesão sem correspondente ação dos líderes. São 16 as entidades reunidas no documento, mas nem todas, de fato, aderiram ao movimento na intensidade desejada e alardeada. Fosse o Reage ABC mais bem organizado, essas instituições teriam sido apresentadas à Imprensa durante a fase de preparação de modo a abastecer a mobilização de credibilidade e representatividade maiores.
7. Escalacramento operacional. Ao entregar o manifesto ao prefeito que dirige a entidade dos titulares dos paços municipais da região, provavelmente os líderes do Reage ABC não esperavam um contragolpe tão eficiente: a programação imediata de novo encontro, agora de caráter mais prático, nesta segunda-feira na sede do Clube dos Prefeitos. Sabe-se que já há dissidências entre subscritores do manifesto, alguns dos quais supostamente com a agenda já comprometida. Nada será mais vexaminoso do que o Reage ABC apresentar-se sem a totalidade de seus comandantes ao encontro que iniciaria tratativas.
Corrigindo a rota
Mesmo com todas essas travessuras táticas e estratégicas, o Movimento Reage ABC não pode fracassar como eventual instância supra institucional da Província do Grande ABC. Apesar de tudo, a mobilização reuniu divulgadas 300 pessoas, entre representantes empresariais e trabalhadores alinhados com as empresas que lhe dão emprego.
Esse é um feito histórico na região que, ao contrário do que supõem estudiosos, é uma geografia de baixíssimo grau de cidadania. O movimento sindical, seletivista porque voltado ao próprio umbigo corporativo, ajudou a construir uma ideia equivocada de mobilização social da região. Por isso, aqueles 300 ou um pouco menos, que sejam, poderão ser muito mais no futuro se o Reage ABC corrigir a rota.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)