Economia

PPE é analgésico que só agrava
doença holandesa da Província

DANIEL LIMA - 02/09/2015

O Programa de Proteção ao Emprego (PPE) é mesmo um artifício para dourar a pílula da crise industrial no País e, particularmente, na Província do Grande ABC. Por isso, a mídia cai feito patinho na pregação de sindicalistas da região que fazem dessa empreitada a batalha da ponte sem perceberem que a ponte já caiu. 


 


O acordo com a Mercedes-Benz era mais que esperado porque beneficia a multinacional e dá aos sindicalistas o salvo conduto de cantoria de suposta vitória de um projeto tropicalizado sem levar em conta indicadores econômicos e sociais do País de origem.


 


Os sindicalistas sabem o que fazem porque fazem o que precisam fazer para salvar as aparências e seguir com um jogo de faz de contas cujas contas vão ficar para as próximas gerações. Trouxa é a mídia que cai no conto do vigário de que estamos salvos quando se sabe que o prejuízo vai sair do bolso dos contribuintes em geral.


 


Como na telenovela


 


O enredo do acerto com a Mercedes-Benz remete ao primeiro capítulo da novela das nove, quando o herói não passa de um trapaceiro. Sim, enredo da novela das nove que assisto entre outros motivos porque é sociologia pura, embora os recalcitrantes em ceder espaço ao entretenimento televisivo pensado por gente que vasculha os humores e horrores da sociedade acreditem que tudo não passe de baboseira.


 


Coloco este novo texto (e tantos outros que já produzi sobre a economia da região, notadamente com críticas à atuação sindical) à exumação nos próximos anos. Quando alguém por alguma razão decidir abrir estas páginas e cavoucar o passado da região que é presente hoje vai se dar conta de que o PPE foi uma jogada de marketing do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, ligado à Central Única dos Trabalhadores e ao Partido dos Trabalhadores. Tudo para tentar salvar as aparências de um governo federal que já não governa porque foi governado no passado idolatrado de Lula da Silva -- após a crise que se iniciou no final de 2008 -- de maneira populista, sintetizada na festa de arromba de consumismo de lastro limitado.


 


O melhor aviso aos navegantes da região é que se preparem para um futuro ainda mais sofrido do que já se consumou o passado de duas décadas e meia, com intervalo de alguns anos no governo Lula da Silva de festança automotiva: vamos viver, ou melhor, já estamos vivendo a crise mais impactante de toda a história industrial da região.


 


Pequenos abandonados


 


E a raiz dessa desgrameira (prefiro o neologismo à palavra correta, que não escrevo ou verbalizo de jeito nenhum) está no abandono das pequenas indústrias. Esse contingente que gera mais emprego e estabilidade social na região emite mais sinais de que tende a sumir do mapa. Passamos por cataclismo nos anos 1990: após a abertura destrambelhada de Fernando Collor de Mello veio a estabilidade monetária de Fernando Henrique Cardoso regada a dólar valorizadíssimo associada à exposição cruenta dos pequenos ante o mercado internacional.


 


A ação sindical está estreitamente relacionada à debacle dos pequenos industriais. E vai se acentuar agora. Serão poucas, raríssimas, as unidades de pequeno e médio porte que passarão pelo corredor polonês fiscal, tributário e financeiro imposto pelo governo federal para habilitar-se ao gozo do Programa de Proteção ao Emprego.


 


Ora, diante da constatação de que pequenos industriais estão barrados do baile marqueteiro do PPE, é claro que serão ainda mais descartáveis no jogo jogado de concorrências desleais patrocinadas pelas montadoras de veículos e suas irmãs de jornadas, as sistemistas. Serão, os pequenos industriais, mais triturados nas relações negociais entre outros motivos porque sairão debilitadíssimos de uma crise que vai aumentar para depois amainar mas que jamais permitirá, com estabilidade, grandes saltos produtivos como no passado recente de irresponsabilidade fiscal petista.


 


A cada novo acordo com o suporte do PPE os sindicalistas de São Bernardo vão soar as cornetas de vitórias de Pirro e a Imprensa, ingênua, despreparada, dócil, quando não preguiçosa, vai abrir páginas e páginas para consagrar o sucesso do Trabalho ante o Capital, ou, da harmonia entre Capital e Trabalho. Tudo não passa de encenação, quando não de farsa bem ao estilo de Romero, o novo herói-vilão da novela das nove.


 


Mais perdas virão


 


É substantiva a tendência de a Província do Grande ABC emagrecer ainda mais como resultado da dieta compulsória da rede de desvantagens competitivas tecida ao longo de décadas no setor industrial. Os postos de trabalho com carteira assinada na indústria de transformação na região são muitos superiores em termos relativos a qualquer ente da Federação. E isso é péssimo nestas alturas do campeonato, porque a atividade vem se desmilinguindo no País.


 


A desindustrialização é uma avalanche sem intervalo para descanso.


 


Contamos com 2,85% dos empregos industriais do País, ante participação bem menor de 1,90% no conjunto de empregos com carteira assinada de todas as atividades. A tendência é a repetição do passado, com novas perdas relativas. E também de quedas em números absolutos -- como vem ocorrendo nos dois últimos anos.


 


A participação do emprego industrial com carteira assinada no conjunto de trabalhadores da Província do Grande ABC é muito superior a de outros territórios. Contamos com 29,46% de trabalhadores industriais no total de empregos da região. São 228.456 empregados nas fábricas para um total geral de 775.391 em todos os ramos de atividades, segundo dados oficiais do Ministério do Trabalho e Emprego. O que seria motivo de comemoração é altíssimo risco. A desindustrialização, repito, vai rebaixar os números e com isso a queda de riqueza se acentuará.


 


Mais vira risco


 


A participação do emprego industrial com carteira assinada no Brasil em relação ao conjunto de empregos é bem inferior à registrada na Província do Grande ABC. São 19% apenas. Ou seja: a Província conta com 34% mais trabalhadores industriais que a média do Brasil.


 


Quando o confronto é com a média do Estado de São Paulo, território mais industrializado do País, a situação é semelhante: 29% contra 20%, o que significa 31% de diferença pró-região. Vamos ter no futuro próximo e no futuro distante uma Província do Grande ABC mais semelhante ao Estado de São Paulo e ao Brasil não porque aqueles dois territórios vão avançar, mas porque pereceremos continuamente.


 


Mas quem disse que os sindicalistas que ainda vivem no século passado e adotam discurso supostamente moderno indexado à pujante Alemanha estão dispostos a mudar esse jogo? Aposto o que quiserem que a depender dos sindicatos de trabalhadores industriais da região, notadamente os ligados à área automotiva, seguiremos a morrer devagarzinho, com direito a morfinas ilusionistas de programas de proteção ao emprego.


 


A sociedade do espetáculo se manifesta de várias formas. No mundo capitalismo, o sindicalismo é muito mais competente para vender o peixe, até porque, mesmo com todos os tropeços da atividade, seus dirigentes sabem como ficar com a maior parte do bolo, embora a maior parte do bolo não seja mais a parte que lhes competia no passado. Mas quem disse que eles estão preocupados com o tamanho do bolo?


 


Como a classe política, as dançarinas de programas de televisão, as moças e os rapazes do BBB, nossos sindicalistas querem curtir a vida aqui e agora adoidados. O presente é o presente de que tanto desfrutam. O futuro é um objeto não identificado que embala os sonhos dos idiotas. 


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