Quem seguiu o conselho de Milton Bigucci, presidente do Clube dos Especuladores Imobiliários do Grande ABC, caiu do cavalo. Explico: arauto de que o mercado imobiliário de salas comerciais bombaria na região, o dono da MBigucci estimulou investimentos que fracassaram redondamente. Investidores que acreditaram no conhecimento do dirigente classista se referem às previsões com adjetivos que se confundem com a pregação do pastor Jim Jones, fundador da seita Templo dos Povos, que levou ao suicídio 918 fiéis. O exagero típico de brasileiros que fazem de drama, comédia, dá a dimensão do desencanto com o naufrágio econômico-financeiro de investidores.
Faltam números oficiais sobre o descalabro. A entidade de Milton Bigucci é uma farsa estatística, porque é farsa institucional quando se considera gama de atributos exigidos pela sociedade. Tenho, entretanto, fontes suficientes para um diagnóstico duríssimo: das mais de cinco mil salas comerciais lançadas nos últimos anos, mais da metade está à espera de ocupantes. Faltam compradores e locadores.
Um rombo enorme
A vacância de mais de 50% é um rombo enorme. Quem acreditou em Milton Bigucci e também em outros agentes imobiliários dançou feio. E dançou feio porque a maioria é analfabeta econômica que desconhece o tamanho da encrenca que é a economia da região, falsamente distribuidora de riqueza na esteira da indústria automotiva. Já se foram os templos de glória, de mobilidade social abundante. Os números que reproduzo de vez em quando são terríveis. Comprovadamente terríveis. Um chute na canela dos especuladores que desfiro há mais de duas décadas. Somos uma nau sem rumo.
Principalmente os pequenos negócios pressionados pelas montadoras e sistemistas do setor automotivo, pressionadas pela concorrência internacional. Como se não bastasse a enchente de competidores nacionais mais azeitados. A barbeiragem analítica de desenhar futuro deslumbrante dos empreendimentos destinados a atividades de serviços na região contrapõe-se à esperteza e à competência de Milton Bigucci no conglomerado MBigucci, reconhecidamente vitorioso no mercado imobiliário.
É claro que o juízo de valor sobre o conceito de “vitorioso” é dispensável neste texto. Todos sabem que Milton Bigucci não é flor que se cheire no relacionamento com a clientela. O Ministério Público do Consumidor está aí para confirmar o quanto ele leva a sério a consagrada máxima de Gerson – aquele de levar vantagem em tudo.
Especulação demais
Entretanto, mesmo com toda a exuberância técnico-comercial de conhecer a fundo o terreno em que pisa, tanto no campo prático das obras quanto nas articulações de bastidores, Milton Bigucci não é infalível -- embora tente fazer crer que seja. Tanto é verdade que o empreendimento Marco Zero da Vergonha, na esquina da Avenida Kennedy com a Senador Vergueiro, em São Bernardo, plantado em terreno público arrematado de forma irregular, está longe de ter alcançado o resultado divulgado.
O cronograma de vendas e de obras não segue o ritmo esperado. Isso quer dizer o seguinte: se mesmo um Milton Bigucci, supostamente especialista em metro quadrado da Província do Grande ABC, deu com os burros nágua nas projeções alinhavadas em tempos de vacas gordas, o que esperar de companhias imobiliárias invasoras que mal conhecem as diferenças econômicas, sociais e culturais entre Santo André e São Bernardo.
Ao propagar aos quatro cantos que o mercado de salas comerciais comportaria muitos investimentos na região, Milton Bigucci evidenciou que, mesmo reconhecido como empresário de sucesso, não pode sair a campo com ares de autoridade inquestionável no assunto.
Economia em frangalhos
Quem acompanha a economia da região sabe que aquela pregação especulativa teria um preço a pagar. Não contamos com dinamismo econômico que suporte o avanço imobiliário proposto no setor de serviços. Há micos espalhados por todos os cantos. O empreendimento Domo, ao lado do Shopping Metrópole, em São Bernardo, é o símbolo máster da desilusão. Ali há uma tempestade imobiliária perfeita. Associa-se à desgrameira de salas comerciais a desmilinguida exaustão residencial.
Se os veículos de comunicação da região não fossem tão submissos ou descuidados com o mercado imobiliário, não faltaria pauta para traduzir os danos econômicos num setor guloso por natureza. No mesmo Domo de São Bernardo, uma torre envidraçada, ardilosamente lançada à comercialização com o pressuposto de que sediaria avançado centro administrativo da Petrobras, não existe praticamente uma alma a ocupar os corredores, exceto profissionais de faxina que quase não têm o que fazer porque, sem salas ocupadas, manutenção virou desperdício. Ao lado desse gigante de concreto armado, outra torre, menos sofisticada, é endereço de poucos profissionais. Inclusive de um médico mais que competente, porque também carismático, que me espera nesta semana para saber até que ponto o labirinto segue a azucrinar minha vida.
Omissão deliberada
A falta de informações confiáveis sobre o mercado imobiliário nesta Província, tanto no segmento comercial quanto residencial, é omissão deliberada. Tudo é feito de caso pensado para fomentar a especulação. Como não tenho pelo Clube dos Especuladores de Milton Bigucci o menor respeito, entre outras razões porque preservo a saúde informativa dos leitores, fio-me em fontes que preferem o anonimato.
São especialistas que estão com a mão na massa diariamente. Gente que antes almoçava e jantava nos melhores restaurantes é hoje está ligadíssima às ofertas de self-service.
O índice de 50% de vacância, ou seja, de salas desocupadas, não é nada surpreendente na Província do Grande ABC, portanto. Afinal, a Capital vizinha, nossa Cinderela, também passa por sufoco. Segundo o Estadão de domingo (e o Estadão é um jornal com interesse especial no mercado imobiliário, entre outras razões porque conta com um portal de negócios do setor) nada menos que 21% das salas comerciais de São Paulo estão à espera de profissionais.
Os dados publicados pelo Estadão são da Newmark Grubb Brasil. Mostram que do estoque de 3,860 milhões de metros quadrados de salas comerciais, São Paulo conta com 762,814 mil metros de vacância. A situação chegou a tal ponto que proprietários dos espaços oferecem até 18 meses de carência na locação, além de contribuição em dinheiro para ajudar na mudança.
Selvageria capitalista
Ou seja: o mercado de salas comerciais em São Paulo ganhou ares de selvageria capitalista. Na Província do Grande ABC a gravidade é mais intensa. Não existe demanda oportunista nem mesmo para usufruir do desespero dos proprietários que querem se livrar de taxas condominiais e outras despesas que reduzem a projeção de ganhos de investimentos prometidos, quando não os compromete.
Também segundo levantamento daquela empresa especializada em salas comerciais, a concorridíssima Alphaville registra índice de vacância de 29,8%, o que representa resultado muito mais comprometedor que os centros mais vocacionados a atividades de serviços da Capital, casos da Berrini, Vila Olímpica, Faria Lima, Paulista, Barra Funda, Jardins e Marginal Pinheiros. Em Alphaville sobrepõe à vacância a queda do metro quadrado à locação, de R$ 54,80 o metro quadrado. Tudo isso seguindo o conceito de alto padrão. Algo que praticamente inexiste na Província -- embora os lançamentos tenham adquirido essa rotulagem.
Recordar é provar
Para os leitores que possam sugerir que sou um engenheiro de obras feitas, ou seja, que só faço análise pós-acontecimentos, reproduzo trechos do artigo que publiquei nesta revista digital em 22 de novembro de 2011 sob o título “Liquidações de apartamentos e salas comerciais já assustam”. Leiam alguns trechos do artigo publicado há quase três anos:
Adivinhe quem é capaz de negar que o mercado imobiliário vive situação preocupante? É claro que estou me referindo aos mercadores imobiliários menos escrupulosos. Só nega que o mar não está para peixe quem fecha os olhos à realidade, quem quer continuar ganhando à custa da credulidade dos leigos, quem acha que pode manipular o tempo todo, quem não se conforma com a realidade dos fatos, quem sonha que o baixo crescimento do País é capaz de sustentar a atividade imobiliária apenas porque o crédito continua farto. Tudo o que é cor de rosa está condensado, sacramentado, juramentado, consolidado nas declarações do presidente da Associação dos Construtores do Grande ABC (...). Mas vamos ao que interessa. E o que interessa é reafirmar uma situação que preocupa por demais os empresários mais respeitados do setor imobiliário, geralmente de pequeno e médio porte. Nada a ver, portanto, com os mercadores imobiliários, igualmente preocupados mas que sempre dão um jeito de manipular informações. Foi o que fez Milton Bigucci numa entrevista publicada segunda-feira no jornal Bom Dia ABCD. Bigucci disse com todas as letras, vírgulas e subjetividades que os preços dos imóveis não baixarão. É claro que não baixarão, porque já baixaram. E vão baixar muito mais. A especulação imobiliária só pega no contrapé quem está descuidado e se deixa levar pelo noticiário de jornais alheios aos fatos. As declarações de Milton Bigucci foram impressas um dia após uma das principais empresas do setor no País, a Even, anunciar durante dias e dias e realizar no final de semana uma megaliquidação de imóveis na Região Metropolitana de São Paulo. Os descontos chegaram a 30%. Quem forçou um pouquinho a barra conseguiu bem mais. Só deverão resistir à redução de preços os proprietários de imóveis já consolidados na área comercial e adequadamente lançados na área residencial. Os lançamentos dos últimos anos em geografias inapropriadas ou excessivamente expostas a ofertas já estão irreversivelmente comprometidos. Quem acreditou no sucesso daqueles empreendimentos residenciais e comerciais no entorno do Paço Municipal de São Bernardo não sabe mais o que fazer. Há promoções disfarçadas mas enlouquecidas de preços. Nem assim há compradores. Falta demanda. E quando não há demanda em ritmo esperado para desovar estoques, a lei da oferta e da procura é cruel: baixam-se os preços. Menos, é evidente, nas declarações de Milton Bigucci. (...) Fosse esse um País mais sério, mais comprometido com os direitos dos contribuintes, dos consumidores, dos poupadores, dos eleitores, enfim de tudo que se multiplica em forma de sociedade, há muito se aplicariam medidas punitivas aos propagadores de ilusão deliberadamente enviesados à propaganda enganosa.(...) Sem qualquer exagero, o que se registra no mercado imobiliário é um festival de agressões à saúde financeira dos cidadãos que em praticamente nada difere do marketing da indústria farmacêutica a prometer milagres como couros cabeludos onde só restam vastas calvícies, peles macias onde brotoejas dão as cartas, barrigas tanquinho onde se amontoam quilos e quilos de descuidos com alimentação e sedentarismo e coxas lisinhas onde pululam celulites. Um mercado imobiliário minimamente ético é o pressuposto em respeito à sociedade.
Uma caça explicada
Quem acompanha esta revista digital não precisa esmerar-se em reflexões para entender as razões que levam Milton Bigucci a, usando da condição de milionário e de artimanhas processuais, seguir na luta para tirar este profissional de circulação. Diferentemente, entretanto, do que imagina e pretende como ferramenta de amedrontamento, não fujo à luta.
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