Se alguém ficou surpreso ou assustado com os números de óbitos empresariais do setor terciário no Grande ABC, divulgados na edição de ontem deste Diário, em matéria exclusiva com base em dados do IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos) e da Target, imagine então se a fonte de informações, o Ministério da Fazenda, detalhasse o histórico regional e estadual desse desastre anunciado.
Duvido que um leitor sequer não tenha ficado estupefato com a prova do crime de que os pequenos negócios, aqui e no Estado de São Paulo como um todo, e em menor escala em várias unidades da Federação, ganham a forma de incubadora de frustrados.
Há relação intestina entre os números de empreendimentos do terciário que entraram para o obituário de negócios e a contínua queda da classe média nacional. Boa parcela desse extrato social se concentra em comandos de mercearia, de padaria, de frutaria, de lava-rápido, de restaurante, de butique, de lotérica, de farmácia, de açougue, de tudo que possa atender o consumismo.
Particularmente no Grande ABC, vivemos o encavalamento de dois solavancos: milhares de empregos industriais com carteira assinada e com todo o arranjo de benefícios de saúde, educação, transporte e alimentação foram para o ralo e seus titulares, em busca de ocupação, lançaram-se de corpo e alma em pequenos empreendimentos próprios. Resultado: caíram do cavalo da formalidade empresarial, engrossaram o exército de informais ou simplesmente engrossam a lista de autônomos à procura de âncora de sobrevivência.
O contingente de deserdados empresariais é muito maior que, por exemplo, o saldo de 11 mil e tantos estabelecimentos que naufragaram no Grande ABC nos 60 meses contados pelo Ministério da Fazenda entre janeiro de 1999 e dezembro de 2003. Esses 11 mil e tantos são o saldo líquido negativo de aberturas e fechamentos de empresas formais. Média de 6,1 por dia. Já imaginaram a quanto saltaria essa numerologia se fossem rigorosamente contabilizados todos os negócios que fecharam no período, independentemente dos que abriram?
Quem procurar justificativa exclusivamente no quadro macroeconômico e também microeconômico não conseguirá enxergar todo o quarto em claridade, por maior que seja o buraco da fechadura. Há mais que efeitos de inserção globalizante irresponsável a partir do governo FHC e de emaranhado tributário, fiscal, trabalhista e financeiro endemicamente incrustado na vida nacional.
Pesa também nesse canto do cisne da democratização do empreendedorismo a incompetência generalizada das instituições corporativas supostamente representantes dos pequenos e micronegócios. Para ser direto e reto: as entidades de classe tipo associações comerciais, rede que se espalha por todo o País, preservam modelo estratégico-operacional obsoleto. Quando se junta a inapetência classista e o desprezo dos poderes públicos locais, casos do Executivo e do Legislativo, chega-se ao estágio renitente de desprezo.
Já expusemos série de propostas que poderiam ser adotadas pelo Poder Público e pelas entidades de classe. Sinceramente, jamais acreditamos na possibilidade de execução. O Poder Público é suficientemente perdulário e resistente a entender a livre iniciativa não apenas como fonte inesgotável de tributos, mas também como parceira na engrenagem de arrecadação mais racional e capilarizada de impostos. E as representações da livre iniciativa, principalmente do comércio e de serviços, não passam de balcão burocrático, recolhendo evangelicamente o dízimo de suas intervenções.
No setor industrial, o quadro é semelhante. Exceto quando reúne grandes companhias que, por meio de representações corporativas, sabem como encurtar o caminho rumo aos poderes de plantão e ali depositam e recolhem dividendos do lobbismo.
Particularmente no governo do Estado de São Paulo dos últimos 15 anos, mais profundamente nos últimos 10, a dívida com o empreendedorismo de pequeno porte é imensa. Algumas propostas veiculadas em períodos eleitorais não passam mesmo de promessas.
O livro Meias Verdades, que escrevi há dois anos, conceitua essa prática: os governos de várias instâncias se especializaram em anunciar projetos, cujo tratamento jornalístico é sempre espalhafatoso e com ares de verdade absoluta. Entretanto, na sequência, geralmente se desmancham como castelos de areia. O problema é que se perpetuam imagens de obras e decisões de araque.
Os pequenos negócios com hora marcada para morrer são sempre alvo de propostas que jamais se confirmam. A classe média está desaparecendo do País entre outras razões porque não tem nem o direito de empreender, ou empreende sem o menor conhecimento e capacitação.
Total de 1893 matérias | Página 1
12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES