Imprensa

Basta ler Contexto ABC para saber
por que deixei o Diário, basta ler

DANIEL LIMA - 21/09/2015

Estou preparando a edição de todos os artigos da coluna Contexto ABC, que assinei durante 22 semanas seguidas no Diário do Grande ABC. Vou transplantar os textos para esta revista digital. Aquela jornada foi um experimento que precisa ser levado ao maior número possível de leitores. Afinal, marca a trajetória aparentemente curta, apenas aparentemente curta, deste profissional como espécie de ombudsman, quase ombudsman, mais que ombudsman, daquela publicação.

 

Jamais na história do Diário do Grande ABC alguém contou com tanta liberdade de expressão e de pensamento como este jornalista na formulação crítica do desempenho daquela publicação, contextualizando-o ao ambiente regional. Essa iniciativa, sempre é bom destacar, partiu do empresário Ronan Maria Pinto, diretor-presidente daquela companhia. Acho que cumpri a tarefa com dignidade jornalística, além de pessoal.

 

Como se sabe, deixei o Diário do Grande ABC porque tenho livre arbítrio e, sobretudo, porque estava desconfortável como médico e monstro. O link abaixo deste texto resume minha participação naquela empresa durante cinco meses. O resto é papo furado de quem está a serviço da bandidagem e precisa se esconder no anonimato como porta-voz de idiotices. 

 

Títulos já bastariam

 

Quem tem alguma dúvida sobre as razões que me levaram a deixar o Diário do Grande ABC – e quem pretender confirmar a verdade dos fatos que tenho cansado de repetir – não pode perder a oportunidade de ler ou reler aqueles textos da coluna Contexto ABC. Está tão clara e objetiva a linha de entusiasmo e de desencanto com a região, que contaminou o próprio Diário do Grande ABC, que é até dispensável a leitura de todos os textos. Uma leitura rápida e cronologicamente crescente dos títulos será suficiente para entender o que se passou.

 

Uma das 22 colunas é emblemática do momento em que este jornalista já começava a dar sinais de que duvidava de transformações na regionalidade desta Província. Em cinco de julho, ou seja, três meses após a coluna inaugural, publicada em 12 de abril, abri o título de Contexto ABC com o seguinte enunciado: “Desmanche de cidadania arrefece força do jornal”. Acredito que ao consumir a coluna sugerida, o leitor vai começar a compreender o que se passava.

 

No fundo, e isso é muito importante para que se entenda a dimensão da situação, o Diário do Grande ABC confirmou a suspeita que ganhou corpo durante os meses em que pretendi a criação do Defenda Grande ABC. Imaginei que o fracasso daquela iniciativa, um fracasso ditado pela evasão de quem se preocupou com os riscos pessoais que aquela proposta poderia desencadear, não se consumou por qualquer outro motivo que seja diferente do que vivenciei agora no Diário do Grande ABC: falta cidadania numa região acéfala de institucionalidades. E aonde falta cidadania, o amedrontamento, o recuo, a baixa reflexividade e a contenção formam um exército de desventurados. Sobram poucos ao enfrentamento.

 

Reproduzir cada uma das colunas Contexto ABC neste espaço não será novidade alguma. Basta constatar no acervo desta publicação digital praticamente todas as colunas que assinei durante nove meses, entre 2004 e 2005, quando atuei como diretor de Redação do Diário do Grande ABC. Cumulativamente às funções diretivas, fui, disparadamente, o jornalista que mais produziu textos naquele período. Não consigo entender jornalismo sendo jornalista que sou se não praticar jornalismo como jornalista que todos me consomem. 

 

Perdendo tempo

 

Transpor a experiência de algo que se assemelha aos padrões convencionais de ombudsman às páginas desta revista digital é, portanto, uma iniciativa que reforça aquele material jornalístico feito de muito empenho, dedicação, liberdade e também, a bem da verdade, de sofrimento semanal. Ou não sofre quem quer o melhor jornalismo possível na região e também uma região institucionalmente capaz de impulsionar grandes mudanças econômicas e sociais e se dá conta, devagar mas ininterruptamente, de que está a perder tempo ao pregar no deserto de uma regionalidade esquartejada pelas forças de pressão e pelas camadas sociais em decomposição?

 

Quem acompanha atentamente a trajetória deste jornalista sabe que existe uma linha de coerência editorial que jamais seria negada diante de nova empreitada. Há valores conceituais que não estão disponíveis em supostos balcões de negócios. Ainda agora, por não sei qual carga dágua, dou de cara com um texto que produzi em fevereiro de 2013 sob o titulo “Somos às escondidas o que Brasília escandalizará amanhã”. Nada premonitório, vamos ser sinceros? Afinal, o mais previsível no futuro deste País tem toda a intimidade com o presente e com o passado: uma sucessão de escândalos em potencial, é claro. Mas, a título de curiosidade, senão existir outro sentimento, reproduzo alguns dos parágrafos daquele artigo:

 

 Quase 19 anos depois da “Carta do Grande ABC”, que marcou o lançamento do Fórum da Cidadania do Grande ABC, eis que decidi produzir a “Carta da Província do Grande ABC”, espécie de contraponto àquelas linhas bem alinhavadas que ganharam a forma de um documento histórico na noite de 28 de julho de 1994. Aquele evento realizado na Fundação Santo André descortinava um Grande ABC que jamais imaginávamos chegar ao estágio de Província do Grande ABC ao findar de duas décadas. Mas, infelizmente, chegou, baixou e saravou. A Brasília mais desavergonhada do futuro é a Província do Grande ABC do presente. (...). Só quem viveu aqueles tempos e tem a graça divina de estar em condições de combate hoje conhece a exata dimensão do tamanho da montanha de esperança e do buraco da decepção entre a fita de largada e a reta de chegada da “Carta do Grande ABC” e a “Carta da Província do Grande ABC”, entre o Fórum da Cidadania do Grande ABC e o Movimento Contra a Anomia da Província do Grande ABC (...). A Província do Grande ABC está enredada aparentemente de forma irreversível no lamaçal da inexpressividade política. Em mais um ano decisivo para a vida brasileira, a Província atravessa, sem margem a dúvida, a etapa mais desestimulante de sua história política-administrativa desde os movimentos autonomistas dos anos 40 e 50. Nunca, nas últimas décadas, apesar de tudo de dantesco que já ocorreu, houve uma demanda tão desavergonhada com o deixa para lá porque não estou nem aí não só envolvendo os políticos da região como a sociedade como um todo. Somos a fermentação da Brasília de amanhã, a Brasília dos escândalos que se sucederam com o caradurismo de sempre. Nunca a Província do Grande ABC congregou um grupo de supostas lideranças empresariais, comunitárias, sindicais e classistas com tão alto grau de desinteresse coletivo sobre as necessidades locais, numa desavergonhada orquestração de salve-se-quem-puder que passa ao largo da baixa sensibilidade e do cansaço evidente da comunidade como um todo. A classe política e o entorno empresarial aproveitam-se desse vácuo de orfandade cidadã para deitarem e rolarem. motivos porque a Província não se preparou para tentar beneficiar-se do traçado fechado demais à inserção econômica tão provincianamente alardeada. (...).  Todos sabem que o potencial econômico da Província do Grande ABC já não é o mesmo de outrora. Mais que isso: vivemos uma crise de perspectivas, porque não temos encontrado a saída para retomarmos o crescimento em ritmo que se assemelhe aos novos principais rivais por investimentos produtivos. Entretanto, essa mais que evidente queda não é percebida ou não é aceita pelas badaladas e quase sempre inúteis lideranças incrustradas na sociedade e no meio político-partidário. Vivemos num quase desértico terreno de alternativas à renovação física e intelectual de agentes da sociedade, situação que se manifesta claramente no imbricamento pecaminoso com administrações públicas. As entidades mais importantes da região sempre atuaram no sentido de convergirem interesses às águas mais rentáveis dos poderosos de plantão, manifestando-se na arena política de forma seletiva e interesseira, às vezes com algum pudor ideológico, mas, no fundo, desavergonhadamente. Nestes momentos atuais, nada está mais dominado que o grupo de organizações privadas e não governamentais pelos respectivos paços municipais. (...).  É exatamente porque se assiste hoje o suprassumo da anomia social, resultado entre outros do fracasso do Fórum da Cidadania do Grande ABC no passado não muito distante e do esfarelamento contínuo das representações de classe, que chegamos ao estágio de desencanto combinado com a acomodação geral e irrestrita. (...).  O que encontramos diariamente na Província do Grande ABC são extratos condensados de rescaldos dos desvarios perpetrados ao longo de décadas sem que nos déssemos conta de que teríamos conta a acertar com o futuro. O evangelho da regionalidade está tão envelhecido e desrespeitado que não é por acaso que o que outrora era Grande ABC virou Província. O direcionamento original de metralhadoras críticas ao Executivo e ao Legislativo era apenas uma tentativa de estigmatizar dois setores de baixa produtividade técnica e de alta rotatividade de interesses escusos. Também a sociedade civil como um todo deve ser colocada no prato de débitos dessa balança de avaliação do que somos e queremos. (...).  Estamos absolutamente esgotados em paciência e em esperança quando tratamos de questões que envolvem o enorme guarda-chuva da regionalidade na Província do Grande ABC. As experiências fracassadas no passado e a ausência de perspectiva no presente formam uma associação cujo baixo-astral não pode ser atirado sob o tapete da hipocrisia e de ajeitamentos deliberados a enganar o distinto público.



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