Não preciso frequentar a Redação deste Diário para sentir eletricidade no ar, assim como um médico razoavelmente competente sabe que diante de si está um paciente com problemas sérios e um engenheiro qualificado que bate os olhos numa construção e percebe que há encrenca pela frente. A cada nova edição do jornal o que se observa é um rito operacional que não deixa dúvidas: disputa-se um lugar principalmente na corrida de espermatozoides pela manchetíssima (manchete das manchetes de primeira página) para contemplar a sociedade com informações relevantes. Por essas e outras deixo de lado o voo rasante de perscrutar inconformidades editoriais. O voo panorâmico indica novos caminhos a desbravar.
O leitor do Diário do Grande ABC que ainda não percebeu mudanças possivelmente está no piloto automático típico de quem esquece o filho no banco de trás do veículo. Graças ao empenho dos jornalistas comandados por Sérgio Vieira este Diário parece estar decididíssimo a assumir de vez a agenda regional metamorfoseada por terceiros ao longo dos tempos.
Nova configuração
É certo que este jornal dá mostras de que vai atuar incisivamente para mudar a configuração institucional da região, tornando-a moderna, dinâmica, crítica e oxigenadora. Tenho esse olhar de positivismo porque não sou bobo nem burro. Sei até onde é possível distinguir uma publicação que dorme em berço esplêndido de pautas insossas de uma publicação disposta a enfrentar sanguessugas disfarçadas de feras. Este Diário começou a invadir a grande área dessa segunda alternativa.
Que o diga o megaempresário Milton Bigucci, presidente do que chamo de Clube dos Especuladores Imobiliários. Desde quinta-feira este Diário coloca o dedo na ferida de uma roubalheira chamada Marco Zero, empreendimento construído num terreno arrematado com todos os requintes de malandragem impermeável a investigações. A traquinagem atinge também a Administração Luiz Marinho, que, sem se dar ao trabalho de analisar o edital de licitação do terreno, ou o fez e desconsiderou o indescartável, conferiu legitimidade a uma operação delituosa.
Pegar pelo pescoço de uma irregularidade crassa um mandachuva de trajetória nebulosa tem significado muito especial. A iniciativa deste jornal sugere que não haverá contemplação a quem trafegar pelo acostamento da responsabilidade social. O histórico ditatorial de mais de duas décadas na presidência de uma entidade tão importante como nociva à sociedade só foi construído porque Milton Bigucci conta com apoios estranhos e, sobretudo, com a omissão, quando não com o desencanto, de gente eticamente graduada do mercado imobiliário.
Fios sistêmicos
As manchetíssimas que este Diário levou aos leitores desde sábado passado são uma sequência de fios só aparentemente desconectados de uma central de controle. Quem prestar atenção à sinergia conceitual, sobretudo no tom crítico, elucidativo, exploratório, terá finalmente alcançado o pressuposto do título deste artigo.
O Diário do Grande ABC está alçando voos panorâmicos que dispensam intolerância a detalhes. O que quero dizer com isso é que, ao analisar o Diário do Grande ABC desde que fui convidado de forma oficial, fiz um trato temporário comigo mesmo: vou esquecer detalhes da roda, do friso, do retrovisor, do para-brisa para me concentrar no potencial de superação dos obstáculos maiores que sempre se apresentaram ao jornal.
Ou seja: o Diário do Grande ABC tem dado mostras nos últimos tempos de que está disposto a fazer strip-tease editorial sem falsos pudores inclusive com seu próprio desempenho de liderança regional. O simbolismo da semana anterior ao investir contra a insensibilidade da Pirelli e agora num empresário que tem muito a explicar não pode ser observado como ação circunstancial e passageira.
Pecadilhos perdoáveis
Há outros indicadores temáticos, também expostos no noticiário do jornal, que abastecem o esboço de um novo padrão de relacionamento com agentes públicos e privados da região; um relacionamento de cobrança consistente que, sem dúvida, desaguará em campos férteis de transformações que tardam, mas não podem faltar.
Até mesmo dois pecadilhos de manchetíssimas destes últimos dias devem ser relevados. A cobertura da edição de segunda-feira sobre as manifestações contra o governo federal na região foi exceção entre os veículos locais, mas poderia ter sido mais completa. Estou a indagar sobre as razões que levaram cinco mil pessoas às ruas de Santo André e apenas um punhado de gatos pingados em São Bernardo e São Caetano. Por que tamanha diferença se somos praticamente uniformes, aliás, como todo o Brasil, na avaliação da gestão Dilma Rousseff?
A outra pisada na bola que não macula a nova realidade do jornal foi enfiar o ministro da saúde Arthur Chioro e a presidente da Caixa Econômica Federal, Miriam Belchior, no balaio de gatos da extensão da Operação Lava Jato. A regionalização do assunto tem por base a passagem de ambos os executivos públicos pela região, mas a forçada de barra ficou caracterizada no caso de Miriam Belchior, que só recentemente assumiu a Caixa, período não investigado. Chioro, ao que consta, chegou com o barco da corrupção já fazendo água.
*Matéria originalmente publicada no Diário do Grande ABC
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)