O sindicalista Luiz Marinho forjou uma encrenca que caiu no colo do prefeito Luiz Marinho. Uma senhora encrenca, porque explica muitas das razões de São Bernardo estar encalacrada economicamente e fora dos radares de investimentos privados. Uma São Bernardo que perde seguidamente a vitalidade industrial e cada vez mais depende das instáveis e rebeldes montadoras e autopeças de veículos cansadas de guerras. O prefeito Luiz Marinho colhe o efeito bumerangue do sindicalista Luiz Marinho, diretor e presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema durante quase duas décadas.
Esmiuçando meus arquivos geralmente nos finais de semana e sempre em busca de memórias perdidas no cotidiano, eis que encontrei uma das mais frondosas raízes da inapetência de modernidade industrial
Descubro, vejam só, que foi o sindicalista de outrora (e prefeito de agora) o principal responsável por algo que chamava de avanço mas que não passou de entrave ao setor industrial de São Bernardo. Em troca de moderação nos movimentos grevistas, Luiz Marinho introduziu no organismo produtivo de São Bernardo os chamados comitês de fábricas. Quem conhece a fundo o chão de fábrica das montadoras e autopeças de São Bernardo, entre outras empresas metalúrgicas, não resiste ao sinal de Pai Nosso quando pronunciam a expressão comitê de fábrica.
Poder multiplicado
Na verdade, com a modalidade, o sindicato estendeu poder ao interior das empresas e com isso passou a ter controle total dos movimentos que lhe interessam. As greves diminuíram porque o Sindicato dos Metalúrgicos sabe como extrair o máximo de vantagem das empresas, submetidas operacionalmente ao controle dos sindicalistas.
Os comitês de fábricas são espécie de Cavalo de Troia. A diferença é que o pressuposto não é necessariamente a destruição das empresas no sentido clássico da expressão. A operação é bem sucedida na medida em que se tem a empresa sob domínio. Mesmo que isso custe caro. Não a toa que a quase totalidade das indústrias de pequeno e de médio porte da região está tão endividada que nem habilitação ao PPE, Programa de Proteção ao Emprego, consegue.
Naquela reportagem de LivreMercado está caracterizado o lançamento do ovo da serpente da baixa produtividade industrial da região, vetor decisivo à competitividade. Como sempre faço, vou reproduzir com a autenticidade de cada parágrafo, os principais trechos daquela reportagem.
Autoria, a única dúvida
A única dúvida sobre aquela reportagem refere-se à autoria do texto. Diria que tem a minha cara, mas também pode ser de Maria Luisa Marcoccia. Ou seria de André Marcel de Lima, de Rafael Guelta e de tantos outros que passaram por LivreMercado? Sim, aquela revista tinha a propriedade de reunir textos com características semelhantes, algo que somente as grandes publicações internacionais registram.
Havia preocupação imensa com a manutenção da equipe e com o enquadramento filosófico dos textos a um padrão de interpretação e análise que sufocasse a preguiça do relatorial tão corriqueiro no jornalismo diário.
Mas vamos ao que interessa. Vamos às peripécias de Luiz Marinho sindicalista. Vamos à LivreMercado de junho de 1997:
Tacada de marketing ou visão de modernidade? Jogada política ou sincera intenção de passar a limpo o beligerante sindicalismo que estigmatizou o Grande ABC? Nenhum item deve ser desprezado nesse coquetel já batizado de nova era dos sindicatos – os dois principais deles no País, os metalúrgicos do ABC e os metalúrgicos de São Paulo – tentando mudar de figurino desde o mês passado. A saia, porém, é mais justa do que imaginam. Depois de os excessos trabalhistas e a nova ordem globalizante deixarem o Grande ABC engolindo poeira com a fuga de empresas atrás de custos mais baratos, sobretudo com mão de obra, seu mais poderoso sindicato anuncia estar de mãos estendidas para negociações e parcerias. O 2º Congresso da categoria, filiada à combativa CUT, encerrou-se em meados de maio com uma até então impensável proposta às lideranças para reduzir o número de greves.
Mais reportagem-análise de LivreMercado de junho de 1997:
(...) Por trás de todo o barulho, porém, há de tudo. Desde transformações profundas até encenações para a mídia. Os metalúrgicos do ABC acabaram fazendo um mea-culpa sobre seu quinhão de responsabilidade na evasão de indústrias e investimentos da região. Ao inchar ao longo dos anos o Custo ABC com mão de obra cara, muitas vezes à custa de cenas de faroeste com invasão de empresas e arrastões com cordas para intimidar companheiros, o sindicato deixou o parque produtivo vulnerável demais para a abertura comercial. A infraestrutura esgotada e a guerra fiscal que se seguiu foram a pá de cal nos planos de atratividade da região. Agora o trabalhismo corre atrás do prejuízo, tentando proteger o parque remanescente da concorrência.
Preparem-se, porque quem entra agora em cena na reportagem-análise de LivreMercado é o atual prefeito de São Bernardo:
O presidente do Sindicato, Luiz Marinho, não define a nova postura como de revisão, mas de evolução. Não assume sozinho a responsabilidade pelas agruras das empresas da região. Divide o ônus com o obsoleto Porto de Santos e a precariedade da malha viária e rodoviária. Mas demonstra elogiável dor na consciência sindical, ao dizer que as greves tornaram-se impopulares, caras e ineficientes tanto do ponto de vista trabalhista quanto capitalista. Foi mais longe, ao afirmar ser preciso redespertar a vocação de desenvolvimento do Grande ABC, com abandono das armas do antagonismo e ações para atrair investimentos que preservem e criem empregos.
Agora, prestem atenção, Luiz Marinho introduz as células dos comitês de fábrica no enredo industrial da Província do Grande ABC:
Uma forma de aproximação com as empresas está nos comitês de base, organismos pelos quais diretores do sindicato vão estar mais presentes dentro das fábricas. “Serão canais permanentemente abertos para resolução de problemas, a fim de que as pendências não se acumulem e cheguem ao ponto de só serem solucionadas com paralisações” – define Marinho. Há quem interprete nos novos comitês uma forma de os diretores sindicais, com perfil de líderes mais modernos, neutralizarem a ação de radicais que ainda sensibilizam as bases. Marinho afirma que, comprovadamente, onde há diálogo, as greves evaporam.
Mais alguns trechos daquela reportagem histórica de LivreMercado:
(...) Não se pense, entretanto, que as greves serão sepultadas. “São importantes para forçar negociações junto a empresários que não atingiram nosso grau de maturidade” – diz Marinho, reivindicando como contrapartida às novas ações dos metalúrgicos que também as empresas sejam flexíveis. Entenda-se por isso maior grau de participação dos funcionários nos rumos das organizações, qualidade de condições de trabalho, qualificação profissional, maior distribuição de renda e divisão de resultados. Marinho garante que o sindicato tem sido maleável com empresas encostadas na parede pela competitividade, sobretudo as de pequeno porte. Os trabalhadores são desencorajados de atos violentos e chamados a colaborar até com produção sem receber salários por algum período.
Receituário fragilizado
Está mais que evidenciado que o receituário proposto e aplicado pela diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema foi um furo nágua. Os resultados estão aí, depois de duas décadas. Os números mais atualizados sobre o PIB Industrial de São Bernardo, de 2012, apontam queda de 22% em relação à temporada anterior, sobrepondo-se novas perdas às perdas anteriores, após breve período de crescimento durante o governo de gastança de Lula da Silva.
Nos anos subsequentes, principalmente em 2014 e terrivelmente neste 2015, os dados serão muito mais contundentes. O modelo cutista na Província do Grande ABC é um fracasso anunciado e confirmado, apesar de toda a marquetologia que sempre pautou aquele sindicato, principalmente na sensibilização da Imprensa.
Ainda recentemente debochei para valer mesmo do prefeito Luiz Marinho – um deboche sério, de quem detesta jogo de cena – ao sugerir que introduzisse no organograma oficial ou mesmo oficioso da Prefeitura de São Bernardo um quadradinho para espécie de comitê dos contribuintes, ou seja, um comitê de fábrica da Administração petista. Nada mais indicado a um gestor que se diz democrático mas trata os dados de São Bernardo como propriedade particular. Tudo ou quase tudo é feito de tal maneira seguindo roteiro de obscuridades que nada melhor que um comitê de contribuintes sem rabo preso com a Administração para revelar os segredos da corte.
Garanto que a ação seria muito mais civilizada, produtiva e incentivadora à competitividade pública do que os malfadados comitês de fábricas de vezo socialista mequetrefe.
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21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?