Quem entende de jornalismo são os jornalistas. Portanto, não tem sentido senão marquetológico incluir no organograma de Redação os chamados conselhos de leitores. Tendências do leitorado podem ser capturadas de forma científica, quantitativa e qualitativa, em vez de estratificadas aleatoriamente num grupo restrito de voluntários que nem imaginam o que seja lide, suíte, intertítulos, essas coisas que qualquer aprendiz de jornalismo sabe de cor e salteado mas que soam como palavrão para leigos, quanto mais conceitos editoriais históricos.
Ouvir informalmente os leitores não significa, também, que as idéias, sugestões e propostas devam ser utilizadas sem ajuizamento crítico. A fauna de consumidores é imensa na proporção exata do grau de cultura.
Durante os 13 anos de LivreMercado introduzimos várias ações na linha editorial da revista depois de ouvir leitores assíduos, que conheciam a publicação e apresentaram idéias sem que fosse necessária instância oficial para isso. Mas em maior escala atiramos na lata do lixo do descarte sumário idéias repassadas com ares de descoberta do mapeamento do genoma.
Se tivéssemos seguido à risca grande parte das propostas, a revista LivreMercado seria uma colcha de retalhos editoriais. Seria uma Torre de Babel. E olhem que estamos nos referindo somente ao conteúdo editorial. Se nos dobrássemos aos malabarismos gráficos, então, seria uma loucura. Costumo dizer que LivreMercado tem uma cara e um formato editoriais que dispensariam até mesmo a identificação explícita. Os leitores sabem do que se trata. Assim como os leitores da Folha de S. Paulo, da The Economist, do The New York Times.
A base para selecionar criteriosamente sugestões, em qualquer atividade, é a capacidade de conhecimento e discernimento do grupo responsável pelo produto. Uma equipe sem auto-estima, sem definição editorial e sujeita aos entrechoques de interesses diversos que caracterizam qualquer publicação razoavelmente respeitada cometerá as maiores bobagens se permitir, sem filtragem, incursões de leigos. O que seria naturalmente ruim quando mantido em gueto torna-se muito pior ao atirar-se nos braços de suposta democracia editorial.
Piores que os leigos consumidores de informação são os leigos corporativos, aqueles que trafegam com crachás de outros departamentos e não têm a menor idéia de como se faz um bom produto de comunicação. Gente que não sabe distinguir um texto com agregado de valor de um texto fast-food. Nesses casos, as patentes corporativas são potencialmente danosas porque acrescentam ao desconhecimento técnico a arrogância hierárquica.
Os conselhos de leitores compostos por gente sem arcabouço crítico em vez de profissionais de comunicação também podem caminhar para a desmotivação e a desmoralização dos profissionais de redação se os encontros se revestirem de caráter mais que consultivo.
Entregar aos jornalistas a responsabilidade do jornalismo não é ato corporativo, da mesma forma que impedir que amadores se lancem sobre um paciente numa mesa de cirurgia, que um farmacêutico seja substituído por um vendedor ambulante na aplicação de uma injeção e uma modelo internacional seja preterida por uma atendente de balcão numa passarela internacional são situações semelhantes. Cada uma dessas ações e de tantas outras de especialistas é exatamente isso: uma obra de especialidade reconhecida. E informação, mesmo num país de Terceiro Mundo como o nosso, precisa ser tratada com responsabilidade e, portanto, por especialistas.
Mas nada que, repito, se torne rígido e impermeável ao bom senso. Tenho por princípio não desconsiderar qualquer sugestão aos produtos sobre os quais exerço algum grau de responsabilidade. Entretanto, sinto ojeriza de proponentes excessivamente burocráticos, hierárquicos, complexos. Vivemos tempos aceleradamente modernos que não permitem devaneios.
É por essas e outras razões que não me meto nas especialidades de meus interlocutores. O segredo de pertencer a uma equipe azeitada é estimular cada profissional a estabelecer a melhor metodologia para suas microatividades e que o conjunto dessas microatividades esteja sincronizado à macroatividade da empresa. O macrocoordenador deve ser suficientemente inteligente para aferir até que ponto as especificidades individuais estão em grau operacional potencialmente desejado para o concerto geral.
Parece fácil, mas não é. Essa suruba corporativa não tem limites de avanços e depende, essencialmente, do comprometimento individual aliado à vontade coletiva. E tudo se resume a um segredo simples: é preciso conhecer o time e ter a certeza de que as eventuais mexidas vão acrescentar valor ao produto final.
Quem é de fora, mesmo como consumidor, não pode ter poder de decisão inadvertidamente potencializado.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)