Economia

Nem São Caetano segue o
crescimento médio do País

DANIEL LIMA - 06/10/2003

Embora os triunfalistas de plantão continuem empedernidos na missão de ludibriar a boa-fé, o fato é que nem a excepcional (para os padrões nacionais) São Caetano conseguiu melhorar a qualidade de vida de seus habitantes no ritmo da média nacional, segundo critérios e metodologia aplicados no IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) no período que compreende 1991 a 2000. Líder do Campeonato Brasileiro com 0,919, depois de desbancar Águas de São Pedro, minúscula cidade do Interior Paulista, São Caetano cresceu no período 9,14%, contra a média nacional de 10,05%.


Está certo que a diferença é mínima, mas não pode ser desprezada dadas as peculiaridades geoeconômicas de São Caetano. O IDHM do Brasil em 1991 atingiu 0,696 e, nove anos depois, seis dos quais do governo Fernando Henrique Cardoso, registrou 0,766. Os demais municípios do Grande ABC, menos dotados das particularidades de São Caetano — na verdade, pelo contrário –, apresentaram resultados sofríveis se vistos nacionalmente.


Diadema aumentou em 5,90% seu IDHM, saindo de 0,746 para 0,790. Mauá correu menos, com acréscimo de 3,58%, já que em 1991 contabilizava 0,754 e no ano 2000 pontuou 0,781. Ribeirão Pires avançou apenas 3,86%, saindo de 0,776 para 0,807. Rio Grande da Serra cresceu 5,08%, de 0,727 para 0,764. Santo André também trafegou em velocidade próxima de 40% da média nacional, com 3,34% de crescimento, saindo de 0,808 para 0,835. E, para completar, São Bernardo também não passou de 3,47%, saindo de 0,806 para 0,835.


Apenas o conjunto da Região Metropolitana de São Paulo, a área mais duramente atingida pela globalização, rivaliza-se com o Grande ABC entre as 33 metrópoles listadas pelo Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Considerando-se sempre os números de 1991 e comparando-os com os dados de 2000, o Grande ABC cresceu nesse medidor de Educação, Longevidade e Renda apenas 4,96%. Quem menos cresceu no período foi a Região Metropolitana de São Paulo, com a marca de 4,5%. Confrontar com a Região Metropolitana de Florianópolis, primeira do ranking, seria covardia: os 7,2% de melhoria dos catarinenses são quase o dobro do nosso indicador.


Para ficarmos no Estado de São Paulo, explicitamente abatido no Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, a Baixada Santista avançou 5,7% e a Grande Campinas registrou 6% de melhoria. A combinação dos sete indicadores do IDHM do Grande ABC resulta no índice final de 0, 818, contra 0,788 da Grande Campinas, 0,773 da Baixada Santista e 0,792 da Grande São Paulo, incluindo-se a região.


Os números que são catapultados desse novo estudo do IDHM só surpreendem quem nos últimos anos ficou de papo para o ar ou corneteou quem trabalhava. O mapa divulgado pelo Ipea e pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) mostra o quanto os paulistas vêm perdendo participação relativa na qualidade de vida e desmonta parte da operação de narcisismo estatístico do IPRS (Índice Paulista de Responsabilidade Social), criado pela Assembléia Legislativa como réplica estadual do IDHM. Sim, porque na medida em que os dados do IDHM são colocados à disposição do público e se constata sem mandraquismo que os paulistas perdem terreno, o IPRS passa a ter seus resultados sob suspeita. Não que sejam inúteis. O problema é que, preso à própria geografia paulista, deixa de considerar as transformações que ocorrem no País. A família paulista, para simplificar a equação, pode ter melhorado de qualidade de vida pelo IPRS e também pelo IDHM, mas, quando se colocam os números no plano interestadual, nem tudo que reluz é ouro.


Aliás, essa é uma antiga tática de disfarce. Um exemplo é o caso da desindustrialização do Grande ABC e também da Grande São Paulo. Quando se estabelece correlação dos números dentro do Estado de São Paulo, as perdas são evidentes, com crescimento sobretudo da Grande Campinas, da Grande Sorocaba e da Grande São José dos Campos. Quando se confronta com o País como um todo, então, é um escândalo e aquelas três regiões acabam amenizando os estragos paulistas localizados em boa parte dos 39 municípios da Grande São Paulo.


Um exemplo prático de que os paulistas naufragam nas águas do IDHM de abrangência nacional está no ranking divulgado no final da semana passada. Em 1991, um total de 27 municípios paulistas constava da lista dos 50 maiores IDHMs. Sabem quantos sobraram em 2000? Apenas 14. Ocupamos o primeiro lugar com São Caetano, o segundo com Águas de São Pedro e o quinto com Santos entre os 10 primeiros colocados; depois aparecemos com Vinhedo (14º), Jundiaí (15º), Ribeirão Preto (21º), Santana de Parnaíba (23º), Campinas (24º), Saltinho (28º), Ilha Solteira (31º), São José dos Campos (37º), Araçatuba (39º), Paulínia (42º) e Presidente Prudente (44º).


O que a redução do batalhão quase à metade significa de ilustrativo? Que o Estado de São Paulo não está conseguindo seguir os passos de melhoria de qualidade de vida que, por exemplo, os gaúchos, os catarinenses e também os paranaenses conseguem imprimir. Em 1991, esses três Estados contavam com 17 municípios entre os 50 melhores. Já em 2000 saltaram para 32 endereços no bloco dos 50 mais. Já imaginaram se o IDHM fosse mais completo e incorporasse também — e não se entende por que não incorpora — o índice de homicídios? Aí a qualidade de vida seria compreendida numa dimensão mais realista, sobretudo Rio de Janeiro morro acima, São Paulo morro abaixo.


O Grande ABC, como informamos sexta-feira, só teve São Caetano como destaque positivo no IDHM, passando do segundo para o primeiro lugar, enquanto que Santo André caiu do 12º lugar em 1991 para 92º em 2000, São Bernardo caiu do 14º para o 102º lugar e os demais municípios desapareceram do mapa. Até Ribeirão Pires, maior derrotado em transformação industrial nos últimos oito anos, despencou do 78º para o 422º lugar.


A liderança de São Caetano, como também abordamos rapidamente na sexta-feira, é consequência direta de alguns aspectos. Pesou sobremaneira no título de São Caetano o fato de ter reduzido seu contingente populacional de 149.519 para 140.159 habitantes, enquanto os demais municípios do Grande ABC viram seus moradores saltarem de 1.899.155 para 2.214.563 — uma diferença de 315.408 pessoas, ou 16,60%. Santo André, São Bernardo, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra ganharam quase uma nova Diadema de habitantes, geralmente de baixa renda e de alta demanda por serviços públicos, que afetam indicadores estruturados no IDHM. Enquanto isso, a São Caetano também abatida economicamente reduziu o estoque em quase 10 mil pessoas e pôde, com isso, minimizar os efeitos do recuo de receitas para aplicação em qualidade de vida.


São Caetano torna-se um oásis da classe média cujas atividades profissionais em larga escala se dão fora de seu território físico. Em contraposição, exatamente por ser de classe média, São Caetano detém indicadores extraordinários (para a realidade nacional) nas áreas de Educação e Saúde, que balizam o IDHM. Em compensação, os demais endereços municipais da região comem o pão que o diabo amassou porque sofreram as complicações da evasão industrial (como São Caetano, diga-se de passagem) associada ao aumento populacional. O caso de São Bernardo é dramático, porque entre 1991 e 2000, período pesquisado para a costura do IDHM, recebeu praticamente uma população equivalente à de São Caetano para suplementar políticas públicas — sua geografia ganhou 136.284 pessoas, saltando de 566.893 para 703.177. O entendimento do fator demográfico como peso prevalecente nas contas finais do IDHM se dá recorrendo à metodologia aplicada.


Para a avaliação da dimensão educação, o cálculo do IDHM considera dois indicadores, com pesos diferentes: taxa de alfabetização de pessoas acima de 15 anos de idade (com peso dois) e taxa bruta de frequência à escola (com peso um). O primeiro indicador é o percentual de pessoas com mais de 15 anos capazes de ler e escrever um bilhete simples (ou seja, adultos alfabetizados). O calendário do Ministério da Educação indica que se a criança não se atrasar na escola ela completará esse ciclo aos 14 anos de idade, daí a medição do analfabetismo se dar a partir dos 15 anos. O segundo indicador é resultado de uma conta simples: o somatório de pessoas (independentemente da idade) que frequentam os cursos Fundamental, Médio e Superior é dividido pela população na faixa etária de sete a 22 anos da localidade. Estão também incluídos na conta os alunos de cursos supletivos de Ensinos Fundamental e Médio, de classes de aceleração e de pós-graduação universitária. Apenas classes especiais de alfabetização são descartadas para efeito de cálculo.


Ainda segundo a metodologia que sustenta o IDHM, para a avaliação da dimensão longevidade considera-se o mesmo indicador do IDH de países: a esperança de vida ao nascer. Esse indicador mostra o número médio de anos que uma pessoa nascida naquela localidade no ano de referência (no caso, 2000) deve viver. O indicador de longevidade sintetiza as condições de saúde e salubridade daquele local, uma vez que quanto mais mortes houver nas faixas etárias mais precoces, menor será a expectativa de vida observada no local.


Para completar o IDHM, o critério usado é a renda municipal per capita, ou seja, a renda média de cada residente no Município. Para se chegar a esse valor soma-se a renda de todos os residentes e divide-se o resultado pelo número de pessoas que moram no Município (inclusive crianças ou pessoas com renda igual a zero). No caso brasileiro, o cálculo de renda municipal per capita é feito a partir das respostas ao questionário expandido do Censo — um questionário mais detalhado do que o universal e que é aplicado a uma amostra dos domicílios visitados pelos recenseadores. Os dados colhidos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) por meio dessa amostra do Censo são expandidos para o total da população municipal e, então, usados para cálculo da dimensão de renda do IDHM. O IDHM de cada Município é fruto da média aritmética simples desses três sub-índices: somam-se os valores e divide-se o resultado por três.


É muito provável que os prefeitos do Grande ABC, exceto Luiz Tortorello, sintam-se incomodados com a metodologia aplicada porque, embora tenha-se reduzido, a migração ainda não é um ciclo encerrado na região. Exaurida pela própria territorialidade exígua, Diadema já não apresenta a explosão demográfica dos anos 70 e 80. Entre 1991 e 2000, Diadema apresentou crescimento acumulado de 16,96%, contra 24,04% de São Bernardo, que empatou com Rio Grande da Serra, e também menos que os 23,18% de Mauá e os 22,82% de Ribeirão Pires. Quem menos inchou no período — também porque o preço da terra de periferia é relativamente maior que o dos vizinhos, menos São Caetano — foi Santo André, cujo crescimento populacional de 5,24% quebra o galho orçamentário da cidade que mais se empobreceu no Estado de São Paulo nos últimos 30 anos


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