O traçado do Eixo Sul do Rodoanel, conjunto de vias expressas de 160 quilômetros em torno da metrópole paulistana, pode ajudar a tornar mais produtiva a fábrica da Volkswagen de São Bernardo. Maior contribuinte de impostos do Município e voltada a tornar-se mais competitiva diante da pressão da concorrência por um mercado cada vez mais disputado, a Volkswagen pode ter acesso direto ao estratégico anel viário. A alternativa está em fase de entendimentos entre Prefeitura de São Bernardo e direção da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A), empresa do governo do Estado que coordena o projeto do Rodoanel.
A Volks tem discutido com representantes da Prefeitura sobre a possibilidade de ceder parte do terreno que predominantemente está reservado a veículos zero quilômetro e pretende transformar a mudança do traçado em melhora da operação logística de transporte. Diariamente, 1,2 mil caminhões abastecem de peças e acessórios as linhas de produção, enquanto 150 cegonheiros ocupam-se do carregamento e transporte de veículos novos.
A mudança do traçado inicial do Rodoanel é explicado pelo engenheiro mecânico Ricardo Gregório, gerente de Engenharia de Manufatura da Volkswagen, como resultado de aspectos topográficos desfavoráveis. O terreno da empresa seria indicado pela topografia mais suave. Já o coordenador do Grupo de Infra-Estrutura e Acessibilidade da Câmara Regional do Grande ABC, Renato Luiz Maués, alega que, sem o desvio, as desapropriações no Bairro do Areião, na altura do Km 28 da Via Anchieta, provocariam problemas habitacionais graves, pois a área é densamente povoada com ocupação urbana por população urbana de baixa renda.
Pragmatismo múltiplo
Pouco importa se pesa mais a complexa topografia ou a explosiva possibilidade de mexer com centenas de moradores do Areião. O pragmatismo da alternativa parece não encontrar obstáculos porque a Dersa precisa da área da Volks, a Volks clama pela melhora de logística de transporte e a Prefeitura sofre pesadelos diante do já histórico enxugamento de sua receita tributária.
Comitiva da Prefeitura liderada pelo secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Fernando Longo, já esteve reunida com executivos da Volks, como o vice-presidente de Assuntos Corporativos, Miguel Jorge, e o diretor-jurídico Ricardo de Carvalho, além do próprio Ricardo Gregório. Até o final do mês passado a Dersa não participara diretamente das negociações, mas uma reunião está programada para breve.
É certo que a proposta encaminhada pela Prefeitura em nome da Dersa vai encontrar uma Volkswagen receptiva. Entretanto, o acesso ao Rodoanel para o tráfego de caminhões e ônibus que servem à fábrica é condição básica, garante Ricardo Gregório. Nem poderia ser diferente, porque a maior montadora do País e seus fornecedores sofrem com altíssimos custos logísticos para tentar amenizar as dificuldades. A partir de abril do ano que vem a Volks contará com portaria para acesso de caminhões no Km 25 da Via Anchieta. Com isso, o fluxo de 1,2 mil caminhões da chamada portaria do Demarchi não será mais a única alternativa de entrada e saída da fábrica. O engenheiro Ricardo Gregório estima que, de imediato, perto de 300 veículos mudarão o trajeto de acesso em direção à Anchieta. Após a inauguração do trecho do Rodoanel e do acesso à Volks, o fluxo chegará a pelo menos 60% do volume diário.
Transtornos seguirão
A nova portaria na Anchieta faz parte de projeto que prevê a construção de viaduto no Km 25 e é uma antiga reivindicação da Volks, mas os transtornos seguirão enquanto o anel viário não for materializado. Entenda-se por transtornos o fato de todos os caminhões-cegonheiros e parte dos caminhões de grande porte serem obrigados a executar trajeto dispendioso, pois não conseguem retorno à Capital pelo trevo do Riacho Grande por causa das limitações de altura do vão do viaduto local.
Os motoristas são obrigados a seguir em frente, passar (e pagar) pelo pedágio e, então, retornar à Anchieta, na pista contrária. Já os caminhões que vêm da Cosipa, na Baixada Santista, carregados de chapas de aço, têm obrigatoriamente de ingressar no viaduto próximo ao Wal Mart para chegar à Portaria Demarchi. Tudo isso, evidentemente, reflete-se em custos adicionais que não atingem montadoras de outras regiões brasileiras que fazem do just-in-time uma das peças-chave do intrincado quebra-cabeças de competitividade.
A provável intersecção com o Rodoanel poderá acrescentar produtividade no redimensionamento físico da Volks Anchieta, mostrado na edição de outubro de LivreMercado. Desde novembro é possível conferir o primeiro resultado dessa cruzada pela reestruturação da empresa: os funcionários que usam veículo próprio ganharam dois estacionamentos internos controlados com cartão eletrônico, com 1.320 vagas. O espaço surgiu a partir da derrubada da ala 15, que abrigava peças de garantia, e da junção com o pátio onde ficavam carros faturados.
Rota da modernidade
Essa primeira intervenção faz parte do MasterPlan, uma carta de navegação que tem o propósito de colocar a Volks Anchieta na rota da modernidade. A mais antiga planta da marca no Brasil, inaugurada em 1957, tem 1,1 milhão de metros quadrados construídos dentro do terreno de 1,9 milhão. Um gigantismo que não cabe mais na era da produtividade e que, por isso mesmo, facilita as negociações entre a Prefeitura e a Dersa para desapropriação de uma franja do megaterreno da montadora.
Pelo MasterPlan, que abraça toda a manufatura, ou seja, 60% da área total construída da Volks, o espaço de concreto será reduzido no mínimo em 20% -- ou dois clubes Aramaçan -- no complexo Anchieta até 2002 ou 2003, segundo anunciou à época Sérgio Batista, coordenador do programa.
O vice-presidente de Recursos Humanos da Volkswagen, Fernando Tadeu Peres, já havia dito à LM que o redimensionamento dos excessos físicos da fábrica se espelha na compacta planta da marca na Grande Curitiba e que os espaços liberados em São Bernardo devem ganhar novos ocupantes -- os fornecedores mais importantes da unidade, os chamados sistemistas.
Consenso
A direção da Dersa espera que até 6 de dezembro os prefeitos dos sete municípios do Grande ABC cheguem a consenso sobre o traçado do Rodoanel na região e formalizem acordo. A Dersa tem pressa porque o EIA-Rima (Estudo de Impacto Ambiental-Relatório de Impacto ao Meio Ambiente) já está pronto e a Secretaria de Transportes Metropolitanos quer as obras a todo vapor.
Se a participação de São Bernardo no trajeto do Rodoanel depende de negociações que compensem a cessão de parte do terreno da Volks mediante o acesso de seus parceiros ao anel viário, Santo André ainda bate o pé quanto ao trecho que cruza o Parque do Pedroso. A Prefeitura insiste que o Rodoanel passe ao Norte do Parque, servindo de inibidor ao ritmo de ocupação demográfica na área. A Dersa discorda com veemência: seus técnicos defendem que a topografia da área sugerida inviabilizaria a obra.
Já Mauá só tem motivos para comemorações, porque teve todas as reivindicações atendidas: o Rodoanel vai ter intersecção com a Avenida Papa João XXIII, o que facilitará o escoamento da produção fabril do Pólo de Sertãozinho. Com o ajuste do traçado, Mauá abriu mão de reivindicação de 30 anos junto ao governo do Estado -- a interligação do Município à Via Anchieta por rota exclusiva.
Orçado em US$ 2,8 bilhões, sem contar as desapropriações, o Rodoanel foi concebido para interligar 10 rodovias e cinco troncos ferroviários que convergem para a Capital. Também servirá para aliviar o trânsito das marginais Pinheiro e Tietê. Dos 243,5 milhões de toneladas anuais de carga dos caminhões que atravessam a Região Metropolitana de São Paulo, apenas 12,6% são de fato destinadas à Capital. Dos 300 mil veículos que transitam diariamente nas marginais paulistanas, 100 mil caminhões estão apenas de passagem. As obras do Rodoanel são financiadas pelos governos federal, estadual e municipal, além da iniciativa privada.
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