Imprensa

Complexo de Gata Borralheira
rejeitado em momento impróprio

DANIEL LIMA - 16/11/2015

O Diário do Grande ABC de sábado perdeu uma manchetíssima (manchete das manchetes de primeira página) que ficará para a história. Deixar em quinto plano os atentados terroristas em Paris foi uma iniciativa de lascar. Nem manchetíssima, nem manchete, nem manchetona nem manchetinha. O jornal reservou apenas uma chamadinha inexpressiva no pé da primeira página e uma matéria discretíssima no pé da página interna, aberta com mais uma jornada de populismo do ex-presidente Lula da Silva, agora no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Quando o piloto automático do regionalismo a qualquer custo se sobrepõe, o resultado é desastroso. A criança do bom senso foi esquecida no banco traseiro.


 


Já imaginaram os leitores se ainda estivesse a atuar como consultor do Diário do Grande ABC, cargo que exerci entre maio e setembro deste ano? O que diriam meus inimigos de sempre? Diriam que sou um regionalista de merda, assim mesmo, de merda, porque não enxergo o mundo em que vivemos.


 


Justamente eu, vejam só, que consumo literaturas de sociólogos, economistas e filósofos, entre outros pensadores, do mundo inteiro justamente para não cair na vala comum do provincianismo disfarçado de regionalismo.


 


Regionalismo enfático


 


A propósito de regionalismo e provincianismo, o mais recente texto que escrevi sobre a temática foi em 17 de junho deste ano. Estava eu ainda no Diário do Grande ABC. Fiz uma defesa enfática de abordagem prioritariamente regional das publicações impressas e digitais locais. Sobretudo os veículos diários ou quase diários. “Afinal, nada é mais complicado do que tentar competir com a grande mídia impressa, digital e televisiva, que passa o tempo todo a desbravar informações nacionais e internacionais. A Província do Grande ABC é nossa pátria” – escrevi naquela oportunidade.


 


Também escrevi as seguintes sentenças naquele texto: “Quando saímos para jogar no campo do adversário mais bem aparelhado, a tendência é sofrer derrota. Nenhuma publicação da região vai encarar a grande mídia paulistana e nacional na cobertura de assuntos fora de nossa geografia. A derrota será fragorosa, inclusive dos consumidores de informações locais, que querem saber o que se passa nestas bandas, já que o que se passa em outras bandas eles encontram em fontes mais preparadas, as quais, em contraposição, conhecem pouco nossa realidade. Tanto conhecem pouco que quando aportam aqui geralmente cometem barbaridades” -- escrevi.


 


Evangelho universal


 


O leitor certamente estaria imaginando, quando não viu no Diário do Grande ABC de sábado a manchetíssima de Paris, que exerci influência peremptoriamente provinciana sobre aquela publicação. Pura bobagem. O evangelho do jornalismo profundamente regional é professado por todos os especialistas do ramo em forma de recomendação às publicações que não podem competir com os grandes players. Não faço nenhuma pregação revolucionária. 


 


Tanto me preocupei naquele texto de junho a não sugerir a ideia de que seja um provinciano metido a besta que alguns parágrafos deixam claro meus pensamentos: “A regionalização da pauta jornalística da Província do Grande ABC não tem o significado de que a agenda nacional e internacional esteja interditada e que eventualmente uma manchetíssima daquelas geografias não possa furar o cerco. A morte do papa em abril de 2005 foi exceção à regra de nove meses de manchetíssimas regionais que permearam minha passagem como diretor de redação do Diário do Grande ABC (em 2004/2005). Nenhum fato regional seria tão importante porque, mais que o registro de uma notícia, o que se praticou foi o registro da história”.


 


Banco traseiro


 


É claro e indiscutível que, ao contar com agências de notícias nacionais e internacionais, o Diário do Grande ABC poderia sustentar manchetíssima na edição de sábado e informações mais robustas na sequência dos fatos, os quais foram totalmente ignorados na edição desta segunda-feira. Entretanto, o piloto automático estava ligado. Não consigo entender algo diferente disso para explicar o que se passou na Redação do jornal a ponto de desprezar a manchetíssima mais óbvia dos últimos tempos.


 


O terrorismo em Paris, que transcende a geografia local e invade terrenos políticos, econômicos e culturais que centralizam a atenção da mídia mundial, era uma barbada de manchetíssima. Esqueceram lamentavelmente a criança no banco traseiro. Acontece, mas não poderia acontecer.


 


O Diário Regional que vejo na tela do computador reproduz a primeira página de sábado-domingo. Os atentados ganharam o que chamaria de uma manchete no alto da página. Menos mal, mas também nada satisfatório.


 


A imprensa regional sofreu nesse caso o que chamaria de reverso do Complexo de Gata Borralheira, que, como já abordei em inúmeros textos e no livro que lancei em 2002, é espécie de tentativa de negação da inferioridade opondo uma resistência patética que torna a enfermidade mais grave ainda.


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