Costumo repetir uma frase que elaborei numa correspondência eletrônica trocada faz muito tempo com um ex-executivo do Diário do Grande ABC metido a pasteurizar os então já debilitados números econômicos da região, sequestrando-os à seara publicitária, sua especialidade e, portanto, oposta aos interesses jornalísticos.
Ele, vejam só, comprou uma briga que mantive durante algum tempo com João Batista Pamplona, executivo público cheio de títulos universitários que, acreditem quem quiser, negava qualquer resquício de desindustrialização da região naqueles meados dos anos 1990. Pamplona fora trazido à Agência de Desenvolvimento Econômico pelo então prefeito Celso Daniel, que dirigia aquela instituição. Veio com a prepotência coercitiva de que encontraria não mais que um gataborralheirismo típico de províncias que se encantam e entregam a alma, quando não partes íntimas, a colecionadores de cursos e de frases bajulativas de visitantes sem compromisso com o futuro regional.
O que pretendia o tal executivo do Diário do Grande ABC, de origem asiática, que se foi algum tempo depois mas deixou rastro de enganação pública adorada por gente que está no poder e do poder só quer usufruir?
Queria ele que, por ser a revista LivreMercado propriedade majoritária do Diário do Grande ABC, obedecesse fielmente aos desígnios da casa. Ou seja: que entrasse na onda verde e amarela de enaltecimento enlouquecido das virtudes ou de supostas virtudes regionais. “Meu Grande ABC” era o slogan da campanha publicitária e editorial do Diário do Grande ABC. Um mote que se comprovou mais que inócuo: atrapalhou a melhor fase da Redação daquela publicação, comandada pelo jovem Alexandre Polesi. Não fosse o triunfalismo, teria sido o período mais fértil do jornal. Não foi por acaso que lutamos muito para que LivreMercado integrasse o empreendimento da Rua Catequese a partir de março de 1997, sete anos e meio após a criação do produto.
Editorial intocável
Reagi à tentativa de assalto do então executivo do Diário do Grande ABC. Era um descalabro ao qual jamais me submeti na área editorial de LivreMercado, controlada por mim e por minha equipe de trabalho. Não é preciso dizer que as relações azedaram muito antes de Ronan Maria Pinto adquirir o controle daquela publicação em 2004. E a bem da verdade, Ronan Maria Pinto jamais interveio na linha editorial. Ele sabe exatamente com quem estava lidando e teve o bom senso de não mexer em time que estava ganhando, embora este jornalista, como capitão do time, aperfeiçoasse aquela linha de produção com qualidade editorial que a região jamais vira e jamais verá. Até porque não merece.
Os profissionais de comunicação com os quais trabalhei na revista LivreMercado são as melhores recordações que guardo do jornalismo – juntamente com a equipe de Esportes que dirigi no começo dos anos 1970 e no começo dos anos 1980 no Diário do Grande ABC.
Perguntaria o leitor que frase enviei ao executivo do Diário do Grande ABC e também qual é a razão de abordar o assunto neste final de ano, quando todo o mundo está com os olhos e o coração voltados a no mínimo duas semanas de vagabundagem geral. Simples: escrevi àquele interlocutor que, ao contrário do que se consagrou como uma das máximas mais usadas pela humanidade, o pior cego não é aquele que não quer ver; o pior cego é aquele que pensa que enxerga.
Fonte criadora
Não me perguntem de que cartola retirei essa definição muito mais interessante que a mais popular e de autoria desconhecida. Talvez a fonte de criação tenha sido mesmo a indignação, a raiva, a irritação, ao ver alguém que não é do ramo jornalístico meter uma colher de intromissão para macular uma produção editorial. Fosse colaboração para melhorar o produto, como tantos o fizeram ao longo daquela jornada de duas décadas, tudo estaria resolvido.
Agora, finalmente, vou chegar onde pretendia, e fazer jus ao título deste artigo. A divulgação do PIB dos Municípios brasileiros revelou que os jornais impressos e digitais da região sofrem com a ausência de cabeças pensantes, capazes de decifrar números tão importantes.
Sem entrar em detalhes individuais das publicações, o que vi foi assustador. O noticiário trafegou entre a simples reprodução do material disponível na Internet, mais precisamente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) a uma manipulação descarada dos dados.
Compararam números incomparáveis, porque sem sustentação metodológica. Tudo na tentativa, vejam só, de torpedear tanto esta revista digital quanto o Observatório Econômico da Universidade Metodista (mais o primeiro do que o segundo, claro) que anteciparam perda do PIB Regional pelo terceiro ano seguido.
Novas regras, novos resultados
Ora, é evidente que com nova metodologia, as regras do jogo se alteraram. E o que era uma previsão sustentada de queda virou ganho irrisório quando o PIB de 2013 é comparado ao do ano anterior. Mas, a perda é inquietante quando se avança mais profundamente nos dados e se verifica que a participação do PIB Regional no bolo nacional é cada vez menor. Não é a primeira vez que escrevo que a região é cada vez menos importante no conjunto de municípios e regiões do País. Outros indicadores têm dado sustentação à informação e às análises.
Além de baixo preparo técnico para desvendar os números do PIB e de tantos outros indicadores, a imprensa da região sofre do Mal do Imediatismo. Para a maioria, ou quase totalidade, não existe amanhã e em muitos casos nem ontem. Explico: uma notícia importante morre no dia em que é publicada, como se fatos antecedentes e horizontes que se abrem não reunissem qualquer resquício de relevância. Perseguir informações correlatas e complementares é exceção à regra do esquecimento generalizado. Nossas redações sofrem de amnésia compulsiva.
Com isso, surgem intrépidos os oportunistas que, omissos ao longo dos tempos, esperam a primeira suposta falha dos desbravadores de novas pautas jornalísticas e, pimba, acreditam que acertaram na mosca ao lhes endereçarem críticas açodadas. Foi o que se deu com a divulgação do PIB e a mistureba idiota de que quem -- como este jornalista e a Universidade Metodista -- se meteu a afirmar que o PIB Regional de 2013 seria negativo, deu-se mal.
Algo semelhante a desdenhar dos jornalistas que apontaram o Vasco durante larga etapa como iminente rebaixado nesta temporada da Série A do Campeonato Brasileiro -- algo que se confirmou no campo de jogo mas que, eventualmente poderia sofrer reviravolta no tapetão, como se deu num passado recente com o Fluminense. Ora, o tapetão que beneficiou o Fluminense ainda outro dia é o tapetão estatístico que o IBGE aplicou em favor da região no PIB de 2013.
Alterações gerais
Outras localidades potencialmente negativadas na contabilidade do PIB antigo obtiveram resultados discretamente favoráveis como a Província do Grande ABC porque se adicionou mais água no feijão. Mesmo que isso tenha representado, no caso da região, perda da qualidade. Tanto que somente durante a recessão de 2009 a participação regional no PIB Nacional foi tão pequena. Ganhamos no varejo e perdemos no atacado, eis a mensagem clara dos números do IBGE. Com a metodologia antiga, teríamos perdido no varejo e no atacado.
Mais uma vez – e não vai aqui nenhum cabotinismo -- só conhecerá detalhes importantes e informações robustas sobre a Província do Grande ABC quem tiver acesso a esta revista digital. Tudo porque os consumidores de informações acabam tendo restritas fontes de informações mais profundas e confiáveis.
Tem sido assim com tanta coisa, mas com tanto coisa, que não consigo compatibilizar o prazer do individualismo natural da profissão à responsabilidade coletiva de uma atividade que precisa ser repensada permanentemente ante a imperiosidade de prestar contas aos leitores.
O pior cego é aquele que pensa que enxerga – isso vale àqueles que, na escuridão da baixa capacidade interpretativa, buscam atalhos maliciosos, quando não deletérios, para se imaginarem competentes.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)