Vai demorar para desaparecerem as digitais estrepitosamente danosas da gestão de Milton Bigucci no Clube dos Construtores e Incorporadores do Grande ABC. Uma das medidas que o novo presidente da Acigabc, Marcos Santaguita, poderá adotar para afastar o fantasma do antecessor que durante 21 anos levou o mercado imobiliário da região, em termos institucionais, à bancarrota, é moralizar e dar transparência à pesquisa de comportamento da atividade. Milton Bigucci deixou rastro de ilusionismo que precisa ser eliminado. Ele próprio confessa o crime da manipulação, como os leitores poderão ler em seguida.
Vamos de forma objetiva a um exemplo de como Milton Bigucci instrumentalizou um jogo de ilusionismos como então presidente do Clube dos Construtores. Basta ver o que disse agora em entrevista ao Diário Regional, na condição e empresário, e também num artigo assinado no Diário do Grande ABC de hoje.
O exemplo tem o significado claro de mostrar o quanto a mentira tem a perna curta. No caso, se não for mentira deliberada, pensada, é um monumental descuido de um especialista no assunto, caso do empresário em questão. Com qual das duas alternativas ficaria o leitor?
O boletim oficial do mercado imobiliário, que consta do site do Clube dos Construtores, informa que entre janeiro e setembro de 2015 foram lançadas 3.788 unidades na região, ante 3.504 unidades no mesmo período de 2014, com aumento de 281 unidades, as quais corresponderiam a 8% de acréscimo.
Nos mesmos nove meses do ano passado, na cidade de São Paulo, de mercado imobiliário muito mais dinâmico, o acumulado de lançamentos totalizou 18.510 unidades, volume 35% inferior ao mesmo período do ano anterior. As informações constam do site do Secovi, o Sindicato da Habitação, ao qual o Clube dos Construtores do Grande ABC está ligadíssimo entre outros motivos porque a entidade local não tem caixa para bancar suas próprias despesas.
Delito informativo
Como todos sabem, estamos em janeiro. O ano passado acabou de passar. Como o ano passado acabou de passar, qualquer menção estatística sobre o ano passado tem tudo a ver com a situação que estamos vivendo. O calendário gregoriano não tem o dom de apagar o comportamento de pessoas, e pessoas fazem as transformações na sociedade. Simples assim, é claro.
Então, faço um convite ao leitor que eventualmente considere que esteja este jornalista a exagerar sobre os rompantes malabaristas de Milton Bigucci, ainda respondendo sobre os dados do ano passado do Clube dos Construtores. Leiam a seguinte declaração deste final de semana do empresário sobre a situação do mercado imobiliário. Ele foi entrevistado pelo Diário Regional. Foi colhido, portanto, em flagrante delito informativo. Leiam:
“O mercado imobiliário está em depressão. Mais do que já está acontecendo, deverá ocorrer nos próximos 12 meses o aumento do volume do desemprego na construção civil brasileira, que representa milhares de empregos”, observou Bigucci. “O raciocínio é simples: se nos últimos 12 meses os lançamento caíram em torno de 50% e uma obra começa normalmente seis meses após o seu lançamento, é óbvio que haverá um desemprego grande nos próximos 12 meses”, – escreveu o Diário Regional.
Declaração mortal
Ora bolas, não há a menor dúvida de que Milton Bigucci então à frente do Clube dos Construtores, prestou informações manipuladas para produzir o balanço das atividades do setor na região ao longo dos primeiros nove meses do ano passado. Ou estou enganado? Ele disse com clareza que nos últimos 12 meses os lançamentos caíram 50%. Exatamente os 12 meses do ano passado. Então, o crescimento de 8% dos lançamentos nos nove primeiros meses, como consta do boletim, é a prova da mentira.
O presidente Marcus Santaguita e os novos dirigentes do Clube dos Construtores e Incorporadores sabem que não existe outra saída para que se recupere o tempo perdido, mesmo que em etapas e gradualmente. Tudo que encontraram na entidade precisa passar por operação pente fino. E o balanço do mercado imobiliário na região não pode se prestar a prestidigitações ao sabor de interesses corporativos localizados, denunciados aqui ao longo dos anos.
Para não dizerem que só atiro pedras em Milton Bigucci – os idiotas de plantão confundem críticas fundamentadas com perseguição enlouquecida – eis que extraio da mesma entrevista do empresário ao jornal Diário Regional uma questão sobre a qual ele, Milton Bigucci, tem certa dose de razão, embora nem por isso seja inocente campeão regional em abusos contra a clientela, como foi apontado pelo Ministério Público do Consumidor.
Trata-se de sério problema que aflige empresários do setor imobiliário, em forma de número alucinante de devoluções de imóveis financiados na planta, os chamados distratos, com amparo total do Judiciário. Vejam o que disse Milton Bigucci na entrevista:
Os contratos de compra e venda de imóveis não são respeitados no País, infelizmente. Se o comprador acha que é melhor cancelar, ele vai atrás, mas não quer pagar os custos incorridos como, por exemplo, a comissão do corretor, que prestou o serviço. Não é justo sair do negócio, quebrar o contrato, sem responder pelos prejuízos causados. Além de ilegal é inconstitucional. Os distratos podem inviabilizar e prejudicar os demais compradores do prédio e a construtora”, ressaltou Bigucci.
Relações equilibradas
Vale a pena analisar a declaração do empresário. Está fora do que o bom senso sugere, mas não é inteiramente descabida. O assunto é polêmico e já deveria ter sido assumido pelas entidades de classe de maneira mais consistente. Quem sabe Marcus Santaguita e sua diretoria atuem imediatamente no sentido de formular propostas que possam servir de amparo a uma legislação mais equilibrada entre as partes.
Nenhum comprador, em situação normal, recorre a distratos. Fundamentalmente a ação decorre de incapacidade de pagamento constatada antes do financiamento oficial. Pode até ser que nos últimos tempos tenha havido fluxo maior de distratos motivado pelo descompasso latente entre oferta e demanda e as repercussões nos valores contratados.
Os preços dos imóveis desabaram em proporção muito maior do que apontam sites especializados em produzir lobby do setor. Quem compara o preço de imóvel em fase de construção com imóvel semelhante e já pronto que consta da bacia das almas de ofertas ditadas pela crise do setor, é tentado a recorrer a distrato. Nestes tempos de aperto o que os compradores de qualquer coisa mais fazem é comparar preços. Imaginem o que se passa no mercado imobiliário, um bem que, financiado, limita o orçamento familiar durante pelo menos duas dezenas de anos.
Não existe nada de inconstitucional nas sentenças judiciais que determinam às empresas a devolução quase integral dos valores despendidos pelos adquirentes. Trata-se de contraofensiva judicial aos abusos de empresas que praticamente ignoram os direitos dos compradores. Há em média devolução superior a 80% do dinheiro antecipado durante a fase de construção do imóvel. Sem a intervenção do Judiciário, a maioria das construtoras abria mão de 15% a 20%, no máximo.
O desencaixe de capital que as construtoras sofrem com a avalanche de medidas judiciais é um ponto a ser tratado com sabedoria, não com esperteza. Para tanto, é indispensável que se admita a legitimidade do direito de qualquer adquirente recuar da decisão de compra antes de lançar mão do financiamento oficial.
Feito isso, para que a multiplicação de distratos não comprometa a própria obra, sugeriria que se devolvessem os valores antecipados em parcelas correspondentes aos desembolsos dos compradores. O parcelamento, entretanto, só seria adotado sob condicionantes vinculadas tanto à fase das obras quanto ao período da demanda judicial, interrompendo o atual circuito de esticamento da disputa.
Quem é do ramo imobiliário e preza por relacionamento frutífero com os adquirentes sabe que é factível encaminhar solução amenizadora do quadro. Uma solução que passa a léguas de distância da metodologia utilizada pela MBigucci e tantas outras empresas do ramo, contra as quais o Judiciário não fraqueja.
Já passou da hora de o mercado imobiliário da região debater o assunto de forma coletiva, longe das paredes exclusivamente corporativistas e sob a ditadura de supostos direitos contrariados. Direitos que o Judiciário não tem acolhido porque não parecem razoáveis. Corretores imobiliários não podem receber valores correspondentes a um bem cuja negociação não se consumou, por exemplo. Ou alguém tem alguma dúvida de que todo imóvel vendido na fase de construção já está precificado com os direitos de um agente de vendas?
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