Criada nos anos 1970 para cuidar das pequenas e médias indústrias metalúrgicas do Grande ABC, a Anapemei morreu de morte morrida tal qual os associados que buscaram sobrevida na força de gravidade da pregação institucional. Se foi complicado demais sobreviver durante os anos de chumbo de pressões sindicais que colocavam empreendimentos de todos os portes no mesmo balaio de gato de cobranças, com a abertura econômica dos anos 1990 e, principalmente, com a estupidez de políticas econômicas do governo Fernando Henrique Cardoso para o setor, o desastre foi ainda maior.
Ainda vou recuperar um estudo sobre os efeitos do sindicalismo dos tempos bravios no Grande ABC e as consequências da abertura econômica. Comparei os dois períodos e também outro ponto importante: as perdas do Grande ABC com um sindicalismo mais combativo não se diferenciaram fortemente do sindicalismo mais ameno da Capital tão próxima, um sindicalismo liderado por “pelegos”, como costumavam dizer os sindicalistas do lado de cá da Grande São Paulo.
Mas isso virá com o tempo. A morte morrida da Anapemei do presidente Cláudio Rubens Pereira foi uma caçapa cantada pelo próprio dirigente, cérebro da instituição. Na entrevista daquela edição de julho de 2003 à revista LivreMercado, Cláudio Rubens fez a seguinte afirmação sobre o desenlace da Anapemei:
“Morreu porque não soube evoluir no conceito de sua própria definição, porque não era o anseio do próprio empresário fazer essa evolução. Não deu tempo de ele amadurecer para isso. Se o pequeno e o médio empresário tivessem tido tempo para amadurecer para isso, a Anapemei estaria viva e muito intensa por sinal”.
Maior algoz
Foi na sequência dessa declaração que Cláudio Rubens Pereira nomeou Fernando Henrique Cardoso o algoz mais duro e implacável.
Seis anos depois, converso por telefone com Cláudio Rubens. Ele preferiu não esticar muito a conversa nem forcei a barra. Lembrou o auge e o apogeu da Anapemei de forma monossilábica. Há seis anos, quando deu a entrevista que exumava o corpo inerte da entidade, Cláudio Rubens dizia que das empresas fundadoras da Anapemei a única que resistia, ainda, era a Rowamet, de sua família. Mesmo assim, em condições difíceis.
Recorro de novo àquela reportagem, insumo importantíssimo porque provavelmente foi a primeira vez que Cláudio Rubens abriu a mala de ferramentas de críticas públicas à avaliação do inferno em que se meteram as pequenas indústrias metalúrgicas do Grande ABC. Antes disso, poucas vezes Cláudio Rubens foi tão profundamente reflexivo. Depois, praticamente sumiu do mapa.
“Chegamos a contar com 240 associados, mas quando as assembléias eram dominadas por temas polêmicos, principalmente as relações sindicais e linhas de financiamento que não existiam e continuam não existindo, contamos com mais de 600 participantes. Fizemos assembléias em Campinas, em Jundiaí” — disse Cláudio Rubens há seis anos.
A debacle dos pequenos negócios industriais do Grande ABC, sobretudo do setor metalúrgico, foi uma associação da falta de preparo dos sucessores e da avalanche macroeconômica dos anos 1990, com a abertura indiscriminada do mercado. Mas para Cláudio Rubens Pereira, se os dois problemas fossem colocados numa balança, a influência macroeconômica seria muito maior. “Fomos atropelados por um processo que exigia recursos financeiros de capital de giro para investimentos e melhor conhecimento tecnológico. Ainda tem muita empresa por aqui funcionando com máquinas do tempo da onça. Ou seja: sem a menor condição de competir” — disse o então dirigente naquela entrevista em 2003.
Engenharia tática
A criação de uma entidade para congregar os pequenos negócios industriais principalmente no Grande ABC foi uma obra de engenharia tática que não alcançou o objetivo estratégico, ou seja, resistir e fortalecer o setor.
A existência do chamado Grupo 14 da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) não dava a garantia de que as negociações com os metalúrgicos era o caminho a ser mantido. Muito pelo contrário: a representação do empresariado no Grupo 14 privilegiava as grandes empresas e os representantes sindicais dessas mesmas empresas. Os pequenos estavam ensanduichados por interesses poderosos. Os pisos salariais eram aprovados acima das posses dos pequenos. Outras reivindicações também. A realidade das grandes empresas era o referencial das negociações.
Os pequenos que se danassem. Inclusive porque praticamente não tinham voz na mídia. As montadoras de veículos, estrelas do noticiário e implacáveis nas negociações de preços com fornecedores, não davam espaço àqueles bandos de pequenos negócios familiares.
Cláudio Rubens Pereira lembrou naquela entrevista que tentou transmitir inclusive ao então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, Lula da Silva, o disparate de forças. Era o começo dos anos 1980.
“A grande verdade é que nós, pequenos, éramos joguetes nas negociações. Ora, se a empresa de grande porte pagava salários acima do referencial do salário mínimo, qualquer valor envolvendo as pequenas e médias, abaixo das grandes, já significaria custo adicional às possibilidades de absorção. E notem que isso foi o primeiro patamar de acertos salariais. Depois os referenciais passaram a ser específicos da categoria, descolados do salário mínimo, e a situação só se complicou. Traduzindo: os pisos salariais das montadoras indexaram os pisos salariais das pequenas e médias autopeças, cuja realidade prática era completamente diferente” — disse Cláudio Rubens em julho de 2003.
Embora as montadoras sempre fizessem e ainda façam segredos sobre o custo relativo da mão-de-obra no universo de despesas, dados mais que consolidados tanto do passado quanto do presente são evidentes: a proporção girava em torno de 6% para as montadoras contra até 30% para as pequenas autopeças. Ou seja: o peso dos trabalhadores era irresistivelmente maior para os pequenos e qualquer variável penalizava sobremaneira as empresas familiares.
Muita estupidez
Naquela mesma entrevista o dirigente dos pequenos negócios industriais do Grande ABC deu um exemplo clássico das barbaridades cometidas pelo Grupo 14 da Fiesp em alinhamento com o sindicalismo metalúrgico: “Chegou-se ao ponto de um determinado sindicato propor que uma ambulância ficasse de plantão numa empresa, com médico, enfermeiro e motorista. Acabei mostrando que não tinha sentido porque a empresa contava com apenas quatro funcionários” — explicou Cláudio Rubens.
Não é porque tem queixas dos sindicalistas e dos grandes conglomerados empresariais que Cláudio Rubens retira da abertura econômica desalmada e, principalmente, de Fernando Henrique Cardoso, a carga mais pesada de críticas.
O dirigente da Anapemei disse naquela entrevista que o sindicalismo foi um dos fatores da evasão industrial do Grande ABC, uma espécie de disparador. “Mas não foi tão essencial. Funcionou, repito, como gatilho do processo. Deu início ao chamado Custo ABC. Foi a bolinha de neve que começou a rolar o Custo ABC que tende a crescer cada vez mais porque estou vendo a chegada de uma nova fase. Cantei que teríamos a terceirização, e terceirização não rende tributos para as prefeituras. Agora está sendo diferente e é por isso que os impostos municipais estão crescendo assustadoramente para cobrir o rombo da parcela de ICMS que foi perdida” — disse.
O próximo capítulo vai mostrar que os efeitos das ações sindicais também não foram uniformes no Grande ABC, pós-ressaca dos tempos de glória automotiva.
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12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES