Economia

Afinal, quem perdeu mais com
a crise: São Bernardo ou Macaé?

DANIEL LIMA - 05/02/2016

São Bernardo é a Capital Brasileira de Veículos. Macaé, a 180 quilômetros do Rio de Janeiro, é a Capital Brasileira do Petróleo. Quem o leitor acredita que perdeu mais empregos com carteira assinada no ano passado? Ano passado de crise econômica quase que genuinamente nacional, ano passado de crise no setor automotivo que acumulou perda de produção de quase 30%, ano passado de crise específica da indústria do petróleo forjada pelo escândalo da Petrobras, ano passado da persistente crise internacional do Petróleo, com rebaixamento recorde de preços do barril?


 


Afinal, quem perdeu mais empregos com carteira assinada, um dos indicadores mais sustentáveis do sucesso ou do insucesso de uma determinada cidade, região ou País?


 


Insisto na pergunta porque quero chamar a atenção para o cuidado que o leitor precisa ter antes de arriscar um palpite. Perdeu mais a Capital Brasileira de Veículos ou a Capital Brasileira de Petróleo?


 


A resposta é muito mais complexa do que parece porque comporta ponderações ajuizadas. Quero crer, cá com meus botões, que São Bernardo automotiva perdeu mais que Macaé petrolífera. Mas há controvérsias que precisam ser respeitadas.


 


Impacto industrial


 


Não há dúvidas de que, ao concentrar a resposta no impacto sobre o estoque de empregos industriais com carteira assinada, que vem a ser o melhor emprego possível porque reúne todas as garantias legais, São Bernardo sofreu mais perdas que Macaé. O estoque de emprego produtivo em São Bernardo em 2015 acumulou baixa de 9,53%. O estoque de Macaé emagreceu 8,21%.


 


A diferença parece mínima, mas é diferença. O que torna São Bernardo e Macaé menos semelhantes são a característica e a quantidade de trabalhadores em ação ou demitidos. O setor industrial de São Bernardo contava em dezembro de 2014 com 93.935 trabalhadores. Em Macaé, eram 17.953. Uma diferença e tanto. Terminaram a temporada passada, respectivamente, com 84.983 e 16.479 trabalhadores.


 


Sugere-se, pelo estoque de empregados e pelos números de baixas, que São Bernardo sofreu mais com a crise automotiva do que Macaé com a crise do petróleo. Mas não é bem assim.


 


Quando se vai ao estoque geral de empregos com carteira assinada, São Bernardo registrou no ano passado baixa de 6,52%, ante queda de 8,86% de Macaé. Ou seja: a cidade fluminense acusou mais de dois pontos percentuais de baixa do estoque de empregos em geral ante os números de São Bernardo. Dois pontos percentuais significam 26,41% de impacto superior de desemprego líquido em Macaé quando confrontada com São Bernardo.


 


Pesos diferentes


 


Então ficamos com a seguinte conclusão precária: por ser mais industrial, porque sua força de trabalho no setor de transformação significa 31,50% do estoque geral de empregos, São Bernardo sofreu mais com a crise econômica do que Macaé. Por sua vez, Macaé, cujo estoque de emprego industrial não passa de 13,16% do total de empregados em geral, perdeu mais carteiras assinadas quando se levam em conta outras atividades.


 


Espero não estar embananando o raciocínio dos leitores que, provavelmente, nestas alturas do campeonato, não sabem mais como se posicionar para tentar responder à pergunta-chave proposta.


 


Afinal, quem sofreu mais com a crise econômica brasileira no ano passado quando o assunto é o estoque de empregos disponível no final do ano em confronto com o saldo geral de um ano antes?


 


Em números absolutos São Bernardo supera Macaé tanto no quesito de estoque de emprego industrial quanto no quesito de empregos em geral. Nada mais lógico. A Capital Brasileira de Veículos conta com mais de 800 mil habitantes e um universo de 269.719 trabalhadores ativos com carteira assinada. Macaé de 180 mil habitantes reúne 125.168 trabalhadores legalizados.


 


Se nos números absolutos São Bernardo é soberano, em números relativos mantém a vantagem (que não é vantagem coisa alguma) sobre Macaé, porque o estoque de emprego formal foi mais duramente atingido, enquanto o Município fluminense supera a cidade da região no número relativo de demissões líquidas quando se consideram todos os setores econômicos.


 


Mais massa salarial


 


Calma, calma que ainda não cheguei ao ponto pretendido e que deve responder à curiosidade dos leitores. Afinal, quem perdeu mais com a crise econômica? Somente no futuro, quando o perfil salarial dos dois municípios for detalhado, será possível responder com segurança. Os valores salariais de empregos com carteira assinada no setor industrial são em média bem maiores que os valores médios das atividades de comércio e serviços, áreas que dominam em quantidade o estoque de emprego formal na quase totalidade dos municípios brasileiros.


 


Tenho cá comigo que quando o Ministério do Trabalho anunciar detalhadamente o desempenho dos municípios brasileiros, São Bernardo terá perdido mais massa salarial que Macaé em termos absolutos e relativos. Ou seja: a crise automotiva teria sido mais rigorosa que a crise petrolífera nesse enfrentamento das respectivas capitais das atividades.


 


Tiro essa conclusão de uma conta simples, embora não simplória: se o emprego industrial é mesmo e comprovadamente muito mais generoso em salários e benefícios trabalhistas do que o emprego em qualquer outra atividade, então São Bernardo acusou mais perdas porque sofreu o desfalque de 8.952 trabalhadores industriais, enquanto Macaé não passou de 1.474.


 


Mais argumento para tentar sugerir que o raciocínio é correto: enquanto as demissões do setor industrial em São Bernardo representaram 48,12% do total da temporada do ano passado (8.952 de 18.603), em Macaé o peso foi bem menor (12,11%0), resultado de 1.474 demissões no setor divididas por 12.168 demissões líquidas em todas as atividades.


 


Explicando ainda mais: São Bernardo perdeu muito mais empregos industriais no ano passado em relação ao estoque de trabalhadores do setor (48% ante 31,50%), do que Macaé, com queda simétrica de 13,16% ante 12,11%.


 


Sou capaz de apostar com qualquer economista: estou certo ao responder à questão contida no título deste artigo, embora não despreze que o melhor mesmo é esperar pelos dados do Ministério do Trabalho: São Bernardo sofreu mais impacto que Macaé na temporada passada.


 


Agora, vou chegar onde pretendia desde o início. Sabem o que realmente está fazendo a diferença entre os dois municípios? A atitude dos chefes de Executivos.


 


O prefeito de Macaé, segundo reportagem do jornal Valor Econômico de hoje, empreendeu série de iniciativas para amenizar os estragos petrolíferos, enquanto Luiz Marinho, de São Bernardo, entra mês e fecha mês sem sinalizar preocupação com a sorte das empresas e dos trabalhadores -- como se acreditasse piamente nos poderes miraculosos do Programa de Proteção ao Emprego liderado pelos companheiros metalúrgicos.


 


O prefeito de Macaé, Aluísio dos Santos, PMDB, decidiu, segundo o Valor Econômico, isentar as principais empresas da cadeia de petróleo do pagamento do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), além de reduzir a alíquota do ISS (Imposto Sobre Serviços) para os prestadores de serviços que se relacionam com a cadeia de produção de petróleo.


 


Luiz Marinho tomou caminho oposto em São Bernardo: recentemente anunciou aumento da alíquota de ISS de várias atividades (como o também petista Carlos Grana, em Santo André) e praticamente levou ao anonimato e à paralisia definitivos a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, cujo titular foi raptado da unidade local do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) para emudecer áreas menos dóceis à política econômica que pretendeu aplicar no Município.


 


Luiz Marinho, entretanto, não pode ser a resposta exclusiva à indigência de políticas públicas de combate aos estragos na economia regional. Os demais prefeitos são semelhantemente descuidados e desastrados. Eles não têm a menor vocação ao empreendedorismo público. São mortos-vivos administrativos quando o assunto é sair da mesmice de recolhimento de impostos para sustentar a máquina pública cada vez mais obesa e improdutiva.


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