Economia

PPE é presente de grego para a
pequena indústria. Explicamos

DANIEL LIMA - 02/03/2016

É bobagem dizer que o PPE (Programa de Proteção ao Emprego) favorece os trabalhadores em momentos de contração econômica como a que estamos vivendo no Brasil e particularmente no setor industrial da Província do Grande ABC. Primeiro é bobagem porque o PPE é um fracasso de público e bilheteria. Mesmo com certa coerção do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, notadamente nas montadoras, o resultado tem sido pífio, embora o marketing trabalhista procure dizer o contrário. O número de empresas e empregados supostamente beneficiados está muito abaixo do pretendido e do necessário. Segundo porque o PPE contempla tantas cláusulas condicionantes – a principal das quais a obrigatoriedade de as empresas estarem em dia com a escorchante carga tributária estatal – que praticamente apenas uma fração de empreendimentos habilita-se legalmente à empreitada.

Ora, bolas, se o PPE foi feito explicitamente para as grandes empresas do setor automotivo, principalmente, porque assim o quiseram as chamadas lideranças sindicais, está mais que sacramentado o descompasso nas relações trabalhistas e, por extensão mercadológica, na cadeia de produção.

Grandes versus pequenos

Por natureza as pequenas metalúrgicas e mesmo pequenas empresas de outros setores industriais da região comem o pão que o diabo amassou como fornecedoras dos grandes conglomerados multinacionais. Pratica-se um jogo duro no qual prevalece sempre e sempre o grande diante do pequeno. A estrutura de relações corporativas na região foi construída pelo poderio das grandes empresas em detrimento das pequenas.

A concorrência brutal por nacos de suprimento das empresas de grande porte levou muitos pequenos industriais ao auto esfacelamento. As dívidas que se acumularam, entre as quais ou principalmente as trabalhistas e fiscais, minaram completamente a capacidade de investimento das pequenas empresas. Daí à desativação ou à negociação de ações na bacia das almas ante a avalanche estrangeira, principalmente nos anos 1990, foi um passo.

Se a cooperação foi sempre subjugada pela competição predatória entre as pequenas indústrias na corrida pelo suprimento das grandes organizações, situação que se alterou gradualmente, mas sem apagar os estragos do passado, imaginem agora que as montadoras podem contar com certo refresco nos custos trabalhistas enquanto as pequenas empresas, alijadas do jogo, passam a ser pressionadas a manterem contratos que desconsideram ou fazem pouco caso da grave situação econômica por que passa o País?

Ambiente beligerante

Somente em casos muito específicos em que pequenas e médias indústrias não são submetidas ao torniquete de competitividade em frangalhos das grandes empresas as relações comerciais nas cadeias de produção não se revestem de ambiente destrutivamente beligerante.

É da natureza do capitalismo – agravada pelo intervencionismo babaca do Estado que se acha todo poderoso – os grandes imporem condições de aperto aos pequenos, chegando ao ponto de asfixiamento. Somente em situações muito especiais, nas quais os grandes não podem inviabilizar a própria operacionalidade com o aniquilamento de fornecedores, introduzem-se conceitos de cooperação.

A literatura econômica da região é farta, entretanto, de exemplos de estrangulamentos contínuos. Tanto que o estágio em que se encontram as pequenas e médias de diferentes setores, expresso na impossibilidade de inclusão no Programa de Proteção ao Emprego, é denunciatório de práticas que estão muito distante de se configurarem de proximidade e de colaboração.

Pesou mesmo ao longo dos anos a obsessão por resultados a qualquer custo para a conquista ou a simples manutenção da faixa de mercado, desdobrando-se, portanto, um quadro aceleradamente preocupante de inadimplência ante os mais diferentes setores do Estado pantagruélico que sonega aos contribuintes a quase totalidade das obrigações que lhe são inerentes -- até porque arrecada fortunas para tanto.

Desigualdade perpétua

Como o tratamento dispensado à potencialidade de inclusão no Programa de Proteção ao Emprego é desigual, embora pareça legalmente democrático, os resultados não poderiam mesmo ser diferentes. Explico a questão à qual me refiro como legalmente democrática: a interdição do terreno de acesso ao Programa de Proteção ao Emprego às empresas em dívidas com o Estado, concentradamente de pequeno porte, possibilita mais desigualdade no tratamento comercial entre seus representantes e as grandes empresas. Ou não faz diferença a queda temporária de custos trabalhistas possibilitada pelo PPE numa determinada empresa e a não utilização desse benefício pelas pequenas empresas como fator de elevação do desnível de negociação já tradicionalmente penalizador a quem tem menos poder?

O Programa de Proteção de Emprego é algo como o confronto entre um time pequeno e um grande tendo o primeiro como desvantagem sistêmica, além do histórico, dos valores individuais, do suporte ambiental,  da benevolência da arbitragem, a discriminação às regras do jogo, concedendo-se ao grande o direito de marcar gols com a mão e aos pequenos a punição caso tenha a ousadia de dar mais que dois toques sequenciais na bola.

É esse tipo de disputa deliberadamente desigual, que leva o pequeno time a novos mergulhos de baixa competitividade e esgotamento de resistência, motivo de comemorações dos sindicalistas.

Pior que tudo isso é o absoluto silêncio de economistas e críticos que povoam a mídia. Todos centram interesses e focos exclusivamente em aspectos macroeconômicas ou mesmo microeconômicos sem capilaridade social. Eles desprezam as armadilhas de um programa que, mesmo se contemplasse igualmente a todos os agentes econômicos, já seria uma aberração. Ou não seria uma distorção imperdoável diante do fato de que o Brasil vive uma quadra de esquartejamento do Produto Interno Bruto e de penúria fiscal?

No jogo pelo poder, que incluiu o controle da mídia com a disseminação de versões que não resistem a análises independentes, os sindicalistas deitam e rolam. Eles são treinados à exaustão para massificarem conceitos que lhes interessam como ferramenta de aproximação com os poderes constituídos, os quais não resistem a pressões localizadas como se pressões gerais fossem.  Um falso ambiente de concordância. E de unanimidade verdadeiramente burra. 



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