Economia

Ambiente industrial dá à região
título nacional de desesperança

DANIEL LIMA - 11/03/2016

Conquistamos esse título há muito tempo, mas agora é de forma incontestável, porque medida, porque esquadrinhada: o empresariado industrial da Província do Grande ABC é campeão nacional de desesperança, de desespero, de qualquer coisa que lembre desgraceira, somatório de múltiplos indicadores tangíveis e intangíveis.

A Universidade Metodista de São Bernardo, em convênio com a CNI (Confederação Nacional da Indústria) e a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), acaba de medir o tamanho do estrago espiritual e físico do setor na região, quando comparado ao Estado de São Paulo e ao Brasil.

Estamos disparadamente na frente. Um dos quatro índices destrinchados é exatamente o que enquadro como desesperança. Os jornais da região e a própria Metodista optaram por “pessimistas” ao anunciarem os resultados. Caíram numa armadilha semântica perigosa. Mais abaixo vou explicar porque uma coisa (desesperança) é uma coisa e outra coisa (pessimismo) é outra coisa.

Vamos, então, à pesquisa propriamente dita. O trabalho explora a principal vertente, porque significa a alma do empresariado nacional pesquisado pelas instituições já mencionadas. Afirma o boletim da Metodista (Boletim IndustriABC) que a Província lidera o Icei (Índice de Confiança do Empresário Industrial) no País, com apenas 26,8 pontos de um total possível de 100 pontos. O empresariado do Estado de São Paulo registrou 32 pontos e o nacional, 36,5.

Resultado dos resultados

O Índice de Confiança não é nada mais nada menos que o resultado condensado, sintetizado, consumado, de um tripé de indicadores que integram a sondagem industrial. O primeiro são dados da evolução da produção, o segundo da utilização da capacidade instalada e o terceiro da intenção de investimentos. Em todos, rigorosamente em todos, a Província está em último lugar. A medição é sempre a mesma: até 100 pontos, com intervalos regulares de 25 pontos para cada nota. Quanto menor o índice, pior o cenário.

O Índice de Evolução da Produção da Província chegou a 34,2 em janeiro último, contra 39,7 no Brasil e 39,8 no Estado de São Paulo. O Índice de Capacidade Instalada ficou em 56 na Província, ante 62 no Brasil e no Estado de São Paulo. Para completar o inferno estrutural da região, o Índice de Intenção de Investimentos ficou congelado em 34,3 na região, contra 39,87 no Brasil e no Estado.

A pesquisa da Metodista seguiu rigores metodológicos que conferem legitimidade analítica. Envolveu 70 empresas de pequeno, médio e grande porte na região, principalmente dos setores de metalurgia, petroquímico e plástico. Ou seja: nossa estrutura produtiva foi escarafunchada. O trabalho foi iniciado em meados do ano passado e só divulgado agora porque precisava de plataforma evolutiva mais confiável e segura. Não se fazem determinados estudos econômicos sem o anteparo do tempo. Pelo menos quando se pretende construir um arrazoado que não seja desmentido mais adiante.

Saídas demoradas

Responsável pelo trabalho, como titular do Observatório Econômico da Escola da Gestão e Direito da Metodista, o economista Sandro Maskio acredita que em curto prazo o setor externo é o grande respiro da indústria. “O cenário não é animador para o mercado interno”. O professor tem razão, mas provavelmente não aposte todas as fichas de que os níveis que determinaram o quadro de desesperança maior na Província sejam alterados significativamente nos próximos tempos. A estrutura industrial da região foi duramente impactada nas duas últimas décadas. Só restou o setor automotivo, mesmo assim abaixo da produtividade nacional menos sujeita a artimanhas sindicalistas.

O boletim da Metodista diz que o peso da indústria é muito grande no PIB da região, por isso cenários econômicos adversos causam maiores impactos. Não há explicação para esse enunciado. Vou tentar traduzir em termos práticos: a participação relativa da indústria de transformação na região é maior que a média nacional (o que é registrado no boletim) e essa realidade implica a contaminação, o espraiamento mais intenso e duradouro no tecido econômico e social. Usando uma metáfora contundente, diria que a indústria da região em período de bancarrota é algo como uma metástase insidiosa, enquanto na grande maioria das áreas nacionais não passa de, em situação semelhante, de um tumorzinho pronto a ser extirpado. O agravamento da metástase regional se dá por conta da incidência maior de um agente em processo disruptivo discreto mas persistente: o setor automotivo. Com tudo isso, chegamos à desesperança, ignorada pelos paços em descompasso.

Pessimismo uma ova

Agora vou tentar explicar por que não aceito a premissa de que os empresários industriais da região são pessimistas, como divulgou a Metodista e repetiram os jornais. Pessimismo é um verbete culturalmente estigmatizado como tradução de algo que não tem consistência ou, mesmo que tenha, interditaria a análise menos apaixonada. Pessimismo seria uma doença congênita dos pragmáticos, também perseguidos pela ideia de que sejam desumanos.

Vem de longe a perseguição aos supostos pessimistas que, em muitos casos, não passam de realistas bem informados. Oscar Wilde, dramaturgo irlandês, já dizia que o pessimista é uma pessoa que, podendo escolher entre dois males, prefere ambos. O escritor americano Michael Levine engrossou historicamente o coro de desqualificação ao afirmar que pessimista é aquela pessoa que reclama do barulho quando a oportunidade bate à porta.

Portanto, por conta própria ditada pelo bom senso retiro a designação de pessimista do resultado final do índice do ambiente regional medido pela Metodista e opto pela desesperança. Ou seja: somos o território nacional no qual o sentimento de que estamos ferrados e mal pagos é pré-condição para qualquer tipo de aproximação entre eventuais interessados em mexer no vespeiro de custos locais de produção – em valores absolutos e relativos -- muito acima de qualquer outro endereço.

Uma situação que se agrava em circunstâncias de quase depressão econômica, como a qual estamos flertando porque pelo segundo ano consecutivo registraremos, em termos nacionais, perda de algo próximo de 4% do PIB (Produto Interno Bruto).

Queda catastrófica

Na Província, como já antecipei, ao final do restrito segundo reinado de Dilma Rousseff, se o segundo reinado não for abreviado, vamos propagar ao mundo que a nossa Capital Econômica, também Capital Nacional Automotiva, a São Bernardo dos sindicalistas mais atrasados do País, registrará rebaixamento de até 20% do PIB per capita. Uma catástrofe ignorada pelos prevaricadores sociais que integram o Assalta Grande ABC e o Festeja Grande ABC.

Somos uma legião de desesperançosos entre outros motivos porque em algum momento da vida regional, ou mesmo durante muito tempo da vida regional, deixamo-nos levar pelos chamados otimistas.

Essa espécie de comissão de frente de carnavalização de dados sempre contou com blindagens interesseiras como se fosse integrada por agentes do bem, do construtivismo, quando, na maioria dos casos, não passa mesmo de uma coleção de embusteiros, de falastrões, de gente preparadíssima para enganar o distinto público.



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