Economia

Seminário do Diário tem muito
compromisso com os leitores

DANIEL LIMA - 22/03/2016

Vamos ver se o leitor mata a charada. Charada mesmo, embora pareça uma barbada. Durante os sete meses que passei no Diário do Grande ABC no ano passado, misto de ombudsman e de consultor, finalmente a linha editorial adotou o choque anafilático de utilizar o verbete desindustrialização como resultado econômico do que ocorreu na Província do Grande ABC nas últimas três décadas. Assunto sobre o qual, aliás, não só fui pioneiro como renitente soldado em defesa da realidade constrangedora. Chegaram até mesmo a me considerarem um criminoso lesa-região.

Então, está bastante claro -- por força do passado de quase isolamento em defesa de uma densa rede de fatos -- que foi este jornalista o autor da façanha de retirar o Diário do Grande ABC de cima do muro, quando não de posição francamente favorável à furada tese de que não sofremos processo algum de desindustrialização. Teríamos passado por algo que os acadêmicos sem alma e os jornalistas sem independência rotularam o tempo todo de descentralização da produção.

É claro, responderá o leitor, que Daniel Lima, este que vos escreve, jamais será minimamente contestado como o profissional de comunicação que fez o Diário do Grande ABC cair na real, de deixar nas sombras do passado inglório esse papo furado de que não passamos por duríssimo revés econômico. Portanto, e repetindo, sou eu o autor de tamanha transformação conceitual, derrubando barreiras editoriais sólidas da autofágica associação de linha editorial submetida a interesses comerciais.

Caindo na armadilha

Bobagem, bobagem. Erraram todos que acreditaram nessa pegadinha, nessa armadilha. Para minha surpresa e satisfação, durante a primeira reunião que mantivemos com o diretor de Redação Sérgio Vieira, o diretor-presidente Ronan Maria Pinto e a responsável pela diretoria Jurídica do Diário, Elaine Matheus, quando se discutiram os 10 pontos que marcariam o que veio a se chamar “Carta do Grande ABC”, foi Sérgio Vieira quem verbalizou a palavra amaldiçoada pelo Diário do Grande ABC ao longo dos anos, a palavra demonizada pelos poderosos de plantão ao longo dos anos, o verbete condenado pelos embromadores sindicais ao longo dos anos: de-sin-dus-tri-a li-za-ção.

Quase caí da cadeira do inacreditável. Jamais esperava ouvir de alguém que vestisse a camisa do Diário do Grande ABC, em posição de diretoria, uma assertiva editorial tão vigorosamente clara.

Desindustrialização exala tristeza, perda, comprometimento do futuro, essas coisas ruins que a quase totalidade dos agentes sociais prefere atirar no lixo do desprezo, em nome de expressões politicamente corretas mas devastadoras à construção de cidadania criticamente saudável.

Mas, afinal de contas, por que estou voltando ao passado recente do Diário do Grande ABC e a uma explicação que para muitos não têm importância alguma, no que estão redondamente enganados? Porque o Diário do Grande ABC está anunciando em suas páginas ainda em forma de publicidade promocional que vai realizar em 12 de abril um seminário sobre a indústria da região.

Retrocesso editorial?

Temo que o jornal, por conta de interesses econômicos da empresa que o mantém, dê marcha-a-ré na catequese dos leitores quanto à gravidade econômica que nos assola há muito tempo e que se extratifica no termo desindustrialização. Com o patrocínio da Braskem e apoio de duas entidades públicas mais que suspeitas, a Agência de Desenvolvimento Econômico e o Clube dos Prefeitos, estou desconfiado de que o enunciado “Os rumos da indústria no Grande ABC” seja uma manobra semântica para contornar os grandes problemas regionais e se apresente, ao final, como um avanço aos debates futuros pela simples razão de que debates foram proporcionados.

Não sei quem são os convidados da rodada de exposições, muito menos o formato do evento, mas há um cheiro de acomodação nas páginas do Diário do Grande ABC. Gostaria muito de estar redondamente enganado. Os nomes dos convidados vão dar o tom ao conjunto de insumos que os convidados consumirão.

Tomara que a vaselinagem não impere, mas acho que imperará.  A condicionalidade indutiva dos patrocinadores e apoiadores estimula esse tipo de desconfiança que, longe de ser abusiva ou deselegante, é o que costumo chamar de interesse público acima de qualquer conveniência. 

O Diário do Grande ABC, cujo decálogo de transformações anunciado na primeira página de edição de 11 de abril do ano passado, data de aniversário da publicação, sofreu vácuo tanto em intensidade quanto em conteúdo, tem a oportunidade de engatar uma primeira marcha.

O ponto morto atual não interessa a ninguém que reside ou trabalha na região. A situação dramática da economia regional, com repercussão em diversas atividades sociais, não pode ganhar tempero de amenidades ou mesmo de sofismas que tanto combatemos no passado -- e por isso mesmo sofremos duras represálias.

Janelas de inquietação

Vou voltar ao evento do Diário do Grande ABC em novos artigos porque esse assunto me fascina. Sim, discutir a economia da região e seus desdobramentos é uma de minhas paixões regionais entre outras razões porque me lanço febrilmente sobre variados estudos, estatísticas, análises, projeções. Tudo para não ser embromado por gente que acredita ser possível mentir sempre sem que seja flagrada em constantes delitos. Cansei de desmascarar profissionais da mentira. Espero que “Os rumos da Indústria no Grande ABC” não seja um jogo de palavras adocicadas para engabelar o distinto público.

A responsabilidade editorial e empresarial do Diário do Grande ABC é imensa. Mais do que seus diretores imaginam e por mais que tenham demonstrado, naquela primeira reunião de agendamento dos grandes temários regionais, preocupação latente com o que o futuro nos reserva. Está na hora da retomada daquele projeto de forma incisiva. O chove não molha dos últimos tempos, com algumas janelas de inquietação -- que não passam mesmo de algumas janelas, apenas -- não resolve nada.



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