O Diário do Grande ABC está ultrapassando com galhardia o momento mais dramático de quase 60 anos de história. Tomara que continue nessa toada. Não é fácil sair da enrascada editorial de noticiar a prisão do diretor-presidente da empresa, envolvido nas investigações da Operação Lava Jato.
A prova de fogo de maturidade por que passa o jornal mais tradicional da região não pode ser uma corrida de tiro curto em circunstâncias específicas. A situação exigirá preparo para maratona que vai muito além do que acontecerá com Ronan Maria Pinto. Mais que a individualidade do diretor-presidente, o que está em jogo é a credibilidade editorial e também o futuro econômico da empresa.
Duvido que em situação análoga a maioria das empresas de comunicação teria o comportamento adotado pelo Diário do Grande ABC. O jornal chega ao requinte do compromisso com os leitores ao destacar em primeira página não só a prisão de Ronan Maria Pinto como os desdobramentos do caso. Não procurou esconder informações. Mais que isso: o jornal tem dado, em média, mais destaque ao caso do que os grandes veículos de comunicação impressos do País.
O tom das matérias busca permanente equalização de informações contraditórias sobre o acontecimento. Talvez os próprios jornalistas do Diário do Grande ABC não se tenham dado conta de que estão produzindo um case extraordinário de liberdade de expressão num momento de estresse completo, o qual normalmente poderia levar os protagonistas editoriais a cometerem deslizes em função de compulsórias armadilhas emocionais. O ambiente na Redação do Diário do Grande ABC deve estar tão efervescente no acompanhamento do caso como desafiador à abordagem mais próxima possível da racionalidade.
Futuro será diferente?
Estou acompanhando atentamente cada edição do jornal – aliás, como o faço sempre – porque esse é um assunto que extrapola o campo judicial. Ronan Maria Pinto não é um novo cliente da força-tarefa da Operação Lava Jato. Em termos regionais, é um senhor cliente. Dada a importância do Diário do Grande ABC para a comunidade regional -- mesmo não se deixando de acentuar que a publicação não conta com a abrangência, a magnitude e a profundidade brandidas por muitos – os desdobramentos vão determinar série de encaminhamentos no campo criminal na região.
Traduzindo em miúdos: se o dono do veículo de comunicação mais poderoso da região não foi poupado pela força-tarefa (e aqui não estou estabelecendo juízo de valor sobre o caso), imaginem então o que poderá advir disso ante situações até prova em contrário consolidadas de irregularidades que jamais atenderam aos reclamos da moralidade, da ética e do respeito às regras legais do jogo.
Não chegaria ao ponto de dizer que a crônica da cidadania regional poderia ser dividida entre antes e depois do caso Ronan Maria Pinto (insisto em afirmar que não faço juízo de valor sobre a operação) mas que deve ter muita influência no futuro próximo, com efeitos ao longo dos anos, disso não tenho dúvida.
Sabedoria informativa
Quem esperava que o Diário do Grande ABC transformasse as investigações envolvendo seu diretor-presidente em imenso buraco de informação jornalística ou partiria para o radicalismo de contestação desclassificatória da Operação Lava Jato deu com os burros nágua. Nem uma coisa nem outra foi perpetrada. O bom senso está a imperar em cada linha produzida pela redação comandada por Sérgio Vieira.
Não tenho a menor ideia das medidas de retaguarda editorial preparadas no Diário do Grande ABC para contrapor o encaixe mais correto possível ao caso. Sei lá se foi montado um comitê especial de redação para momentos de tremendo risco da imaginem da publicação. Nessas alturas do campeonato, depois do jogo iniciado, creio que o caminho encontrado não permitirá desvios.
O Diário do Grande ABC deve mesmo continuar a tratar seu principal acionista como cidadão que tem participação na empresa, que é muito importante para o futuro da organização, mas que não está imune ao noticiário.
Não é fácil estabelecer esse limite. Há injunções factuais e emocionais que se fundem. Há sempre o risco de esgarçamento, de ruptura, entre o bom senso e a solidariedade corporativa. Escorregadelas, portanto, estão no roteiro e, por conta da linha tênue, devem ser relativizadas como eventuais pecados, não como generalização de procedimentos que se têm sido exemplares.
Avanço importante
Certo mesmo é que até agora o Diário do Grande ABC deu espetáculo editorial que merece ser festejado. Mais que festejado, merece ser estudado a fundo. Mais que estudado a fundo, deve gerar série de iniciativas quando o turbilhão passar. Quero dizer que deve constar da linha de horizonte próximo do jornal um tratamento editorial semelhante a outros agentes públicos e privados da região.
O Diário do Grande ABC tem aplicado no caso do presidente da companhia uma linha editorial que invariavelmente não adota para terceiros em situações semelhantes, ou seja, de constrangimento público. Talvez o jornal saia dessa desagradável situação muito mais forte. Daria um peteleco no passado de certa condescendência com gente que comprovadamente se comporta ou se comportou como integrante de um grupo que chamo de bandidos sociais.
O Diário do Grande ABC não mimetiza a máxima de que em casa de ferreiro o espeto é de pau. Muito pelo contrário: adotou de forma cortante, transparente, inovadora e corajosa a premissa de que em casa de ferreiro o espeto é de aço.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)