Não espero quase nada, embora ressalte que eventos assim de alguma forma contribuem para colocar na agenda regional o que deveria ser uma regra, não uma exceção -- ou seja, a regionalidade no sentido exato do termo. O seminário “Os rumos da indústria no Grande ABC” que o Diário do Grande ABC realiza nesta terça-feira de manhã namora nos nomes elencados com o politicamente correto geralmente improdutivo. Onde já se viu – apenas para dar um exemplo –promover algo que caminhe para uma linha de solucionáticas preconizadas pelo folclórico atacante Dario Maravilha sem que um único, unzinho, empresário de pequena ou média empresa faça parte da mesa de debates?
Fosse apenas isso, ainda assim o evento estaria comprometido. A quase totalidade dos participantes não tem conhecimentos específicos sobre a economia da região a ponto de exporem propostas viáveis. E os visitantes, com visão corporativa, não mexerão de forma alguma nos vespeiros que estão aí. Ou seja: o estado de desânimo, flacidez, descaminhos e desencanto que abate a economia da região provavelmente não será abordado abrangentemente porque ninguém daria um tiro de sinceridade no próprio pé, enquanto o histórico de desindustrialização com todas as sequelas que apontamos há trezentos anos é de negligenciamento generalizado. Exceto, claro, na articulação de enunciados acadêmicos que passam distante da realidade das fábricas e da comunidade. Tanto que os acadêmicos detestam “desindustrialização”. Recorrem a eufemismos desavergonhados como “descentralização produtiva”, entre outros.
Quem está interpretando que esteja este jornalista a espinafrar o evento comete erro crasso. Digo e repito que eventos assim sempre serão bem-vindos. Muito melhor que tantas baboseiras patrocinadas que não levam a nada e, também, da carga tão gigantesca quanto provinciana do noticiário político local. Para não dizer que, no caso específico do Diário do Grande ABC, o noticiário econômico regional perde de goleada na ocupação espacial para o colunismo social.
O problema é que há completa falta de sintonia entre o enunciado do evento (“Os rumos da indústria no Grande ABC”) e a articulação que culminou na definição dos convidados.
Primeiro painel
O primeiro painel, que tratará de “A desindustrialização no Grande ABC”, contará com a apresentação de Sandro Maskio (coordenador do Observatório Econômico da Universidade Metodista de São Paulo) e os debatedores Carlos Grana (de Santo André), Donisete Braga (Mauá) e Evenson Dotto (presidente da Associação Comercial e Industrial de Santo André). Grana vai representar o Clube dos Prefeitos que tem Luiz Marinho como presidente e desafeto do Diário do Grande ABC. Donisete Braga é presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico. Desse mato não sai coelho de boas ideias e propostas factíveis. Nenhum deles registra qualquer iniciativa persistente de combate à desindustrialização em seus postos de atuação. Muito pelo contrário. Talvez se salve apenas Donisete Braga, autor, quando deputado estadual, de projeto que virou lei sobre a reindustrialização do setor químico na Grande São Paulo -- cujos resultados são desconhecidos.
Segundo painel
O segundo painel terá como guarda-chuva temático “O Polo Petroquímico do ABC e o potencial de desenvolvimento da cadeia produtiva da química e do plástico”. A apresentação será de Fátima Geovvana Ferreira (diretora de Economia e Estatística da Abiquim, a Associação Brasileira da Indústria Química). Os debatedores escalados são Antonio Emílio Meireles (diretor industrial da Braskem), Marcos Ferreira do Nascimento (assessor econômico da Abiplast, a associação do setor da indústria plástica), Raimundo Suzart (presidente do Sindicato dos Químicos do ABC) e Alex Manente (deputado federal e coordenador de Petroquímicos da Frente Parlamentar em Defesa da Indústria Química da Câmara Federal).
Está claro que os prefeitos Carlos Grana e Donisete Braga estão fora de lugar. Deveriam constar desse painel, porque, principalmente no caso de Donisete Braga, os orçamentos municipais dependem demais dessa Doença Holandesa. A combinação de representantes de sindicatos e associações de empresários e sindicalistas sugere que teremos um debate forçosamente acomodatício. A ausência de um representante do pequeno empresário, massa de empregos do setor, torna o painel uma projeção de estatísticas que servem para explicar o passado mas geralmente não iluminam o futuro, porque números e ações são porções bem diferentes. A presença de Alex Manente no painel é algo tão bem encaixado, do ponto de vista histórico da atividade químico-petroquímica da região, quanto a escalação de Rivelino na Seleção do São Paulo Futebol Clube de todos os tempos.
Terceiro painel
Para completar, o terceiro painel do seminário do Diário do Grande ABC (“Indústria Automotiva presente e futuro no ABC”) colocará como expositor um representante da Anfavea de identidade não declarada e dois debatedores: Rafael Marques (presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC) e Octávio Leite Vallejo (presidente do Sindicato dos Concessionários e Distribuidores de Veículos no Estado de São Paulo). A convergência, no sentido conceitual do termo, de águas tão distintas, de lutas trabalhistas e de distribuição de veículos, não é algo elucidativo sobre o setor automotivo da região. Também nesse caso falta um representante dos pequenos empresários, setor duramente castigado pelo sindicalismo representado por Rafael Marques e também por políticas econômicas federais ao longo das últimas décadas.
Não vou acrescentar a esse texto sugestão à leitura de uma apenas uma das dezenas de análises que fiz nos últimos meses sobre a economia da região, nos mais diferentes aspectos, como uma bússola aos debates. A iniciativa poderia parecer esnobismo puro como também se tornar tortura aos participantes da mesa, os quais teriam de se virar até amanhã para selecionar alguma coisa a fim de não cometerem bobagens.
Não custa nada, entretanto, que se embrenhem site adentro, utilizando o mecanismo de busca. Uma sugestão: digitem o verbete “desindustrialização”, sem aspas, e encontrarão dezenas e dezenas de artigos. Apenas essa medida basta como desafio ou incentivo a se colocar o seminário numa bitola de responsabilidade social. Não podemos mais nos enganar. O barco está afundando há muito tempo -- mesmo nos tempos em que parecia navegar em absoluta paz, como nos anos de consumismo de Lula da Silva e a falsa nova classe média inventada nos laboratórios de marketing do Partido dos Trabalhadores.
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