O desemprego é disparadamente o principal nó górdio do Grande ABC. E não apenas na visão dos milhares de desocupados que sentem os efeitos perversos da falta de trabalho sobre as condições materiais e a auto-estima, mas também de acordo com um grupo de gestores públicos que estão no front das mais diversas demandas socioeconômicas.
A constatação é automática para quem analisa os projetos e pré-projetos apresentados por executivos de cinco prefeituras do Grande ABC na reta final do curso de Formação de Gestores Públicos, recentemente ministrado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) em parceria com o Consórcio Intermunicipal de Prefeitos. Dos cinco trabalhos de conclusão apresentados em fevereiro por técnicos de Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema e Mauá, quatro são idéias para geração de emprego e inserção profissional. Apenas um -- o de São Caetano -- não toca diretamente na fratura exposta da falta de ocupação.
"O desemprego afeta o País como um todo, mas no Grande ABC assume feições mais dramáticas por conta dos efeitos da reestruturação produtiva que atingiu em cheio o território regional" -- observa Fernando Ortiz, representante de São Bernardo no Consórcio Intermunicipal, refletindo posicionamento histórico de LivreMercado. Levantamentos da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) em parceria com o Dieese mostram que o desemprego no Grande ABC está sempre acima do restante da Região Metropolitana de São Paulo. A taxa regional consolidada de 2003 atingiu 20,3% da População Economicamente Ativa, o maior índice desde 1999, ante 19,9% da Grande São Paulo, o maior percentual para a metrópole desde 1985.
O fato de o poço do Grande ABC ser mais fundo que o da Região Metropolitana é sinal inequívoco de que os efeitos centrífugos da globalização e da guerra fiscal interestadual afetaram mais agudamente a força de trabalho da região, que tenta se sustentar nos pilares seletivos e vulneráveis da cadeia petroquímica e das montadoras. Não surpreende, portanto, que a esperança de encontrar alternativas de inserção profissional ocupe o topo da lista de prioridades do grupo de gestores públicos que participou do curso do Dieese.
Ponte para o mercado
O grupo de São Bernardo elaborou projeto de uma agência pública de colocação de mão-de-obra que daria respaldo aos alunos dos cursos profissionalizantes promovidos pela Sedesc (Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania). A Sedesc mantém 85 cursos que atendem a sete mil pessoas por ano em áreas como corte e costura, decoração, construção civil, alimentação, comunicação visual, serigrafia, costura industrial e beleza. Mas os resultados práticos estão limitados pela inexistência de serviço de apoio voltado aos profissionais formados e treinados nos diversos programas.
"A agência seria responsável pela ponte entre a mão-de-obra formada nos cursos de qualificação e reinserção e o mercado de trabalho" -- sugere Fernando Ortiz, que é assessor de Planejamento Regional de São Bernardo. Ele cita episódio recente para ilustrar o caráter providencial do projeto. "Uma empresa de São Caetano colocou anúncio em jornal a fim de preencher vagas para eletricistas sem saber que temos um banco de dados com muitos profissionais disponíveis. Sorte que tivemos conhecimento do anúncio e pudemos aproximar as partes" -- conta o executivo público.
Mais importante é o desejado papel da agência como espécie de consultoria interna para a Sedesc. A agência orientaria a oferta de novos cursos e o remanejamento dos atuais com base nas demandas captadas junto ao mercado de trabalho. O plano parte da constatação de que há um descompasso entre o que o poder público forma e o que o mercado absorve. "O programa de qualificação seria moldado de acordo com as necessidades das empresas" -- explica Fernando Ortiz.
Em Mauá o cooperativismo foi a alternativa escolhida para amenizar o desemprego. O projeto estabelece a criação de cooperativas de costureiras, de trabalhadores da construção civil, de cultura hidropônica (voltada ao cultivo de hortas orgânicas) e de minhocultura, que utiliza minhocas especiais, de origem californiana, para geração de adubo orgânico.
Os integrantes de Mauá reconhecem as limitações das cooperativas para gerar ocupações num Município que necessita de postos de trabalho em escala atacadista (a recente transferência da autopeça TRW para o Interior paulista significou corte de 500 empregos). Mas eles partem da constatação de que não se pode medir esforços para tentar amenizar uma situação reconhecidamente dramática. "Precisamos tentar alguma coisa que não seja bater na porta das empresas pedindo emprego" -- afirma Cláudio Pastor, assessor da Secretaria de Desenvolvimento Econômico.
Na justificativa do projeto, os gestores públicos de Mauá demonstram visão socioeconômica panorâmica. Ressaltam o fato de que é cada vez mais difícil atrair indústrias, porque a disputa é grande e as exigências das empresas são cada vez maiores. A queda da arrecadação e o aumento das demandas sociais impulsionam um círculo vicioso difícil de quebrar.
O grupo de Diadema criou o projeto Aprendiz Trabalhador, cuja intenção é proporcionar ocupação a 100 jovens com idades entre 16 e 17 anos e meio em atividades como telemarketing, atendimento e recepção. O formato do Aprendiz Trabalhador é muito parecido com o Adolescente Aprendiz que a Prefeitura de Diadema já mantém. A diferença é que o Aprendiz Trabalhador defende a inserção dos jovens no setor público, principalmente em Unidades Básicas de Saúde, enquanto o Adolescente Aprendiz estimula a contratação por empresas privadas. Seriam 100 beneficiados num universo de 15 mil jovens do Município que se enquadram na faixa etária. Mas mesmo assim o grupo de Diadema acredita que valeria a pena investir no projeto.
Santo André à frente
O projeto apresentado pelo grupo de Santo André representa um passo à frente em relação aos demais pelo fato de recomendar uma nova matriz econômica -- a indústria do turismo -- em vez de se limitar a duelar com os efeitos provocados pela falta de novo rumo produtivo. O pré-projeto de Melhoria da Infra-Estrutura Turística como Estratégia de Geração de Trabalho e Renda propõe a criação de museus dedicados ao automóvel, à ferrovia e ao cinema nas instalações da Epac (Escola Parque Arte e Ciência), que a Prefeitura pretende materializar no Parque Central. Os museus formariam um eixo de interesse turístico com a Vila de Paranapiacaba.
"Além de valorizar os principais patrimônios históricos da região, o projeto favorece fluxo de visitantes com potencial para dinamizar a economia como um todo"-- observa João Rodrigues de Souza, do Departamento de Geração de Trabalho e Renda de Santo André.
A idéia só não é melhor porque não está no plano do conjunto dos sete municípios que conferem personalidade única ao Grande ABC. Afinal, cinema, automóvel e ferrovia compõem patrimônio regional cuja transformação em museu e pólo de turistas demandaria ações integradas e recursos vultosos. A soma os integrantes do grupo de Santo André ainda não estimaram.
O projeto de São Caetano é voltado aos jovens com ações que vão de programas de conscientização para redução do número de adolescentes grávidas ao apoio de alimentação escolar no Ensino Médio do período noturno.
Os trabalhos foram apresentados no auditório do Consórcio de Prefeitos depois que os alunos-gestores públicos cumpriram 120 horas de aulas divididas em cinco módulos: Economia Brasileira, Economia ABCD, Mercado de Trabalho, Educação e Trabalho e Políticas Públicas. "Começamos com mais de 50 alunos e 34 permaneceram até o final. Destes, 20 participaram efetivamente dos projetos de conclusão" -- explica Suzanna Sochaczewski, coordenadora do Dieese e responsável técnica pela proposta do curso patrocinado pelo Ministério do Trabalho por meio do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).
"Que esses grupos não se desfaçam e que permaneçam em contato para trocar informações sobre os estágios de implementação dos projetos" -- recomenda.
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