O desemprego estrutural, fruto de décadas de pouco ou nenhum crescimento econômico do País, ainda é fenômeno desconhecido dos brasileiros, apesar de seus efeitos estarem presentes há mais de uma década no mercado. A avaliação é de um expert no assunto, o economista Márcio Pochmann, secretário de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo e um dos raros estudiosos sobre emprego e renda no Brasil. Foi por meio desses levantamentos que o secretário chegou a um dado inquietante: na Capital paulista, para cada analfabeto desempregado, há outros três universitários na mesma situação.
Não por acaso, o mesmo fenômeno pode ser constatado no Grande ABC e com tintas mais carregadas. Pesquisa feita em dezembro de 2003 pela Central de Trabalho e Renda na região indica que dos 152.536 trabalhadores inscritos em busca de emprego na entidade, 1.448 eram analfabetos e nada menos que 20.856 tinham curso superior completo. O número de pretendentes a uma vaga no mercado de trabalho entre os universitários é quase 15 vezes maior do que o dos que não sabem ler ou escrever.
Os estudos feitos por Márcio Pochmann indicam que nos últimos 25 anos mudou radicalmente o perfil do desempregado brasileiro, que antes era pobre e de baixa escolaridade. Hoje, cada vez mais jovens com diplomas universitários, trabalhadores especializados e muitos profissionais que antes ocupavam altos níveis hierárquicos passam meses ou anos procurando vagas inexistentes. “Encontrar emprego está cada vez mais difícil porque a economia do País não cresce” — constata o economista na pesquisa O Jovem Brasileiro E Sua Inserção no Mercado de Trabalho. Os levantamentos mensais da Seade/Dieese e do IBGE endossam o levantamento: o desemprego continua batendo recordes, atingindo 20,7% na Grande São Paulo em abril e 13,1% nas seis maiores regiões metropolitanas do País.
“O desemprego costumava atingir o trabalhador com baixa escolaridade, a mulher, o negro e o chefe de famílias numerosas. Hoje, cresce mais entre pessoas com mais escolaridade e com maior nível hierárquico nas empresas” — afirma Pochmann, que produziu o levantamento com base em dados de 2001 da PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para a população de 15 a 24 anos. O drama que atinge analfabetos e universitários é o chamado desemprego estrutural, fenômeno que se entranhou na economia brasileira como uma doença de difícil cura. Márcio Pochmann lembra que essa modalidade de desemprego começou a ser percebida no Brasil a partir da década de 1990, período em que a abertura comercial se intensificou e o Grande ABC viu agravar-se a desindustrialização iniciada nos anos 80.
Mais gente, menos vaga
A desocupação crescente vem de uma disparidade simples: a cada ano, a PEA (População Economicamente Ativa) avança 3,2%, enquanto que nos últimos 25 anos a economia não subiu mais que a média de 2% ao ano. No ano passado chegou mesmo a regredir, com o PIB (Produto Interno Bruto) decrescendo 0,2% em relação a 2002. “Para começar a enfrentar o problema do desemprego, a economia brasileira teria de crescer entre 5% e 6% ao ano” — adverte o economista, que esteve em São Bernardo em maio para palestra organizada pelo PT local.
O Brasil soma hoje contingente de oito milhões de desempregados, maior que o dos Estados Unidos ou da China, países com população bastante superior à brasileira. Se em 1980 cerca de 1,5 milhão de trabalhadores ingressavam anualmente no mercado de trabalho, hoje esse contingente é de 2,2 milhões. E a economia brasileira só consegue oferecer vagas para dois terços dos novos trabalhadores. “Existem três razões para se entender o desemprego. A primeira e mais básica de todas é que o País não cresce. Nós que já fomos o País que mais se expandiu no mundo, a taxas de pelo menos 7% ano, estamos há 25 anos sem saber o que é crescimento econômico” — aponta. A segunda causa é o profundo achatamento da renda do trabalhador. Em 1980, 50% da riqueza nacional era renda de trabalho. Em 2002, esse percentual caiu para 36%. “O achatamento salarial faz com que, por exemplo, o aposentado continue trabalhando para complementar sua renda. Cerca de cinco milhões de aposentados permanecem no mercado, tornando ainda mais difícil a abertura de novas vagas” — expõe.
No outro lado da linha etária, cada vez mais os jovens pobres deixam de estudar para trabalhar. “Nos países desenvolvidos, os jovens ingressam tradicionalmente no mercado após os 21 anos. No Brasil, dos 33,5 milhões de jovens entre 16 e 24 anos, cerca de 16 milhões não estudam” — lembra Márcio Pochmann.
Outro resultado do achatamento salarial é que cada vez mais os trabalhadores são pressionados a fazer horas extras para compensar os baixos rendimentos. “Cerca de 31 milhões de trabalhadores têm jornadas semanais acima de 44 horas. Sem as horas extras, teríamos sete milhões de novos postos de trabalho” — ressalta o secretário de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade de São Paulo.
A terceira causa do desemprego é, de acordo com Pochmann, a maneira como o Brasil se inseriu na nova fase da economia mundial. Inovação tecnológica, pura e simples, não causa desemprego. Entretanto, quando tecnologia se associa à falta de crescimento econômico, produz redução de postos de trabalho. Não por acaso, quando as multinacionais compram empresas brasileiras, frequentemente desativam os setores de pesquisas e desenvolvimento de produtos. “Deveríamos ter investido em tecnologia porque em 1980 a OIT (Organização Internacional do Trabalho) indicava que dos 45 milhões de desempregados do mundo, cerca de dois terços eram dos países do chamado G-7 (Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Alemanha, França, Itália e Japão). Em 2002, dos 165 milhões de desempregados, apenas 12% estão no G-7” — relata Pochmann, para quem não há saídas simples para reverter o desemprego do País.
Nem mesmo propostas como redução da jornada de trabalho podem combater a falta de vagas. “Não há condição de reduzir a jornada sem crescer. Ao invés de ficar em casa, o trabalhador vai trabalhar mais porque o poder real do salário diminui” — explica o secretário, para quem somente com o governo enfrentando a questão das reformas agrária, tributária e social é que se poderá pensar em combater o desemprego.
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