O Diário do Grande ABC anunciou que vai publicar nesta sexta-feira um suplemento especial do seminário que realizou terça-feira sobre os rumos da indústria da região. Esse é o meu medo. Medo de ter minha manhã azedada pelo material jornalístico cuja amostra-grátis foi repassada aos leitores na edição de ontem.
Pelo andar da carruagem de permissividades semânticas, o evento contou com expositores e debatedores incapazes de botar o dedo na ferida. Ficaram, se ficaram, apenas nos curativos, nos analgésicos, quando o que se recomenda é uma terapia invasiva, de cirurgias profundas. Para tanto, interesses privilegiados devem ser desbaratados porque formam rede de improdutividades que custam muito caro para a sociedade como um todo.
Chego à conclusão preliminar de que não teremos patavina de novidade puxada pela manchetíssima de primeira página de ontem do Diário do Grande ABC. “Mais investimentos é saída para a crise da indústria do ABC” é um convite à contemporização diplomática que em nada contribuiria às transformações que a comunidade regional tanto anseia. Se houver outro referencial que extratifique o conjunto de ideias e posições expostas, então a manchetíssima teria sido um equívoco.
Não haverá investimentos substanciosos na região, como não tem havido, exceto em casos de indústrias com mercado diretamente relacionado aos consumidores do pote de ouro da Grande São Paulo, sem amplas e profundas negociações institucionais e corporativas para eliminar os gargalos que nos sufocam. Tenho apresentado reiteradamente provas desses crimes.
Disputa acirrada
Acreditar que investimentos são algo de livre e espontânea combustão corporativa, como no passado de baixa competitividade entre os entes federativos, é cavar a própria sepultura. Se a manchetíssima (manchete das manchetes de primeira página) do Diário do Grande ABC de ontem foi a síntese do contexto das exposições naquele encontro, estaremos todos ferrados.
No fundo, no fundo, acredito que alguma coisa significativa tenha saído do seminário -- pelo menos em forma de provocação, de inquietação, de cobrança. Se nada nesse sentido passou pelo escrutínio dos três painéis, então o seminário não serviu para muita coisa, exceto -- e isso é importante -- dar um espaço maior à economia nas páginas do Diário do Grande ABC estupidamente recheadas de noticiário político regional rastaquera de gente sem compromisso com a própria regionalidade. Basta ver quantos deles se inscreveram ao evento.
Se nenhum dos apresentadores e debatedores ousou dizer algo tão óbvio como o fato de que a Província do Grande ABC perdeu vergonhosamente a corrida pela competitividade de investimentos em qualquer situação macroeconômica que caracterize o Brasil como um todo, não somente agora que a vaca da presidência da República está indo para o brejo (escrevi presidência, notem bem) teremos tido então um jogo de trapaças informativas e analíticas. Ou, então, a confissão pública de que eles, as estrelas do espetáculo, não passam de pernas de pau ou de fazedores de média, cultivadores do politicamente correto.
Outro guarda-chuva
Aliás, fosse o seminário ferramenta editorial voltada a provocar as instituições regionais no sentido desafiador do termo, o enunciado-chave que deveria servir de guarda-chuva conceitual ao encontro seria completamente diferente. “Os rumos da Indústria no Grande ABC”, marca oficial do seminário, seria substituído por “Como o Grande ABC pode reconquistar a competitividade industrial perdida”. Simples, direto, esclarecedor e indutor a exposições e análises obrigatoriamente comprometidas com a sociedade.
Vamos, portanto, esperar pelo Diário do Grande ABC desta sexta-feira. Talvez escreva sobre o conteúdo apenas na edição de segunda-feira. Adoraria ter sido pessimista nessa abordagem inicial. Conheço o gado regional e sua vocação insuperável à procrastinação de medidas restauradoras. O passado é um bólido de corporativismos enraizados que aniquila o bom senso e a coragem de mudar.
Somos uma réplica do Brasil, com a diferença de que já acumulamos três ou quatro décadas perdidas. Nem mesmo o fôlego automotivo durante boa parte do governo Lula da Silva interrompeu o longo ciclo regional de desindustrialização.
A produção automotiva recorde durante vários anos só mascarou nossa Doença Holandesa, agravando o quadro regional. Será que alguém teve a coragem de dizer mais ou menos isso durante o seminário? Duvido e sou capaz de apostar que não.
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