Os ocupantes das 539 residências (sobrados e casas térreas) do conjunto Centreville, em Santo André, acertaram um grande negócio com o governador Franco Montoro: depois de quatro anos de gestões pelos mais diferentes escalões burocráticos da Velha e da Nova República, eles conseguiram arrancar do governador a desapropriação dos imóveis a preço ultra-compensador para o momento de intensa especulação no setor. Os invasores do Centreville vão pagar, em média, apenas 35% do valor de mercado dos imóveis, pelo Sistema Financeiro de Habitação. Mas como interpretam o gesto do governador com forte colaboração eleitoral, já que a solenidade realizada sábado, em pleno conjunto residencial, foi marcada por discursos de toda a cúpula do Palácio dos Bandeirantes, inclusive o candidato ao governo do Estado, Orestes Quércia, os invasores querem formalizar a compra dos imóveis até 15 de novembro.
O decreto de desapropriação do Conjunto Habitacional Centreville é provavelmente mais um capítulo desse problemático caso, já que os proprietários da Construtora Novaurbe deverão recorrer na Justiça onde, aliás, respondem a inquérito criminal porque não teriam aplicado os recursos financiados pela Caixa Econômica do Estado de São Paulo. A construção do Centreville começou em 1976 e, três anos depois, quando a Novaurbe paralisou as obras, 245 imóveis estavam completos e 309 inacabados. Em 1983 foi decretada a falência da empresa, mas antes disso iniciou-se o processo de invasão, que significou também a recuperação e a complementação dos imóveis. Desde 82 Montoro prometia encontrar a solução, que só veio agora, às vésperas das eleições.
Adonis Bernardes, candidato a deputado federal pelo Partido Comunista do Brasil e integrante da Comissão de Moradores do Centreville, espera que a emissão de posse seja assinada antes das eleições. Ele qualifica os imóveis, tipos de classe média baixa, como o modelo ideal para classe trabalhadora, “Para quem precisa morar com dignidade”. Por isso, recusa-se a estabelecer valores financeiros para as residências. Acha que moradia de trabalhador não pode ser instrumento de especulação. “Burguês é quem compra casas para especular” — afirma. Por isso, a Comissão de Moradores do Centreville recusa-se a negociar debruçada a valores que julga fictícios. O custo médio dos 539 imóveis invadidos atinge a CZ$ 220 mil cruzados se levado em conta o valor da desapropriação (CZ$ 106 milhões) pelo governo, mas se fosse calculado pelo mercado imobiliário daquela área, ultrapassaria a CZ$ 600 mil cada.
Marcos Rogério De Paula, advogado dos moradores do Centreville, considera a resolução do governo um exemplo de justiça social: “O valor da desapropriação levou em conta a atualização financeira, com juros e correção monetária, do montante liberado pela Caixa Econômica Estadual à Novaurbe. Isso hoje representaria CZ$ 120 milhões. Se o valor da desapropriação fosse maior, o governo estaria premiando quem responde a inquérito por má aplicação do dinheiro financiado. Teríamos então a repetição de alguns escândalos financeiros que implicaram em benefícios aos infratores. Agora quem sai ganhando são os trabalhadores”.
Mas mesmo a justiça social alegada pela Comissão dos Moradores do Centreville é contestada. Há informações de que, entre as quase 600 famílias que invadiram o conjunto, muitas possuem casa própria que estariam alugadas e, com a aquisição nas condições oferecidas pelo Estado, especulariam com os imóveis. De qualquer maneira, uma pesquisa da Secretaria de Habitação do Estado detectou que a situação econômico-financeira dos invasores é relativamente tranquila em relação à realidade nacional: a renda média é de 5,7 salários mínimos, com 25% do contingente recebendo entre oito e 10 salários mínimos mensais e 10% com renda média acima de 15 salários mínimos. Quando da invasão do conjunto, segundo a pesquisa, 70% dos ocupantes eram desempregados, enquanto hoje o índice despencou para 1%.
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