Os petistas Jefferson da Conceição (economista e ex-secretário de Desenvolvimento Econômico de São Bernardo) e Celso Horta (jornalista fundador do jornal ABCD Maior) estão redondamente enganados ao afirmarem que o Diário do Grande ABC é um jornal de direita no campo trabalhista e econômico. Nesse debate virtual, do qual prometi participar em texto publicado em oito de abril último, vou explicar as razões que me levam a concluir que o veículo de comunicação mais tradicional da região não é nem direitista nem esquerdista -- é simplesmente conformista. E isso vale para todos os setores da sociedade regional.
Entenda-se por conformista o fato histórico de o Diário do Grande ABC praticamente ter deixado de lado, como insistente política editorial, as principais questões sociais e econômicas da região. Exceto durante o período em que o jornalista Alexandre Polesi esteve à frente da Redação, e também dos 11 meses em que comandei a publicação, o primeiro na segunda metade dos anos 1990 e este entre 2004 e 2005, o Diário do Grande ABC manteve-se equidistante dos reais obstáculos regionais.
Por isso, não tem sentido a marca com a qual o professor universitário Jefferson da Conceição e o jornalista Celso Horta pretendem definir a publicação. Fosse de direita na intensidade do esquerdismo do ABCD Maior, o Diário do Grande ABC teria tido atuação mais produtiva como ferramenta de transformações. À parte a discussão sobre as nuances de direita e de esquerda, a cristalização do jornal como opositor do esquerdismo sindical e político na região teria minimizado muitos estragos perpetrados em nome de um socialismo retrógrado que solapa a meritocracia e incrementa o corporativismo, entre tantas enfermidades conhecidas.
Janela à compreensão
Acredito que o debate virtual ao qual os leitores terão acesso neste texto contribui para abrir imensa janela à compreensão do desempenho do Diário do Grande ABC tão contestado pela esquerda. A tentativa de estigmatizar o jornal como braço direito, no sentido ideologicamente reprovador, não resiste aos fatos históricos.
O Diário do Grande ABC foi e continua sendo largamente conformista. Tanto que na maioria das grandes questões regionais excede-se na omissão embalada pela doutrina de uma neutralidade vazia, de equidistância típica de Pilatos.
Os defensores do pressuposto de que publicações devem se comportar exclusivamente como repassadoras de informações de terceiros, reservando o espaço de opinião, o "Editorial", a posicionamentos oficiais, são um bando de desatualizados, quando não de acomodados. Eles usam a máscara da divisão territorial entre informação e opinião para seguirem alheios à obrigatoriedade explícita de assumir posições no conjunto das páginas. O que é vendido como prova de democratização da informação não passa de enrolação.
Vejam o que disse a Editora-chefe da revista britânica "The Economist", Zanny Minton Beddoes, ainda outro dia em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, respondendo à questão sobre a definição ideológica daquela publicação: "Somos liberais: há papéis que o governo tem que ter, há áreas em que precisa atuar na busca pela liberdade individual. A gente tem um lado e tenho orgulho disso. Não separamos opinião de reportagem. Temos editoriais, com nossa opinião direta, mas há muita opinião nas nossas análises. O que tentamos fazer é ter as análises mais rigorosas, baseadas em fatos, para, a partir delas, tirarmos conclusões baseadas no nosso ponto de vista, que é liberal" -- afirmou a jornalista.
O Diário do Grande ABC e a maioria dos jornais brasileiros ainda não aprenderam essa lição básica. Preferem reproduzir incansavelmente declarações de fontes com interesses específicos e por isso mesmo suspeitas. CapitalSocial, assim como LivreMercado, revista que criei em 1990 e que resistiu durante duas décadas numa região em processo de raquitismo econômico, jamais abriram mão da prerrogativa de incomodar, questionando sobretudo agentes preparados para ludibriar o distinto público leitor. Agora, o debate virtual:
Jefferson da Conceição -- Nas universidades brasileiras, há inúmeros trabalhos que ainda estão “escondidos” nos escaninhos das bibliotecas. Alguns são pouco conhecidos porque à época não tiveram plena divulgação na comunidade acadêmica, ou/e porque foram publicados anteriormente à internet ou porque a rede apenas “engatinhava”. Somente aos poucos esses trabalhos estão sendo disponíveis virtualmente à consulta e ao debate público – mesmo assim, quando alguém descobre e dá o devido valor à obra. É o caso da excelente dissertação de mestrado de Celso Antunes Horta, defendida em 2003, no programa de Mestrado em Administração, com a concentração em Regionalidade e Gestão, do Imes (hoje USCS) de São Caetano. A pesquisa de Horta teve a orientação do Prof. Dr. Jeroen Johannes Klink, especialista em questões de Desenvolvimento Econômico Regional e de Planejamento Urbano. Na dissertação intitulada “O Braço ‘Direito’ do Grande ABC: um estudo de caso do Diário do Grande ABC e sua inserção na Regionalidade e nos Conflitos das Relações de Trabalho”, de 226 páginas, o jornalista Celso Horta -- que foi um dos fundadores do ABCD Maior e um dos seus primeiros editores -- faz uma investigação profunda do papel político exercido pelo jornal Diário do Grande ABC no jogo de forças da política desta região. Horta põe em evidencia a postura constantemente avessa do Diário aos movimentos sociais e sindicais. Esta postura do jornal leva o autor da dissertação a trabalhar com o duplo sentido da expressão “braço direito do Grande ABC”, por meio da utilização das aspas sobre a palavra direito. Embora já tenham transcorridos mais de treze anos desde sua publicação, o referido trabalho continua atualíssimo. Horta destaca a importância que a mídia exerce na sociedade contemporânea, que bem poderia ser chamada de “sociedade informacional”, já que é caracterizada pela volumosa e ininterrupta circulação de informações por meio das várias vias de comunicação existentes: TV, Rádio, internet e redes sociais (mais recentemente) entre outros veículos. Para o pesquisador, isto por si só faz crescer a necessidade de novos trabalhos sobre a mídia, sobretudo os que focalizam as relações entre a mídia e os fenômenos sociais. Esta necessidade é ainda maior quando o tema é mídia regional. Celso Horta desenvolveu sua pesquisa com base na teoria marxista, adotando a dialética como método de análise.
Celso Horta -- “De acordo com o materialismo dialético, toda realidade social encerra contradições, cuja síntese resulta no próprio movimento da história. Nas últimas duas décadas [1980-2003], além das pressões provenientes da economia internacional e das medidas adotadas pelos governos federal e estadual, o Grande ABC esteve envolvido na problemática da crise local, da reestruturação produtiva nas fábricas e do cotidiano das relações entre atores e instituições locais”.
Meus comentários – Não foi exatamente uma boa ideia Jefferson da Conceição retirar do baú a dissertação de Celso Horta. Lá estava adormecida havia 13 anos, com vieses claramente equivocados, até que as vísceras de um passado que deveria ser esquecido, porque enganoso, foram levadas à ribalta na tentativa de transformar o patético em algo supostamente de excepcional valor histórico. Uma tremenda mancada.
Jefferson da Conceição -- Utilizando as categorias de hegemonia e contra-hegemonia do filósofo marxista italiano Antonio Gramsci (1891-1937), Horta procurou debruçar-se sobre a compreensão e o comportamento do Diário do Grande ABC em uma situação específica, que foi o conflito ocorrido nos meses de outubro e novembro de 2001, e que envolveu a empresa fabricante de veículos Volkswagen e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC – dois ícones e quase sinônimos de Grande ABC. O trabalho baseou-se em levantamento qualitativo de dados. Entretanto, o autor fez também esforço adicional visando classificar e quantificar o conjunto de representações encontradas no discurso do Diário durante o período pesquisado. Foram analisadas 61 edições do Diário durante o período do conflito. A análise estruturou-se no conteúdo dos títulos de capas, editoriais e artigos assinados.
Celso Horta – “O estudo da formação discursiva do Diário durante o referido conflito entre capital e trabalho evidenciou a falácia do mito da imparcialidade e neutralidade com que o jornal faz sua autopromoção. A descrição/interpretação da cobertura dia a dia do conflito mostrou que o discurso do Diário, identificado pelo slogan publicitário de “braço direito do ABC”, na verdade esconde o pensamento hegemônico da mídia conservadora. Um discurso que bombardeia o mundo diariamente com suas verdades definitivas sobre a primazia do mercado e o do status quo a ele associado e que, no plano regional, centra sua ação no combate às posições que buscam fortalecer as administrações populares locais e as instituições representativas dos interesses do trabalho. Assim, os sindicatos foram eleitos, pelo discurso hegemônico, como uma das razões das mazelas que afetam a civilização e um dos fatores do “custo ABC”. Por isso, eles estão no centro da ação fiscalizadora do Diário”.
Meus comentários – A avaliação crítica do autor da dissertação peca por extrapolar no tempo. Fosse circunscrita àquele período específico, somente àquele período, a avaliação já seria incorreta. Quando alarga a temporalidade e abraça o desempenho editorial do Diário do Grande ABC ao longo dos tempos, a versão direitista se esfarela de vez. Transmitiu o autor a certeza de que, integrante do movimento sindical e do Partido dos Trabalhadores, enxerga fantasmas aonde não existem. O Diário do Grande ABC, mesmo em determinados períodos, jamais manteve editorial ácido para ser instalado à direita ideológica simplesmente porque a essência de uma neutralidade inoperante dominou suas páginas.
Jefferson da Conceição -- Acrescento três observações às considerações feitas por Celso Horta neste parágrafo anterior: a primeira observação consiste em chamar a atenção para o fato de que o Diário do Grande ABC, além de se definir como “braço direito” da região, também busca reafirmar seu compromisso com a imparcialidade e se julga como legítimo representante dos moradores locais (!). Isto fica explícito, por exemplo, em editorial do último dia 2/4/2016, quando o jornal disse: “Ao longo de seus 57 anos de existência, o jornal Diário do Grande ABC carrega um histórico de compromisso com a verdade dos fatos, com a imparcialidade e, principalmente, com o seu leitor. O maior jornal regional do País é o principal porta-voz dos legítimos interesses dos moradores de Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra (...)”. Esta autodeclaração de representatividade regional está longe de ser um consenso entre as instituições e os moradores da Região do grande ABC.
Meus comentários – Jefferson da Conceição tem total razão sobre o narcisismo que o Diário do Grande ABC de vez em quando exalta no espaço mais que ínfimo do “Editorial”. Há muito tempo aquela publicação não detém a centralidade asfixiante da informação, mesmo que de baixa qualidade, com que se dirige à sociedade da região. As fraturas expostas a cada edição pelo Diário do Grande ABC, num movimento simétrico que se estende há muito mais de uma década, reduziu o centro gravitacional informativo que outrora exercia. Novas tecnologias, sobretudo mantenedoras de publicações digitais, e o manancial de participação nas redes sociais, atingiram os calcanhares de Aquiles do jornal, os quais podem ser sintetizados como uma imprecisão monumental nas questões relevantes à região. O Diário do Grande ABC insiste em confundir informação rasa com análise esclarecedora -- recomendada por 10 entre os 10 maiores editores de jornais do mundo.
Jefferson da Conceição -- A segunda observação é que o discurso do “Custo ABC” foi construído em conjunto pelo Diário e por parte das representações empresariais locais e regionais (como a Fiesp/Ciesp). Trata-se de um discurso fácil de transmitir já que os custos salariais da região, para as mesmas funções, são de fato mais altos do que de muitas outras localidades do País. Mas este discurso não contribui para o entendimento completo do fenômeno. Para isto, seria necessário comparar os custos mais altos com a produtividade que também costuma ser mais alta na Região do ABC, conforme reconhecem muitos dos próprios empresários.
Meus comentários – Ao longo da história o Diário do Grande ABC foi efetivamente pouco atuante na massificação do chamado Custo ABC. A linha editorial do jornal na área econômica foi em grande escala moldada para favorecer um ambiente bastardo, de procrastinação contínua da evidente fragilização do setor industrial. A produtividade industrial desfraldada por Jefferson da Conceição é uma falácia sintetizada em dois pontos, embora não faltem outras configurações: os investimentos privados fogem da Província do Grande ABC de ambiente hostil ao capital por parte do sindicalismo, e a produtividade, que é em resumo o custo do trabalho, perde feio e dolorosamente para outras regiões do País. Uma coisa está ligada à outra. E as duas situações interagem quando se sabe que os níveis salariais estão muito acima da concorrência nacional por causa das chamadas conquistas sindicais. A contínua queda do PIB Industrial da região, que soma surras homéricas ante outras regiões do Estado e do País, é o resumo da disfuncionalidade da economia local.
Jefferson da Conceição -- Minha terceira observação: em nenhum momento o Diário do Grande ABC dá o devido valor ao papel dos Sindicatos do ABC (com destaque para o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC) na formulação, mobilização e negociação das Políticas Públicas locais, regionais e nacionais, bem como na temática da modernização negociada das empresas. São vários os exemplos do papel de protagonismo exercido pelo sindicato: Câmara Setorial Automotiva (1992-1993), Acordos Inovadores no campo da reestruturação produtiva (anos de 1990), Acordos de Participação nos Lucros e Resultados; Negociações para a constituição da Jornada Flexível; Constituição da Câmara Regional do ABC e Agência de Desenvolvimento Econômico, entre muitos outros exemplos.
Meus comentários – Diferentemente do que expõe Jefferson da Conceição, o Diário do Grande ABC foi e continua sendo, salvo períodos de excepcionalidade crítica, um veículo convertido à posição de porta-voz informal dos metalúrgicos de São Bernardo. Os arquivos comprovam que o jornal, salvo situações excepcionais, sempre se destacou pelo engajamento automático ao sindicalismo cutista, em flagrante desequilíbrio em relação ao setor empresarial de pequeno e médio porte. O Diário do Grande ABC não é uma Tribuna Metalúrgica, como provavelmente gostariam que fosse tanto Jefferson da Conceição quanto Celso Horta, mas jamais poderá ser destacado como adversário do movimento sindical.
Jefferson da Conceição -- Voltemos à pesquisa de Horta. O autor aponta para a divisão do Diário do Grande ABC em sua ação comunicacional.
Celso Horta -- “De um lado, em alguns momentos, o Diário busca claramente fortalecer o território e suas instituições regionais – o Consórcio Intermunicipal, a Câmara Regional, o Fórum da Cidadania e a Agencia de Desenvolvimento Econômico. Nestas oportunidades, o Diário dispõe-se, formalmente, a ajudar na elaboração de diagnósticos e implementação de planos conjuntos de revitalização regional e na aproximação entre o poder público e os representantes de sindicatos, associações empresariais, universidades e outros atores sociais. De outro lado, apesar do discurso de independência e autonomia, diante dos conflitos que assolam permanentemente as relações entre capital e trabalho (inerentes ao capitalismo, diga-se), o Diário quase sempre assume uma posição hostil ao sindicalismo”.
Meus comentários – A atuação do Diário do Grande ABC ao longo dos tempos sobre o desempenho do Clube dos Prefeitos e da Agência de Desenvolvimento Econômico foi pautada pela neutralidade nociva. Raramente o jornal se dedicou para valer ao bom combate de cobrar dessas instituições atuações antenadas com o quadro de contínua fragilização da economia da região. A hostilidade do Diário do Grande ABC ao sindicalismo, como sugere Celso Horta, é uma exceção sazonal que se pretende transformar em regra estrutural.
Jefferson da Conceição -- Neste ponto, faço um pequeno ajuste na conclusão de Horta exposta no parágrafo anterior. Após 2003 (ano de apresentação do trabalho de Horta), verifica-se que, mesmo no que se refere às instituições regionais como Consórcio Intermunicipal e Agência de Desenvolvimento Econômico, o Diário adota postura bastante crítica e por vezes hostil, via de regra quando estas entidades são comandadas por gestores ligados ao PT e ao sindicalismo.
Meus comentários – Nada mais paranoico, nada mais paranoico. Nem mesmo a isso, a cobrar dos gestores petistas medidas mais efetivas em prol da regionalidade, o Diário do Grande ABC levou adiante de forma programática, como linha editorial. Chora-se de barriga cheia. Os petistas que comandaram e comandam essas instituições não são diferentes dos titulares que ostentavam outros distintivos ideológicos -- exceção ao petista Celso Daniel, jamais se deram conta da gravidade da situação regional a ponto de fazerem do Clube dos Prefeitos e da Agência de Desenvolvimento Econômico pontas de lanças de transformações significativas.
Jefferson da conceição -- De certa forma, tratei desta questão da hostilidade em relação aos Governos do PT, no artigo de título “Lentes Turvas”. Neste artigo, publicado no ABCD Maior, em 8 de janeiro de 2015, mostrei o tratamento extremamente negativo que o Diário dá quando trata da cobertura do governo do prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, não obstante o volumoso conjunto de obras e transformações vividas pela Cidade durante as duas gestões do prefeito. Posteriormente, em parceria com mais três autores, publiquei livro - “A Cidade Desenvolvimentista: crescimento e diálogo social em São Bernardo do Campo, 2009-2015”, publicada pela Editora da Fundação Perseu Abramo no final de 2015 (disponível gratuitamente no site da Fundação) – no qual este volume de realizações é exposto em detalhes.
Meus comentários – Há indisfarçável desencontro entre o Diário do Grande ABC e a Administração Luiz Marinho em âmbito municipalista. Mas isso não se deslocou ao campo da regionalidade das instituições que representam os sete municípios. Tanto o jornal como os gerenciadores públicos da região são pouco preparados para elevar o nível dos debates que tratam conjuntamente desse bicho de sete cabeças cultuado como uma porção invejável da Região Metropolitana de São Paulo mas que, no fundo, não passa de estorvo, porque há preguiça generalizada em decifrá-lo. Quanto ao legado da Administração Luiz Marinho, desabaram os planos geralmente municipais para reduzir o peso do setor automotivo nas matrizes de desenvolvimento econômico. Prova insofismável: o PIB por habitante de São Bernardo vem sofrendo reveses duríssimos. Calcula-se que ao encerramento da gestão Dilma Rousseff, caso a presidente se mantenha até o final do mandato, em 2018, São Bernardo terá perdido 20% de PIB per capita.
Jefferson da Conceição -- Em sua pesquisa, Horta buscou retomar a história da fundação e crescimento do Diário do Grande ABC, para mostrar que, a partir de determinado momento, ocorre um desencontro entre as posições do Diário e o novo eixo de forças na Região do ABC.
Celso Horta -- “Ambientado no Grande ABC, o Diário cresceu identificado com a indústria automobilística e viveu a condição de porta-voz privilegiado do que então era considerada a “Detroit brasileira”. No final dos anos de 1970, no entanto, o “milagre econômico” da Ditadura dava sinais de esgotamento. O Brasil começava a ensaiar novos rumos para seu futuro. Neste quadro, o Grande ABC projeta-se nacional e internacionalmente a partir de uma nova alternativa de poder político que nasce das lutas sindicais do final da década. A partir da década de 1980 e, sobretudo, na década de 1990, o modelo vertical de concentração industrial na Região esbarra em limites físicos e em fatores de competitividade negativos. O Grande ABC começa a enfrentar um período de turbulências econômicas e sociais. A crise regional (com reflexos no emprego, fechamento de fábricas, queda da arrecadação, perda de qualidade de vida) leva ao surgimento na região de um novo bloco político, composto por atores e instituições sociais historicamente marcados por uma posição contra-hegemônica e identificada com o espectro ideológico de esquerda. O objetivo que se coloca para este bloco é o fortalecimento da regionalidade e dos projetos de revitalização local. Ao que parece, o “braço direito do ABC” não conseguiu perceber que o eixo das forças da política regional estava mudando de posição. O resultado é a dualidade que esta pesquisa aponta na cobertura do conflito entre capital e trabalho ocorrido no final de 2001.
Meus comentários – Excede-se o jornalista Celso Horta ao atribuir às forças de esquerda da região atributos de regionalidade em fase de construção. Exceto se o autor entende por regionalidade o corporativismo sindical cutista e o corporativismo político petista não existe qualquer registro teórico ou material de que os esquerdistas que emergiram na região tiveram outra preocupação senão a disputa muitas vezes fratricida entre capital e trabalho. Mais que isso: o advento de um sindicalismo rebelde, embora em vários pontos permeado de justeza social, dividiu a Província do Grande ABC em pelo menos duas porções aparentemente inconciliáveis – a dos trabalhadores de chão de fábrica doutrinados a um socialismo fora de moda e o restante da população preliminarmente alheia a ideologização econômica e social, mas, em seguida, opositora ao movimento.
Celso Horta -- A ameaça de fechamento da fábrica da Volkswagen na região, publicada no momento mais delicado do conflito, em uma clara “chantagem” contra o sindicalismo, e o editorial do dia seguinte, chamando a atenção da Volkswagen e do Sindicato para suas responsabilidades sociais – são exemplos claros do posicionamento contraditório do jornal. Uma ação comunicacional que, longe de contribuir para a constituição de um projeto regional de desenvolvimento econômico equilibrado e sustentado, apenas ajuda a reforçar as externalidades negativas da Região".
Meus comentários – Os termos críticos ao editorial do Diário do Grande ABC não têm sustentação. Se o jornal chamou a atenção para a responsabilidade social das duas forças litigantes, sindicato e empresa, não existe a menor possibilidade de que a sugestão fugisse da bitola do bom senso. Das duas uma: ou o autor da dissertação pecou pela imprecisão de expor eventuais tropeços opinativos do Diário do Grande ABC ou esperava que o jornal vestisse irredutivelmente a camisa sindicalista, como o fez quase sempre ao longo de sua história ao simplesmente repassar informações corporativas em detrimento de análises críticas.
Jefferson da Conceição -- Horta chama a atenção para o fato de que os autores que estudaram as experiências contemporâneas de revitalização de regiões em crise -- como é o caso do Grande ABC -- são unânimes em apontar a importância da comunicação para o sucesso destes projetos. Assim, uma das recomendações que ele (Horta) é que se busque construir instrumentos de comunicação capazes de promover uma cultura de unidade regional, baseada no consenso e na legitimação das diferenças, em torno de um projeto de desenvolvimento econômico e social sustentável.
Celso Horta – “A temática teórica do ‘novo regionalismo’ demanda o acúmulo de novas reflexões e pesquisas. Alguns dos trabalhos realizados no próprio laboratório de Regionalidade e Gestão apontaram para a necessidade de um aprofundamento entre as questões regionais e suas relações com as forças “externas” impostas pelas tendências internacionais e pelas políticas derivadas do poder central".
Meus comentários – Nada mais devassador que o tempo. Os 13 anos que separam a dissertação de Celso Horta sobre o Diário do Grande ABC e estes tempos de Petrolão, o periódico ABCD Maior, concebido pelo jornalista petista, se comprovou um veículo de comunicação unilateral, voltado à esquerda, longe, portanto, da pluralidade tão ostensivamente cobrada dos ditos jornais de direita, os quais, em realidade, são bem mais democráticos que os de esquerda. Quem tiver dúvidas sobre o esquartejamento dos pressupostos do jornalismo que Celso Horta tanto cobrava do Diário do Grande ABC basta fazer um passeio pelas páginas digitais do ABCD Maior. Ao contemporizar com o governo Dilma Rousseff e com o escândalo do Petrolão o jornal praticamente eliminaria do universo nacional qualquer indicativo de que os dois casos são escabrosos para a sociedade como um todo e, portanto, sem a menor importância, caso fosse a única publicação a circular no País.
Jefferson da Conceição -- Uma outra carência do novo regionalismo, para Horta, seria:
Celso Horta -- “um diagnóstico mais sistemático da tensão entre os processos cooperativos locais e os conflitos permanentes de grupos de interesse e de classe, mediados pelo grande poder que exerce a mídia em todo este processo”.
Jefferson da Conceição -- A pesquisa de Celso Horta parece ter antevisto o enorme e decisivo peso que a comunicação exerceria no jogo das forças políticas locais, regionais e nacionais. Diz ele em sua conclusão:
Celso Horta -- “Esta pesquisa aponta também a importância de investigar as relações entre o poder do pensamento conservador hegemônico, em nível nacional e internacional, e o poder do pensamento contra-hegemônico que, nos territórios, pode estar identificado com ideais da esquerda democrática. É o caso do Grande ABC, onde, hoje, este bloco domina os espaços do poder público local, ocupando [à época] cinco das sete prefeituras da Região. Esta disputa, que, segundo Gramsci, é permanente, tende, na atual conjuntura do País, a favorecer ainda mais o bloco regional contra-hegemônico. Nesta medida, portanto, aponta para uma perigosa radicalização da disputa ideológica representada na mídia, colocando em risco os objetivos e projetos voltados para a revitalização do Grande ABC".
Meus comentários – Nada se comprovou mais deletério ao regionalismo da Província do Grande ABC que a ruptura entre capital e trabalho fora das quatro linhas das fábricas, como se aquele caso já não fosse suficiente para estabelecer um jogo desigual entre trabalhadores de primeira, de segunda e de terceira classes; ou seja, entre trabalhadores das montadoras de veículos e sistemistas, das médias empresas e das pequenas empresas. Ao explodir para os exteriores dos portões das fábricas em forma de ideologização política, o esquerdismo estatizante e corporativo levou à geografia regional uma divisão de classes que, embora não seja explícita, porque brasileiro é bonzinho, é altamente comprometedora. O que se fez mais tarde no País, na disputa entre “nós e eles”, foi a automática ampliação de um ambiente que a região respira há décadas.
Jefferson da Conceição -- Como professor e gestor público, minha recomendação é que o trabalho de Celso Horta seja lido, interpretado e debatido, estimulando novas contribuições. Uma atualização do autor, especialmente referente ao comportamento do Diário em face das gestões populares petistas (com destaque para a de Luiz Inácio Lula da Silva, em âmbito nacional, e de Luiz Marinho, em âmbito municipal e regional) seria também bem-vinda, visando uma futura publicação da dissertação em forma de livro, como convém para trabalhos tão importantes e valiosos como esse.
Meus comentários – Celso Horta faria uma grande gentileza à sociedade da região se não desse atenção à sugestão de Jefferson da Conceição, sob pena de que a emenda do que viria seria muito pior que os soneto em forma de dissertação do passado. A lição que Celso Horta deixou ao jornalismo praticado pelo Diário do Grande ABC, o qual considera de direita, é que, para honrar aquela marca, o jornal da Rua Catequese teria de se esmerar muito, mas muito mesmo, para ser o contraponto do ABCD Maior. Duvido que o Diário do Grande ABC caia nessa armadilha. Nada com maior força de rivalidade em relação ao jornalismo declaradamente de esquerda do que o jornalismo enfaticamente de direita. Entre outras razões porque direita e esquerda já não são estanques como no passado. Há nuances que atenuam os preceitos de direita e também o evangelho de esquerda, os quais precisam e devem ser observados com atenção. Até mesmo para que se pratique um jornalismo de análise, de informação aprofundada, e não simplesmente relatorial, como o Diário do Grande ABC exerceu durante quase toda sua trajetória.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)