Sociedade

Simplesmente, Odamar

MALU MARCOCCIA - 05/05/1997

MALU MARCOCCIA Carregar sobrenome badalado nem sempre é confortável. O prestígio pode tornar os membros da família reféns da fama, vivendo à sua sombra. Ou então exigir esforços redobrados para suplantar o estigma do festejado clã. Pois foi isso que moveu Odamar Versolatto a decidir, em junho do ano passado, dar luz própria à vida. Apostou todas as fichas na até então adormecida veia de artista plástico e já saboreia, em tão pouco tempo, a curva ascendente do sucesso.

Aos 37 anos, ex-confeccionista, ex-assessor de Marketing de grandes companhias, ex-marido, Odamar é, hoje, simplesmente Odamar. A família Versolatto, uma das dinastias que fizeram fama em São Bernardo, e o irmão Ocimar, que provocou uma hecatombe no mercado mundial da moda, são hoje referências importantes no campo íntimo, mas não mais o farol que move pensamentos e gestos. Nem mesmo a forma de pintar tem antecessor: “Meu estilo é Odamar Versolatto” — responde, voz pausada, sorriso meio adolescente e sempre presente no rosto miúdo, sereno.

A sensibilidade de artista, daqueles que têm o coração nos dedos e expressam extremos que vão do abstrato ao figurativo ou concreto, não tirou de Odamar a visão de praticidade. Ele tem noção de que o talento pode transformar-se numa grande oportunidade de negócios, a julgar pela cotação de sua assinatura: as telas triplicaram de valor em menos de um ano e devem multiplicar por três novamente até dezembro próximo, chegando ao patamar de US$ 10 mil, segundo o mercado. Por isso, aproveitando a estrela que lhe tem brilhado cada dia mais, Odamar já lotou a agenda de compromissos, inclusive – e principalmente – internacionais. “Nunca imaginei fazer sucesso” – desconversa, abrindo mais uma vez o sorriso, tão frequente quanto os cigarros que fuma. E prossegue: “Mas, se quiser me projetar, tenho de acontecer primeiro em Nova York. Quem chama atenção em Nova York conquista Paris. E quem conquista Paris, um centro cultural e institucional por excelência, abre portas para as praças do mundo que têm dinheiro, que compram arte, como Itália, Alemanha e Espanha, além de Tóquio, Osaka, Los Angeles e Miami”. Odamar calcula atingir em 1999 o topo dos mais bem situados artistas plásticos vivos, como Carlos Araújo, Ciron Franco, Aldemir Martins e Cláudio Tozzi, além de seu guru internacional Walasse Ting, cujas telas chegam a assombrosos US$ 26 mil cada.

A prova do pudim deve acontecer em setembro ou outubro próximo, em Nova York. Depois, talvez ainda este ano, as malas serão afiveladas rumo a Paris, numa mostra na Galerie Nesle. Para 98, já estão confirmadas, também por intermédio da Embaixada brasileira, duas exposições, no Museu Latino-Americano e na Galerie Debret.

Antes disso, Odamar se submete a uma maratona no Brasil. Este mês estará no MUBE e na abertura da Galeria Rui Santana, na Capital, além de voltar à New Sun, em Santo André, onde fez seu batismo comercial em outubro do ano passado: vendeu as 18 telas que havia pintado a partir de junho e recebeu encomenda para outras 20. O sucesso repetiu-se em dezembro na Coki Import, em São Bernardo. Resumo da ópera: entre outubro e janeiro últimos, Odamar pintou 68 telas e vendeu 63. Tem hoje catalogadas 130 obras, não mais de meia dúzia ainda sem dono no improvisado mas aconchegante ateliê da rua Correia Dias, centro de Santo André.

Na New Sun, aliás, Odamar promete nova surpresa. Vai fazer a prova de fogo de outra especialidade em arte, a escultura em acrílico, numa mostra com o estilista de calçados Fernando Pires. Em agosto será a vez da Galeria Aliança Francesa e em dezembro Odamar integrará o projeto Fachadas Imaginárias, no Pacaembu, junto com 100 artistas do mundo todo. No meio do caminho, esgrimirá espaço na agenda para visitar o filho Pedro, de nove anos, em Salvador, onde passou a morar há três meses junto com a mãe. Também pretende rodar 10 Capitais brasileiras, projeto que está negociando com vários patrocinadores, entre outros eventos. Nada mal para quem começou a ter o nome sussurrado como um dos cinco irmãos de Ocimar Versolatto, mas que logo mostrou punch para nocautear os incrédulos em sua arte nova, de cores fortes, traçados irreverentes, que não copiam nem seguem ninguém. Odamar trabalha 20 horas por dia, quando produz cinco telas em média, e hoje tem sua assinatura em paredes de gente tão famosa quanto ele, como José Roberto Mendonça de Barros, secretário de Política Econômica do governo federal, Eduardo Filinto, da Fipe/USP, as atrizes Luana Piovani e Natália Lage, além de Xuxa, para quem pintou duas colossais borboletas.

Não se pense, porém, que a fama fulminante abalou a percepção sempre latente no artista. Mesmo levantando âncora rumo a um prestígio internacional que limitará sua obra a bolsos endinheirados, Odamar tem muito bem medida a temperatura da cultura no Grande ABC. “Está na escala zero” — lamenta, embora não desista do otimismo, como membro ativo, do projeto Nova Vera Cruz, que pretende ressuscitar o espaço para produções cinematográficas. Odamar, porém, quer mais. Aponta o galpão da Secretaria de Cultura de São Bernardo que serve de estacionamento e a Fundação das Artes de São Caetano como inexplicáveis exemplos do descaso de autoridades em relação à cultura.

Ele tem proposta concreta para implantação de espaços multiarte, que reuniriam as várias expressões artísticas – dança, fotografia, pintura, escultura, arte dramática, escritores – para promover discussões, projetos e garimpar talentos. Talvez entre pequeninos de apenas dois anos, idade em que Odamar se descobriu rabiscando traços e nunca mais abandonando lápis e pincéis, mesmo em marcha desacelerada, pintando para amigos e parentes até o ano passado. “É preciso despolitizar a cultura. Fazer a iniciativa privada e os governos assumirem projetos que sobrevivam a quatro anos de mandato” – insiste um filho do Grande ABC que promete ser outra biografia de sua geração, como o irmão já ilustre.



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