Sociedade

Florence quer
reger integração

MALU MARCOCCIA - 05/06/1997

Tornar a Sinfônica de Santo André uma das maiores do País, com 100 músicos, e conhecida nacionalmente através de apresentações em várias cidades e seguidas execuções no badalado Festival de Inverno de Campos do Jordão foi apenas um dos capítulos do roteiro que Flávio Florence desenhou para a orquestra. Regente desde sua criação, há nove anos, ele quer torná-la agora semente de projeto muito maior, a Orquestra Sinfônica do Grande ABC, espécie de elemento-chave da partitura que vai dar musicalidade ao Acordo do ABC.

É isso mesmo. Flávio Florence quer aproveitar a chama da mobilização que reúne a sociedade civil, política e econômica dentro da Câmara Regional e mostrar que é possível a tão perseguida integração, começando pelos empreendimentos culturais. Esse outro capítulo, aliás, ele já tem praticamente definido, pois colocou como condição para o projeto ganhar impulso a parceria com o bolso do empresariado. Resgatou antiga idéia, a de criar uma fundação custeada por recursos públicos e privados, como forma de fazer da cultura âncora da regionalização. “A música, a ópera em particular, é o gênero que liga mais rapidamente o cidadão à comunidade, pois os temas tratam geralmente do dia-a-dia” – conceitua o maestro, também flautista e pianista, que não disfarça a paixão por óperas, ao lado da música barroca.

Aos 40 anos de idade completados em fevereiro, Flávio Florence confessa que vive momento de inquietação com esse desafio e faz um mea-culpa: “O Grande ABC tem pouca tradição em investimentos culturais porque somos incompetentes. Não temos sido capazes de mostrar às empresas nossas qualidades, copiar o que a Filarmônica de Munique fez com a BMW, que a patrocina” – cita. O que o incomoda é que muitas das organizações que não têm mãos a medir no apoio à cultura, desembolsando boladas razoáveis, ignoram solenemente o Grande ABC. Pior: boa parte tem fábricas na região. A Firestone bancou uma festejada apresentação da Orquestra Sinfônica de Londrina recentemente e a Volkswagen patrocinou longamente, na década de 70, a Filarmônica de São Paulo. O primeiro e até agora único afago regional foi feito pela Rhodia, que custeou há três anos um CD da Sinfônica de Santo André, com grande repercussão.

É por isso que Florence pensa na integração. A Sinfônica Regional ofereceria um guarda-chuva não apenas aos músicos profissionais das sete cidades, que acabam migrando para outras praças, como despertaria as contribuições particulares a uma fundação de capital misto. As chances de criar e desenvolver novos projetos, a partir daí, seriam multiplicadas, pois terminaria a dependência da única fonte de receitas até agora disponível, os orçamentos públicos, que, como se sabe, geralmente colocam a cultura em escalão intermediário. Vide a vida teatral quase nula na região com grupos locais, os esforços meramente individuais de artistas plásticos e a indigência no campo da música erudita. Somente Santo André possui orquestra consolidada e São Caetano dá os primeiros passos.

Flávio Florence sabe que a filarmônica é produto caro e altamente especializado, por isso não sonha com patrocínios exclusivos nem com dedicação integral dos músicos. No primeiro caso, se a empresa corta a subvenção, a orquestra fecha. No segundo, acha enriquecedor que os músicos dêem aulas, toquem em câmaras e outros grupos. O modelo que idealiza de fundação prevê um conselho de curadores na gestão, com rodízio entre empresários e representantes públicos, além de trocas de cadeiras entre os sete Municípios. Num primeiro momento, em vez das 10 programações anuais feitas por Santo André, haveria crescimento de 30%, com a Regional apresentando-se 13 vezes, calcula. Além disso, a iniciativa privada se incumbiria de assumir os projetos especiais, como espetáculos de ópera, balé, concertos fora de teatros e apresentações conjuntas com outros grupos musicais. Também ficariam sob asas empresariais as apresentações de solistas, profissionais que rodam o mundo através de contratos temporários. Muitos integram a série Concertos do Grande ABC, que tem Florence como um dos idealizadores e comemora o terceiro ano de sucesso.

Ao lançar à discussão tema tão apetitoso para a opinião pública, não se pense que o maestro está atrás de algum minuto de fama. Quem estudou dos 17 aos 19 anos no Real Conservatório de Música em Haia, na Holanda, foi bicampeão do Concurso de Jovens Regentes promovido pela Sinfônica Estadual de São Paulo, regeu a Orquestra Brasileira de Porto Alegre, a Municipal de Campinas e a própria Estadual de São Paulo, entre outros, dispensa esse tipo de vedetismo. Flávio Florence demonstra como poucos apurada compreensão do momento e acha que encontrou na integração cultural o ingrediente básico da fórmula de sucesso da integração regional. Mesmo isolado geograficamente no seu paraíso de criação – uma chácara de 2.500 metros quadrados plantada no meio da Mata Atlântica em um braço da Represa Billings, no Riacho Grande, onde vive com a segunda esposa e flautista da Sinfônica, Mônica, e com dois dos três filhos – Florence demonstra estar mais empenhado do que muitos interlocutores políticos, empresários e sindicalistas. Aliás, está-se impondo esse teste com riscos, já que dividirá os holofotes com outros regentes e músicos. Mas sabe que a comunidade ganhará mais espetáculos e os artistas ampliarão o campo de atuação.

Florence mostra que sua vida não está encapsulada no corporativismo nem no que chama de romantismo do mundo da música. Isso já provou quando, há três anos, quis deixar a Sinfônica, que estava em chamas depois de perder 30 músicos contratados como bolsistas e que queriam profissionalizar-se. Hoje são 13 contratados e 87 bolsistas que, sob uma fundação, poderão ser melhor remunerados. Também demonstra sensibilidade social ao popularizar espetáculos de ópera a R$ 10,00 o ingresso. Montou Don Pasquale este ano e já estuda outros dois para 98. Influenciado para a música pelo pai engenheiro e músico amador que sempre levou os três filhos pequenos a eventos culturais, Flávio Florence abriu os ensaios da Sinfônica a estudantes de Primeiro e Segundo Graus. Nascido em Santo André e formado pela Faculdade de Composição e Regência da Unicamp de Campinas, ele começou a tocar flauta aos 13 anos e sabe como ninguém a importância de despertar o público do futuro.



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