Imprensa

Quanto vale um jornalista
numa sociedade silenciosa?

DANIEL LIMA - 17/05/2016

Vou direto à resposta: vale uma combinação das causas que defende ao longo dos tempos e o perfil daqueles que o atacam por se sentirem ameaçados. Simples, muito simples. Por isso, ouso dizer que tenho um imenso prazer profissional de colecionar desafetos. Eles são um bando de picaretas. Oponentes são diferentes, por isso os respeito muito.

Situações específicas podem colocar um jornalista independente em rota de colisão com agentes públicos, privados e sociais sem que isso signifique a interdição de diálogos. A capacidade de gerenciar conflitos inevitáveis para quem pratica jornalismo de verdade é um dos requisitos do bom jornalista. A incapacidade de gerar divergências porque a conflituosidade precisa ser contornada pela conveniência é uma das fraquezas de relações públicas que se passam por jornalistas.

Não vou revelar o interlocutor com quem depois de muito tempo estive ontem à tarde num rápido e ocasional encontro. Nada demais, portanto, no sentido de alguém imaginar bobagens. Ele é apenas um comerciante, um bom comerciante. Ele e seus familiares. Gente de primeira linha que, dada a localização do negócio, muito próximo a informações privilegiadas, valeria a pena conversar mais. A clientela é essencialmente formada por gente da politica, do funcionalismo público, do Judiciário, e também empresários.  Esse comerciante, sem que eu tivesse conhecimento, acompanha meus textos desde os tempos iniciais da revista LivreMercado, no começo dos anos 1990, quando criei aquela que foi durante duas décadas a melhor publicação regional do País.

Tempo é soberano

Pois o que ele me disse, esse comerciante, me deixou ao mesmo tempo feliz e triste. “Cansei de ouvir gente que vinha aqui falar mal de você porque você escrevia que estávamos indo para o buraco e hoje, muitos deles, reconhecem que você estava certo”. O jovem comerciante em questão se referia às análises que produzi ao longo dos tempos sobre a economia da região e os desdobramentos sociais decorrentes da desindustrialização.

Mal sabe o comerciante que me pegou no contrapé emocional num dia em que senti o golpe de mais um grande nome da música popular que se foi, no caso o extraordinário Cauby Peixoto. Mal sabe o comerciante o quanto me custou não arredar pé da verdade que via e continuo vendo nos números, nas ruas, nas praças.

Nadar contra a maré de triunfalismo e também do banditismo regional não é para qualquer um. Inclusive para qualquer jornalista. A maioria não tem tutano para enfrentamentos, desgastes, sordidez encomendada e covardias impunes.

Se tivesse medo de cara feia de bandidos sociais não sentaria à frente do computador para produzir esta revista digital. Se para Cauby Peixoto, como disse numa entrevista, a vida lhe sorria, mesmo quando parecia em frangalhos físicos, quando entrava num palco, para este jornalista a mudança se dá ao dedilhar o computador. Nessas horas me transformo completamente.

Sou extremamente cuidadoso e irreversivelmente combativo.  Quem trabalhou comigo sabe disso. Coleciono desafetos que não valem mesmo um tostão furado porque a sociedade tem podres poderes a serem desafiados, quando não desbaratados.

Se meus desafetos soubessem que são meu combustível diário, não perderiam tempo com bobagens e maquinações que os desmoralizam, porque insustentáveis.

Acervo aberto

O acervo de CapitalSocial e também de LivreMercado está disponível neste site há muitos anos e continuará exposto mesmo depois de meu último suspiro. O volume de informações e principalmente de análises inéditas é o contragolpe mais certeiro que alguém poderia exibir contra eventuais ataques sórdidos.

O desafio que coloco aos leitores de verdade, aqueles que cobram qualidade e coerência, é que vasculhem meus textos e apontem eventuais desvios. Sejam meus fiscais sempre. Enviem e-mails, argumentem, fundamentem. Adoro provocações inteligentes. Detesto patifarias. Abomino covardias entre outras razões porque não conheço na praça alguém que se exponha tanto quanto eu em oposição a tudo que está aí. O que não passa de obrigação funcional como intermediário da sociedade ávida por informações que se distanciem de enganações.

A fundamentação de fatos não é retórica vazia. A lembrança do comerciante sobre a produção direta deste jornalista e também de colaboradores dos tempos de LivreMercado é a melhor homenagem que um representante da sociedade poderia oferecer ao ofício que abracei. E esse trabalho que vem de longe não virará pó como um dia virarei. Até mesmo como contragolpe automático àqueles que covardemente se utilizam o que chamaria de estelionato informativo para tentar ludibriar os leitores incautos.

Balcão de negócios

Quem me conhece sabe muito bem que não sou jornalista que conste da lista do balcão de negócios no qual chafurdam os enganadores de plantão. Minha maior condecoração não é, como já escrevi, o título de Cidadão de Santo André, a medalha de honra ao mérito do Fórum da Cidadania e algumas outras homenagens como a Medalha João Ramalho de São Bernardo. Nem tampouco – embora seja muito, mas muito mesmo – o legado pessoal e de equipe em mais de 50 anos de jornalismo.

Minha grande conquista foi enfrentar um bandido social e receber do Judiciário incauto na decisão tomada a prova provada de que não integrei a lista daqueles que se dobraram ao seu poder econômico – e sobre os quais destila entre amigos sentenças desmoralizadoras sobre a vulnerabilidade da Imprensa.

Meus desafetos são minha grande herança profissional. Eles precisavam mesmo encontrar alguém a lhes opor a seriedade e a justeza de análises que os derrubaram do altar de intocáveis.

Que me desculpem as Madres Terezas e os Freis Galvão, que criei e os lancei no palco. Que me perdoem os mais de 1,7 mil homenageados com o Prêmio Desempenho que conduzi durante 15 anos com auditoria externa e um Conselho Editorial que chegou a contar com mais de duas centenas de participantes.

Nesta região de mandachuvas e mandachuvinhas não há tarefa circunstancialmente mais gratificante do que desmascarar os bandoleiros sociais enquanto a Lava Jato não chega com mais força, contundência e estragos.



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