Economia

Dirigentes fazem pente fino no
balanço imobiliário pós-Bigucci

DANIEL LIMA - 20/06/2016

O balanço trimestral do mercado imobiliário da Província do Grande ABC é um dos indicadores da temperatura da economia regional e pedaço importante de um retrato do quadro geral quando somado a outros elementos estatísticos. A lógica valeu inclusive, para o bem e para o mal, durante o período em que o responsável pela divulgação dos dados cometeu série de manipulações. Caso do ex-presidente do Clube dos Construtores, o empresário Milton Bigucci.

Apeado da presidência que ocupou durante 25 anos seguidos, Milton Bigucci deixou escombros metodológicos e estatísticos que hoje atormentam a diretoria presidida pelo engenheiro Marcus Santaguita. Fosse apenas isso, tudo seria minimizado. O problema é que o então dirigente deixou a entidade enfraquecida estruturalmente, sem representatividade junto ao próprio setor e sob suspeita da sociedade desorganizada da Província, porque se meteu em várias enrascadas como empresário. Uma coleção de complicações que o levaram, em nome pessoal e também institucional, a tentar calar este jornalista com uma série de ações judiciais.

Estamos no final de junho e até agora não saíram os dados acumulados de janeiro, fevereiro e março do mercado imobiliário da região. Na Capital, o Secovi, o Sindicato da Habitação, já divulgou dados dos quatro primeiros meses. Tormentosos, por sinal. O que, afinal, se passa no Clube dos Construtores agora há praticamente seis meses sem o dirigente que ocupou opressivamente o cargo durante 25 anos?

Manipulações explícitas

Fontes do próprio Clube dos Construtores afirmam que uma verdadeira operação pente fino procura eliminar todos os riscos operacionais para divulgar dados confiáveis sobre o comportamento do mercado imobiliário nos três primeiros meses do ano.

Não havia esse cuidado durante o período de Milton Bigucci. A tarefa sempre foi entregue a funcionários da entidade que se utilizaram de metodologia jamais exposta a representantes da sociedade. Um situação bem diferente do que se pratica na Capital e na maioria dos municípios da Grande São Paulo. Lá, recolhimento e análise de informações estão sob a responsabilidade de empresa especializada.

A situação de fragilidade do Clube dos Construtores foi analisada e criticada na mídia regional somente por CapitalSocial. Os demais veículos de comunicação aceitam estatísticas sem contestação.

Por conta de manipulações de Milton Bigucci se cometeram barbaridades estatísticas que ajudaram a inflar o setor imobiliário na região. Foi uma ação que provocou efeito bumerangue. Os reflexos são visíveis. Há excesso de oferta e escassez de demanda muito além da média nacional. Micos não faltam na geografia regional. A Província foi invadida por construtoras da Capital sem informações detalhadas sobre a economia regional, ou, pior, com dados falsos sobre o andar da carruagem regional. Viveu-se durante vários anos um boom imobiliário sem sustentação, mas incentivado pelo presidente do Clube dos Construtores em inúmeras declarações à Imprensa. Agora as dores do parto apareceram, inclusive colhendo no contrapé o próprio conglomerado do ex-dirigente da chamada Acigabc, como é formalmente conhecido o Clube dos Construtores.

Sem lançamentos?

A pergunta que a massa de empreendedores do setor imobiliário faz é simples: quando será divulgado o balanço do primeiro trimestre? Oficialmente, o Clube dos Construtores não se pronuncia. Sabe-se, entretanto, que há ação coordenada para que até o final desta semana sejam apresentados os dados.

E, antecipadamente, as mesmas fontes que asseguram o descalabro deixado por Milton Bigucci na condução dos dados estatísticos -- e também no estado de quase abandono da entidade ao longo dos anos -- projetam números sofríveis. Há versão que dá conta de que pela primeira vez na história a região não contabilizará um lançamento sequer de apartamentos durante três meses seguidos. E que as vendas desabaram ainda mais em relação ao ano passado. Tanto num caso quanto no outro em patamares muito mais elevados do que os apresentados pelo Secovi na Capital. Nada mais lógico.

Dirigentes do Clube dos Construtores que preferem manter o anonimato afirmam que existe espécie de pacto no sentido de, nestes primeiros tempos de nova gestão, evitar expor publicamente as vísceras deixadas por Milton Bigucci e o descalabro de uma gestão tão prolongada quanto ineficiente. Há entre os dirigentes um sentimento em comum: para corrigir as inúmeras fissuras estruturais e operacionais do Clube dos Construtores é preciso esquecer por algum tempo o passado e costurar o futuro, mesmo que devagar.

Entretanto, essa ação conciliatória não significa que haverá acomodação. Os dados estatísticos da realidade do mercado imobiliário na região são um pedaço da reestruturação daquela entidade. A conclusão de que é preferível atrasar a divulgação a divulgar dados imprecisos é unânime. Não existe confirmação sobre a possibilidade de a produção estatística ser repassada a terceiros -- caso da Capital do Estado. Especula-se a possibilidade, mas há condicionantes no campo financeiro.

O Clube dos Construtores legado por Milton Bigucci e aos poucos em recuperação contava com arrecadação financeira acintosamente abaixo da grandeza do setor. Havia poucos associados. Agora já se exibem músculos reparadores, mas ainda distantes do necessário para série de atividades que constam da programação.

Derrapadas estatísticas

Nos últimos anos CapitaSocial fez série de análises sobre o mercado imobiliário da região em oposição aos dados anunciados pelo então presidente Milton Bigucci.

Sobre o balanço do mercado imobiliário de 2013, escrevi em fevereiro de 2014 que os dados eram um amontoado de imprecisões, mistificações e vazios. Milton Bigucci disse à Imprensa regional que o setor apresentou o melhor resultado da história em 2013, considerando-se a linha de corte de 2006, quando começaram os trabalhos de apuração e divulgação dos dados. Foram anunciadas 10.054 unidades vendidas naquela temporada. Milton Bigucci deixou de informar que os números de Diadema e de Mauá não constavam dos estudos anteriores – o que distorcia completamente os resultados. E tampouco acrescentou a incorporação do programa popular Minha Casa, Minha Vida, que, até então, fugia da proposta de mensurar o setor dentro dos conceitos de oferta e demanda convencionais.

O balanço imobiliário de 2014 também foi contestado neste espaço. O resultado final deu 33,5% de queda em relação a 2013. Um pouco menos que os 35% da Capital. Explicamos que “é impossível sob qualquer ponto de vista econômico, exceto em situação de calamidade pública ou guerra civil localizada, que a grandiosa Capital vizinha exponha números mais elevados que os da região”.

Não escapou a críticas o balanço imobiliário de 2015, anunciado em abril deste ano pelo Clube dos Construtores já sob a presidência de Marcus Santaguita, mas com dados do último mandato de Milton Bigucci. “Num processo doloroso de tentativa infrutífera de encaixe dos números na bitola do mercado metropolitano e nacional, sob pena de esculhambação geral da imagem da entidade num momento em que novos dirigentes dão novo ritmo à instituição, os lançamentos foram praticamente dizimados no quarto trimestre. Uma maneira de, na soma geral da temporada, os quatro trimestres, os dados não se distanciarem tão escandalosamente do eixo de credibilidade”.

Mesmo com a artimanha denunciada por esta publicação, o resultado final da temporada passada nos lançamentos imobiliários da Província do Grande ABC fugiu à lógica econômica comparativa com a Capital: “Enquanto na cidade de São Paulo a queda de lançamentos no ano passado chegou a oficiais 37% (...) na Província do Grande ABC a redução foi bem inferior, de 20,38%. (...). Ou seja: mais dinâmico e resistente, porque não depende de uma atividade econômica específica, o total de lançamentos na Capital, sempre em confronto com o ano anterior, caiu praticamente o dobro em relação à Província do Grande ABC em larga escala sob os rigores do setor automotivo”, escrevi em abril último.

Melhor que Capital

Quem considera que esses exemplos mais que provam a transformação das pesquisas do Clube dos Construtores em abuso à inteligência desconhece o que CapitalSocial registrou sobre o balanço de 2011 num artigo que escrevi sob o título “Só nas contas de Bigucci Capital perde para Província em imóveis”. A matéria, publicada em março de 2012, explicava: “Alguém é capaz de acreditar na possibilidade de, em tempos normais de paz, em tempos de economia razoavelmente aquecida, como a do ano passado, quando o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu 2,7% sobre o PIB de 7,5% do ano anterior, a Província do Grande ABC mostrar-se mais dinâmica no mercado imobiliário que a Capital paulista? (...). Somente uma hecatombe econômica ou natural, como um território que se limitasse às áreas mais disputadas da Capital, permitiria sugerir que a cidade de São Paulo perdeu de lavada para a Província do Grande ABC em 12 meses acumulados no mercado imobiliário. (...). Sabem quanto o mercado imobiliário da Província cresceu em 2011 sobre 2010, segundo a versão rocambolesca de Milton Bigucci? 8,57%. Quase três vezes o PIB daquela temporada. (...) Agora respondam os leitores: quanto foi que no mesmo período cresceu o mercado de imóveis novos na Capital? (...). Houve perda em relação a 2010. E que perda? Nada menos que 21,2%”.

Ou seja: o histórico de fanfarronices numéricas do período presidencial de Milton Bigucci provocou nos novos dirigentes do Clube dos Construtores atenção máxima. Sinais de alerta foram acionados. Os números do primeiro trimestre vão sair sim, mas estão sendo rigorosamente questionados. Acabou a farra de artificializar o mercado imobiliário regional em proveito de um grupo restrito de especuladores. Dirigentes mais inconformados com o passado daquela entidade não aceitam mais a farta distribuição de números que não se sustentam.

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