A manchetíssima (manchete das manchetes de primeira página) do Diário do Grande ABC de hoje (“Mauá superfatura merenda escolar e paga R$ 20 o quilo de almôndega”) é um caso típico de enquadramento compulsório na legislação municipal proposta e cobrada por este jornalista com a marca de Reportagem Premiada.
Diferentemente da manchetíssima da edição de ontem, sobre supostas relações pecaminosas de um empresário que também é dirigente do Clube dos Comerciantes de Santo André (Acisa), a reportagem da edição de hoje transmite a ideia de que é consistente e, portanto, candidatíssima à Reportagem Premiada se Reportagem Premiada fosse de fato já debatida e regulamentada.
Vou morrer de catapora e não vou conseguir entender a razão de os veículos de comunicação da região seguirem a prática de omissão envergonhada à Reportagem Premiada só porque uma publicação digital comandada por um jornalista com mais de 50 anos de carreira mais que vitoriosa assim a propôs.
Desembarquem dessa condição de ciumeira boba e se juntem num esforço coletivo para defender Reportagem Premiada como ferramental duplamente positivo ao interesse público, porque, além da informação propriamente dita, que contemplaria os leitores, a iniciativa permitiria amenizar o estado de debilidade financeira que acomete a mídia. Sem contar outra vertente, até mais relevante que as demais: haveria grandes possibilidades de libertação da pauta jornalística das amarras de gestores públicos menos suscetíveis à liberdade de expressão.
Cinismo confesso
Quando digo que vou morrer de catapora sem conseguir entender a razão de os veículos de comunicação da região fazerem de conta que desconhecem a proposta de Reportagem Premiada na verdade estou sendo cínico, arma que detesto utilizar, mas que, acredito, neste caso, é mais que apropriada.
A maioria desses veículos ainda não se deu conta de que segue a atirar nos próprios pés de barro, mesmo sem darem qualquer sinal de gigantismo. Afinal, passa dia entra dia e os problemas financeiros que as afetam em liberdade de atuação e em estrutura operacional não dão folga.
Sim, não dão folga porque a atividade jornalística é na maioria dos casos um compromisso com a insensatez econômica, enquanto em outros se trata apenas de uma maneira de abrir espaços a atividades nada afins.
No meu caso -- e isso vem desde que sem querer querendo abri as portas da loucura ainda menino e atingiu o ápice ao criar a revista LivreMercado -- trata-se exclusivamente de renitente estupidez movida pela vocação profissional. Uma vocação que insensatamente repassei a um dos meus filhos, mas da qual livrei uma filha que, mesmo com talento, deu um cavalo de pau em cima da hora e se meteu no mundo jurídico.
Se há algo que jamais me conduziu ao desvio ético-delinquencial ou ao nanismo intelectual é observar os demais veículos de comunicação da região com algum sentimento mesquinho. Sou jornalista em todos os sentidos e fico muito feliz quando vejo uma ou outra matéria com abordagem que, sinceramente, gostaria de apor minha assinatura.
Arrogância autofágica
Como profissional de comunicação jamais olhei com algum grau de descaso para qualquer veículo impresso e digital sem que houvesse razão para tanto. E a razão para tanto é um produto mal feito. Aprendi ao longo da carreira que, mesmo o mais modesto dos jornais e revistas, pode oferecer pauta extraordinária em meio a bobagens.
Não nutria qualquer expectativa de que a proposta de Reportagem Premiada significasse aos veículos de comunicação da região uma luz no fim do túnel de preocupações que os assolam. Sei que há certa arrogância em evitar a citação de terceiros, por mais valiosas que sejam essas iniciativas.
Quem conhece estas páginas sabe o quanto fazemos questão de registrar as identidades dos veículos de comunicação aos quais recorremos aqui e ali para abordar determinados assuntos. Citar jornais e revistas é uma obrigação ética. Reproduzir trechos de matérias utilizando aspas, de forma integral, é um cuidado do qual não abro mão para evitar interpretações nem sempre corretas.
A aprovação de projetos de lei que determinem a criação de mecanismos que se enquadrariam nos pressupostos de Reportagem Premiada não é uma tarefa fácil. Para dizer a verdade, mesmo com a pressão que vou fazer ao questionar os principais candidatos às prefeituras da região nesta temporada, não tenho esperança de que a medida se torne uma das iniciativas de transparência de gestão pública. Sei que vou criar embaraços ao sugerir aos gestores municipais a abertura de portas e as janelas aos curiosos de sempre, aos curiosos ocasionais e quem sabe aos curiosos profissionais.
Injeção na veia
O caso da merenda escolar que o Diário do Grande ABC denuncia na edição de hoje na Administração de Donisete Braga em Mauá não passa de crônica anunciada de irregularidades que de vez em quando volta às manchetíssimas ou mesmo se limita a discretíssimos espaços editoriais. Isso não quer dizer – muito pelo contrário – que se trata de algo menor e, portanto menos suscetível a desfilar na principal passarela de primeira página.
O que quero é algo mais – que a mídia em geral se concentre de tal maneira nos desvios administrativos públicos de modo que o que se tornou rotina, ou seja, as denúncias, passe a ser exceção, tal o grau de risco que as irregularidades carregariam. Mas até que se chegue a esse estágio a caminhada será longa -- com a vantagem consequente de que as publicações impressas e digitais vão ter oportunidades de melhorar os respectivos caixas.
Nada mais justo porque, em contraposição à crise sistêmica do setor de comunicação no mundo inteiro, e principalmente em regiões decadentes como a da Província do Grande ABC, a recompensa seria um combustível a investimentos que se fazem mais que urgentes ao revigoramento editorial dos veículos de comunicação.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)