Outro dia foi a Karman-Guia que abriu o bico definitivamente, deixando um rastro de problemas trabalhistas e fiscais. Agora foi a vez da Yoki, movida pela competitividade internacional. Duas marcas famosas que abandonaram a Província do Grande ABC. E quantas fábricas anônimas dão no pé ou morrem sem que o público tome conhecimento?
E assim caminha a vergonhosa inapetência institucional da Província do Grande ABC para lidar com a crise permanente do modelo econômico que brilhou num passado em que competitividade não constava do léxico locacional da produção. A Província envelheceu estruturalmente e as instituições públicas e privadas não passam de embustes, salvo honrosas exceções.
Chegamos a tamanho estágio de anestesiamento coletivo das chamadas lideranças que ainda outro dia, ao assistir uma gravação na Internet com o secretário-executivo do Clube dos Prefeitos do Grande ABC, Luiz Paulo Bresciani, ouvido pelo Repórter Diário TV, não me contive: acabara de acompanhar alguém que provavelmente more em outro planeta. O tom monocórdio de cada frase e a tranquilidade com que desenvolveu o raciocínio de quem assessora não um navio há muito tempo em plena borrasca, mas um veleiro tropical numa praia paradisíaca, sugeriam não haver motivo algum para apressar qualquer cronograma de intervenções dos municípios.
É preciso não ter o menor interesse pelo presente da região, quanto mais pelo futuro, para não se exaltar diante do que registramos há muito tempo. Somos uma região economicamente decadente, com fundas consequências sociais. Pior que isso: não existe sinalização alguma de que paramos de perder tanto numa área quanto noutra. E tudo porque as instituições locais – inclusive a mídia – não fazem nada para um remanejamento radical do quadro.
Saída gradativa
Fico muito à vontade para analisar a economia da região. Essa é uma de minhas praias prediletas no guarda-chuva de regionalidade. Já vem de longe a série de estudos que organizo para assegurar o estado de descontrole desta Província. Quando uma Yoki vai embora, como agora sob o controle de multinacional, o que encontramos na constatação da linha do tempo da empresa é um definhamento incisivamente gradual. Não se fecha uma fábrica num piscar de olhos. A agonia dura tempo. Perdem-se muitos empregos e tributos antes de estrebuchamento final.
De empresa familiar a braço multinacional até o desaparecimento da unidade local – esse é um ritual característico das empresas locais que tiveram a sorte de encontrar algum grande conglomerado no meio do desfiladeiro. Para cada empresa com esse perfil de evasão existe um histórico de dezenas de pequenas e médias indústrias que não ganharam na loteria de ser adquiridas por terceiros e sucumbiram no anonimato.
Não canso de lembrar, em situações análogas como a do fechamento da Yoki, a decepção e o desencanto do consultor de empresas e dirigente da Anapemei (Associação Nacional das Pequenas e Médias Empresas Industriais), sediada em Santo André, Claudio Rubens Pereira. Ele se foi desta vida depois de sentir o peso do desaparecimento da quase totalidade das 150 empresas associadas que, no começo dos anos 1980, lutaram bravamente para resistir às intempéries macroeconômicas e também aos empacotamentos de reivindicações sindicais que não distinguiam pequenas, médias e grandes organizações.
Inutilidades sobrepostas
É muito pouco provável que afirme categoricamente – porque ainda tenho um pouco de juízo – que o quadro institucional da Província do Grande ABC nesta segunda década do novo milênio é o de pior qualidade da história regional.
Quando me refiro à institucionalidade, junto no mesmo saco entidades de classe empresarial, sindicados de trabalhadores, prefeitos, deputados, vereadores, entidades sociais, Imprensa; enfim, tudo que supostamente seria da elite dirigente e executiva da região.
Essa turma, que não contaria com mais de 300 representantes, exibe sofrível rendimento individual e coletivo. Dizer que esses mandachuvas e mandachuvinhas são o pior agrupamento da história regional não é conveniente. Colecionamos processo de incompetências cumulativas que poderia tornar a afirmação arbitrária.
Ou seja: o jogo de aferição do quanto a institucionalidade regional é frágil é por demais complexo. As inutilidades sobrepostas ao longo de décadas criaram argamassa aparentemente indestrutível e igualmente pouco esclarecedora sobre as camadas originais e as camadas reprodutivas que a constituíram.
O diretor executivo do Clube dos Prefeitos, Luís Paulo Bresciani, manifestou-se com a tranquilidade de quem passeia por um jardim florido na entrevista ao Repórter Diário porque é, na essência, a extensão física e espiritual do ambiente que respira entre os poderosos de plantão. Nada para os mandachuvas da política regional é mais importante do que os territórios que ocupam com o municipalismo parasitário de cobrança de impostos cada vez mais bem azeitada.
Organizar projetos que impactem para valer os pontos fracos da estrutura física e produtiva e, mais que isso, buscar recursos financeiros para aplicação no território regional cada vez mais excluído do enxadrismo de investimentos privados, isso não é com eles. Dá muito trabalho, exige contrapartidas, e, mais que isso, em alguns casos ideologicamente insanos, reforçariam conceitos capitalistas que precisam ser expurgados. Menos, claro, quando há contrapartidas generosas.
Poucas exceções
A bem da verdade e deixando claro que não estou generalizando sobre a fragilidade institucional da região, embora seja asfixiante em termos de dosagem, há exceções que merecem registro.
No caso do setor industrial, o Ciesp de Santo André, braço civil da Fiesp, saiu às ruas há exatamente um ano àquilo que convencionei chamar de Manifesto dos 300 -- alusão ao total de manifestantes do capital e do trabalho unidos de maneira inédita contra o degenerativo estágio macroeconômico do País e da região.
Àquela época estava também como colunista e ombudsman do Diário do Grande ABC e registrei desconsolo com o fato de que a mídia regional, em geral, praticamente ignorou o movimento. Fosse diferente, pegassem aquela corajosa, quando não desesperada reação dos pequenos industriais, como mote a uma ação de força-tarefa, a situação da Província do Grande ABC seria menos dolorosa nestes dias. Pelo menos algumas organizações coletivas demonstrariam interesse em sair do estado de congelamento programático em que se encontram.
Insisto em dizer que não afirmaria que jamais na história da Província do Grande ABC houve um conjunto de mandachuvas e mandachuvinhas tão incompetente e insensível como nestes dias. Entretanto, não resta dúvida de que, dadas as condições pretéritas e o quadro atual, a persistência em seguirem distantes da realidade dos fatos, os torna a todos criminosos institucionais.
Que a nova geração que já está a cobrar melhores condições de vida construa quem sabe num futuro não tão distante, num ato de repulsa e indignação, um painel gigantesco com a identidade desses omissos e aproveitadores. Sim, omissos e aproveitadores, porque se calam em nome de joguinhos de conveniências pessoais e corporativas. Quando não, bandoleiros sociais atacam quem tem a coragem de cobrar um mínimo de comprometimento social na ocupação de cargos públicos e privados.
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