Quero ser furado pelos companheiros da imprensa regional. Furado no jargão jornalístico quer dizer que estou disposto a ver publicada reportagem mesmo tendo à mão o que os jornalistas das demais publicações não têm. Ou seja: quero ser furado deliberadamente. O assunto é o Residencial Ventura, condomínio de classe média com 320 apartamentos, construído no Bairro Jardim, em Santo André. O empreendimento comprovou-se intrigante escândalo ético, moral e legal a ponto de colocar em risco a segurança dos moradores.
Fiz a denúncia que o Ministério Público do Meio Ambiente de Santo André aprofundou e confirmou. Tenho mais informações além do que os leitores já consumiram outro dia e que estão no link abaixo. Abro mão das novidades desencadeadas pela decisão do promotor ambiental José Luiz Saikali. Quero que a “concorrência” me faça comer poeira. Concorrência está entre aspas apenas como força de expressão. Vejo os demais veículos de comunicação da região como parceiros indispensáveis a transformar esta Província em Grande ABC.
Não conheço na história do jornalismo algum profissional da área que tenha decidido abrir mão de informações exclusivas e preciosas em favor de terceiros. É claro que não vou abrir mão das informações que dão sequência a essa longa novela, mas as deixo para a edição de segunda-feira. Quero ter o prazer de ver os demais jornais impressos e digitais me furando neste final de semana.
Colaboro inclusive para tanto com uma mãozinha suplementar: repasso os novos documentos de que disponho para alimentar o noticiário longe de qualquer interpretação maliciosa de que supostamente estaria apenas especulando. Não sou especulador informativo, como tenho provado ao longo da carreira. Quando minhas denúncias não se confirmam podem ter certeza de que instituições constitucionalmente competentes não cumpriram o dever de casa.
Convocação geral
Quem se habilita entre os representantes da mídia local a avançar em direção a novas alternativas informativas do escândalo do Residencial Ventura? Quem está disposto a tratar a sociedade regional consumidora de informação com seriedade e independência também quando o que está em jogo são conglomerados econômicos milionários que abusaram da clientela ao enfiarem goela abaixo da confiança irrestrita um condomínio residencial que pode, segundo constatou o MP do Meio Ambiente, ser evacuado a qualquer momento?
Vamos lá, companheiros de Imprensa! Vamos em frente com essa pauta que é filha da luta -- não filha da outra.
Posso garantir que se trata de reverberação explosiva. Aliás, o Residencial Ventura é literalmente um assunto explosivo desde quando iniciamos essa trajetória de esclarecimentos. O que temos agora, acreditem, é nitroglicerina pura.
Como não pratico o cinismo sem motivo mais que justificado, vou explicar a generosidade de propor a terceirização desse furo numa reportagem de extraordinária importância: estou de fato testando mais uma vez a independência, o senso crítico, a clarividência, o interesse e seja lá o que for da Imprensa da região no caso do Residencial Ventura.
Desde o princípio, há mais de seis anos, estou sozinho nessa empreitada. Os demais veículos de comunicação se fecharam em copas. Fingem que não existe relevância no assunto. Como se 320 famílias não fossem nada importantes, estando que estão morando sobre um terreno contaminado que, durante sete décadas, sete décadas de total descaso com o meio ambiente, sediou uma empresa química.
Sarcasmo deliberado
Faço essa proposta de repassar um veio de novidades do Residencial Ventura porque também tenho minha porção de sarcasmo e de inconformismo. Até que ponto é possível entender que valores econômicos se sobreponham a interesses e à segurança da sociedade?
O que se passou com o Residencial Ventura, desde o início da gambiarra que o concebeu, é um escândalo que jamais, fosse esse País minimamente decente, seria tão prolongado. Ainda bem que temos na praça um promotor de Justiça, José Luiz Saikali. Ele ultrapassou todas as minhas expectativas ao comandar investigações que constataram as irregularidades.
Quando digo que ultrapassou todas as minhas expectativas não quero fazer qualquer relação com o promotor ambiental em si, considerado um esteio de comprometimento com a sociedade. Trata-se apenas de um contraponto ao Ministério Público de São Bernardo que, no caso do Marco Zero da Vergonha, da MBigucci, atuou de forma reticente, pouco prospectiva e me conduziu a uma desconfiança sobre a capacidade técnica do órgão como ponta de lança de efetividade investigativa.
Então ficamos assim: os companheiros de jornalismo que pretenderem escrever uma matéria espetacular, manchetíssima de qualquer primeira página, devem entrar em contato comigo e escolherem a melhor maneira de repasse dos documentos de que disponho.
Risco na escritura
Também me coloco à disposição para enviar o dossiê que há seis anos lastreou a denúncia do Ministério Público Estadual em Santo André. Asseguro que nenhum jornalista correrá o risco que corri. Fui indevidamente condenado em primeira e em segunda instâncias “pela irresponsabilidade” de produzir série de bobagens sobre o Residencial Ventura.
O tempo decidiu quem estava com a razão lastreada em provas de um solo contaminado que coloca, repito a vida de muita gente em risco. Gente silenciosa em seu canto, a torcer para que o mercado imobiliário não desvalorize ainda mais aquele espaço residencial. Como se todos já não soubessem que morar ali é flertar com o perigo.
Um perigo que inclusive constará de averbação na escritura de cada apartamento, como acaba de determinar o Judiciário de Santo André. Não é que já contei uma das novidades pós-denúncia do Ministério Público do Meio Ambiente. Mas tem mais, muito mais. Corram, companheiros.
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