Economia

Quando vai cair a ficha de que
São Bernardo está nocauteada?

DANIEL LIMA - 19/08/2016

O setor automotivo de São Bernardo, Capital Econômica da Província do Grande ABC, está a nocaute há muito tempo. Nossa Doença Holandesa, (dependência excessiva de uma determinada matriz econômica), que afeta a economia e a sociedade da região como um todo, não será minimizada sem mudanças estruturais. E mudanças estruturais provocam dores de perdas num primeiro estágio. O enfermo piora para depois melhorar.

Por isso, não acreditem que o ministro do Trabalho do governo Temer, Ronaldo Nogueira, anunciado para hoje em assembleia dos metalúrgicos de São Bernardo, será capaz de dar respostas efetivas que restaurem nossas forças num horizonte amplo e saudável. No máximo, serão oferecidos novos esparadrapos que, mais dia, menos dia, perderão capacidade de ação.

Nossos sindicalistas sabem que a casta de trabalhadores metalúrgicos das montadoras e das empresas sistemistas será cada vez mais atingida pelas demissões. Os anos artificialmente dourados de Lula da Silva viraram pó. Já não será mais possível desprezar critérios de competitividade que estão fora das planilhas das montadoras locais.

Há uma infinidade de análises que produzi para esta revista digital sobre o encalacramento da indústria automotiva na região. Duas podem ser rebocadas nestes momentos em que a crise ultrapassa os limites do razoável.

Volkswagen, Ford e Mercedes-Benz, em São Bernardo, estão em apuros. Já se esgotaram todos os mecanismos de proteção estatal de empregos. Chegou a hora da onça da competitividade sempre adiada beber a água da realidade crônica.

Em 20 de março de 2014 – portanto há mais de dois anos – analisamos a situação da Mercedes-Benz da região na esteira de uma matéria da revista Exame. Os três pontos listados por aquela publicação da Editora Abril são velhos conhecidos do setor automotivo da região:

1. Baixa Produtividade – O índice de produção da indústria sediada em São Bernardo já era à ocasião 50% menor do que o de uma fábrica de caminhões da própria multinacional em Juiz de Fora, Minas Gerais.

2. Altos salários – A remuneração média dos operários da linha de montagem era de cerca de R$ 6 mil, o dobro do que paga a concorrência.

3. Máquinas ociosas – Cerca de 60% da linha de produção estava parada. Tinha capacidade para fabricar 80 mil caminhões por ano e produziu 35 mil em 2013.

Imagine agora, então

Ora, se a situação da Mercedes-Benz já era terrível há mais de dois anos, hoje então nem se fale. A gravidade da crise rebaixou em mais de 50% os níveis de venda de caminhões e ônibus da marca desde então.

Notaram que é praticamente impossível concorrer? Exceto, claro, se mais uma vez os contribuintes em geral pagarem o preço dos trabalhadores de primeira classe das montadoras da região.

Sim, trabalhadores de primeira classe, como já mostramos em estudos. Seria ótimo se toda a força de trabalho da Província do Grande ABC fosse de primeira classe, mas as chamadas conquistas trabalhistas dos metalúrgicos estão cada vez mais restritas ao nicho de montadoras e sistemistas, em prejuízo do conjunto dos assalariados formais. Como assim? Em prejuízo dos demais trabalhadores?

Exatamente, porque o chamado Custo ABC na área trabalhista espanta investimentos industriais e distorce as relações microeconômicas, por assim dizer, internas, porque consolida níveis antagônicos de salários que determinam mundos diferentes. Nada mais incoerente para representantes de trabalhadores que se dizem socialistas.

O discurso de igualitarismo dos sindicalistas, portanto, é apenas conversa mole. O que eles mais exercitam mesmo é o protecionismo às castas que representam na área industrial. São Bernardo é antiexemplo de democratização do mercado de trabalho. Sobretudo por conta de os sindicalistas estabelecerem forças de pressão. Montadoras e sistemistas são o foco de ações.

Os metalúrgicos de São Bernardo dão as cartas nas negociações trabalhistas. Quando não com o assentimento dos dirigentes das grandes empresas, porque o lobby nas esferas superiores de poder assegura, como se vem observando há décadas, preciosas intervenções protecionistas. Sempre em detrimento de empreendedores de menor porte, aos quais se reservam embates concorrenciais em condições mutuamente desfavoráveis.

Que socialismo é esse?

A Capital Nacional de Veículos é um chute nos fundilhos da pregação socialista de sindicalistas que só defendem mesmo os próprios interesses. São Bernardo está na 698ª colocação entre mais de cinco mil municípios brasileiros no ranking de Emprego&Renda da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) com base em insumos oficiais do Ministério do Trabalho. O resultado mais recente data de 2013. Quando os dados dos anos seguintes saírem, é possível que tenha havido agravamento do quadro.

O Índice Firjan de Emprego& Renda é um medidor implacável. Os critérios não têm subjetividade alguma. A estruturação é feita com base na geração de emprego formal, na absorção da mão de obra local, na geração de renda formal, nos salários médios do emprego formal e na desigualdade.

São Bernardo esculpida pelas lideranças metalúrgicas a partir de Lula da Silva é uma calamidade entre os grandes e médios municípios brasileiros. Há completo descasamento entre a camada de trabalhadores bem aquinhoados ao final de cada mês e uma imensidão de assalariados que mal consegue se sustentar.

O sindicalismo metalúrgico de São Bernardo deu as costas à sociedade como um todo ao longo das décadas. Preocupou-se exclusivamente com os empregados, tornando-os parceiros voluntários e involuntários de jornadas trabalhistas e partidárias.

Os metalúrgicos cuidam apenas da elite dos trabalhadores, transformando-a em vitrine de suposta eficiência. Não passam, esses sindicalistas de agora e seus predecessores, de vendedores de ilusão.

A desigualdade no mercado de trabalho formal em São Bernardo não é obra, portanto, do acaso. É uma construção de muitos anos. Somente Mauá e Rio Grande da Serra, na Província do Grande ABC, têm posicionamentos piores que São Bernardo no Índice Firjan de Trabalho & Renda. Mauá ocupa a posição 1.971 e Rio Grande da Serra a 2.409. Santo André ocupa a 130ª posição, enquanto São Caetano é 191ª, Diadema 319ª e Ribeirão Pires 664ª.

Projeção certeira

A segunda análise mencionada no inicio deste artigo refere-se à projeção que elaborei sob o título “Excesso de oito mil trabalhadores nas montadoras ameaça Província”. Escrevi o artigo em sete de janeiro de 2015. Portanto, há mais de um ano e meio.

Disseram os maledicentes que estava este jornalista a exercitar chutometria para criar ambiente negativo na economia regional. Como se tivesse esse poder. Quem mensurar o que se passou nesse intervalo de tempo só não contabilizará as baixas previstas porque houve série de mecanismos de proteção ao emprego, os quais, como se vê agora, já perderam o fôlego.

Dolorosamente chegaremos àqueles números. E talvez os suplantaremos. Ou seja: vamos de mal a pior e, como sempre, recorreremos ao lobby dos metalúrgicos e também do Clube das Montadoras, Anfavea, para estancar hemorragia que vai muito além, no caso da Província do Grande ABC, de severa recessão.

Nosso modelo industrial baseado em grandes fábricas de montadoras, em autopeças estioladas ao longo dos anos e em custos trabalhistas que diferem fortemente da média nacional e internacional, já deu o que tinha de dar.

O que estamos é protelando em prejuízo do conjunto dos trabalhadores da região uma reconfiguração das relações entre capital e trabalho numa região visivelmente decadente. Até quanto vamos continuar a nos enganar?

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Excesso de oito mil trabalhadores nas montadoras ameaça Província



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