A notícia é aparentemente positiva para a economia da Província do Grande ABC e, particularmente, para a São Bernardo Capital Nacional de Veículos: a Toyota acaba de investir R$ 45 milhões para entregar o primeiro Centro de Pesquisas Aplicada da marca na América Latina e o quarto do mundo fora do Japão.
O que a festa realizada anteontem na região esconde é o outro lado da moeda podre sobrerrodas: a Toyota investe cada vez mais na produção fora da região e se fixa em São Bernardo como centro de inteligência porque foge como o diabo da cruz do chamado Custo ABC que sobrecarrega os custos operacionais mais relevantes das montadoras locais, além de autopeças de diversos calibres.
Tudo isso em nome de uma falsidade enorme, que é a defesa dos trabalhadores. Quando se distribuem privilégios, o grosso dos trabalhadores de diversas áreas de atividades, excluídos do processo, é duramente penalizado.
Tanto é verdade que saiu ontem no jornal Valor Econômico uma informação que antecipei neste espaço, sem contar com números absolutos: 44,7% dos recursos do PPE (Programa de Proteção ao Emprego), também conhecido como Bolsa Montadora e Bolsa Metalúrgico, foram consumidos em São Bernardo, onde se pariu a geringonça trabalhista que contribuintes do País custeiam.
Só necessita de apadrinhamento fiscal permanente tanto do governo estadual quanto do governo federal, como reitere insistentemente o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques, quem não tem competência para competir. Com perdão do suposto pleonasmo que, antes de tudo, é uma forma de realçar a realidade dos fatos.
Produção enxuta
Primeiro vamos fazer abordagem sobre o investimento da Toyota em São Bernardo. Como conta a jornalista Marli Olmos, do Valor Econômico, “mais um passo na direção de conceder mais autonomia local foi dado ontem, com a inauguração do primeiro centro de pesquisa e desenvolvimento da Toyota do Brasil”.
A reportagem prossegue: “Nenhum carro totalmente novo sairá dali por enquanto. Mas, a exemplo do que já fazem outros fabricantes de veículos, a engenharia local terá a chance de interferir em projetos de versões, acessórios ou pesquisar o uso de materiais alternativos”. E prossegue: “Erguer um centro de desenvolvimento de produtos mais de cinco décadas depois de ter chegado ao país pode indicar que a Toyota está atrasada em relação aos demais fabricantes de veículos. Mas essa cautela asiática ajudou a empresa, por outro lado, a evitar sufocos na administração de pessoal durante a crise”.
Agora, chamo atenção aos próximos parágrafos da reportagem do Valor Econômico porque, em seguida, faço uma conexão com o que se passa na região. Leiam: “Ao contrário da maior parte dos concorrentes, a montadora não precisou até agora de recorrer a instrumentos de redução de jornada ou de suspensão temporária de empregos, como “layoff” ou Programa de Proteção ao Emprego (PPE) fartamente usados no setor.
A jornalista Marli Olmos ouviu o presidente da Toyota sobre o assunto. A resposta: “Não nos entusiasmamos demasiadamente com a possibilidade de contratar mais pessoas quando o mercado crescia. Preferimos trabalhar no limite e até abusamos das horas extras”. E continua a reportagem do Valor Econômico: “Quando o mercado era favorável, a operação brasileira optou por recorrer a ferramentas como o “kaizen”, modelo japonês de produção enxuta. Quando as vendas começaram a cair havia margem para evitar demissões. O executivo diz, por outro lado, que está difícil conseguir lucro no país”.
Perdas cumulativas
Fechem as cortinas. Vamos para a reportagem do mesmo dia no Estadão, assinada pela jornalista Cleide Silva. “É o terceiro projeto que a unidade paulista – que por vários anos produziu o jipe Bandeirante – recebe após o início do programa chamado de revitalização da fábrica do ABC. O primeiro, em 2014, foi a ampliação da área de forjaria (que faz peças para exportação) e o segundo a transferência da sede administrativa de São Paulo. Ao todo foram gastos até agora nesse programa R$ 65 milhões”.
Mais adiante, o Estadão afirma: “Enquanto o mercado total registra queda de 24% nas vendas de veículos de janeiro a junho, a Toyota caiu apenas 0,9% em relação a 2015. Até o fim do ano, espera vender 180 mil unidades, 2% acima do ano anterior.
Faltou dizer o quanto as montadoras sediadas na Província do Grande ABC amargam em perdas de produção e de vendas. São quase 50% nos dois últimos anos. A Toyota só conta com forjaria na região, além do Centro Tecnológico. A produção propriamente dita está bem distante. São unidades bem menores, mais enxutas e muito mais produtivas do que as das montadoras sediadas na região.
Produção enxuta não seria possível diante do aparelhamento do Sindicato dos Metalúrgicos por falsos socialistas sempre prontos a extrapolar nas reivindicações nos períodos de vacas gordas e, diante de vacas magras, correrem para o colo do Estado. Ai das montadoras e autopeças que ousarem contrariar a política expansionista de empregos supostamente permanentes mas que não passam de descartáveis à primeira tempestade econômica.
Tanto é verdade que a tática de inchar as fábricas faz parte do negócio populista de dirigir uma classe de empregados – e aí entra em campo a segunda parte deste artigo – que somos o principal cliente, quando não autênticos gigolôs, do Programa de Proteção ao Emprego (PPE), forjado justamente no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC com base na aplicação excepcional na Alemanha. Como se fôssemos uma Alemanha, claro.
Fracasso anunciado
O Valor Econômico de ontem revelou (a interpretação é minha, porque a reportagem se limita a oferecer informações básicas) o quanto os sindicalistas de São Bernardo quebraram a cara quando propagaram aos quatro cantos que centenas de empresas locais adeririam ao programa. “Quase um ano depois do lançamento do PPE, São Bernardo do Campo, no ABC, é destino de quase a metade dos recursos até então destinados à iniciativa, R$ 70,3 milhões. Conforme informações repassadas pelo Ministério do Trabalho ao Valor, entre agosto do ano passado e junho deste ano, empresas de 56 municípios aderiram ao programa de redução de jornada com diminuição proporcional de salários” – escreveu o jornal.
Mais adiante, a reportagem informa que dos R$ 156,8 milhões que o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) pagará aos funcionários incluídos no programa até junho, 74,9% ficaram em São Paulo e 65,9% no setor automotivo. “Até agora, companhias em nove Estados assinaram termos, apenas uma do Nordeste, em Sergipe, três do Norte, no Amazonas. Um total de 57.996 trabalhadores já foram beneficiados. Apesar de concentrar 44,7% dos recursos, São Bernardo soma 33,8% dos funcionários participantes: 19,5 mil. Eles estão distribuídos em 10 empresas, incluindo Mercedes-Benz, Volkswagen e Ford. As três montadoras somam R$ 68,2 milhões em benefícios”.
Quem acompanha esta revista digital sabe o quanto antecipamos que o PPE não resistiria à realidade das pequenas e médias empresas da região, em larga escala destruídas ao longo dos anos. Muitas já se foram rumo ao Interior ou viraram obituário. E aquelas que sofrem com a recessão e o ambiente hostil disfarçado de comedimento das lideranças sindicais não se enquadram nos pressupostos do PPE porque são devedoras do Fisco, da Previdência Social e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviços, condicionantes à habilitação. Ou seja: o PPE é um jogo de cartas marcadas, seguindo receituário elitista de preservação dos interesses dos amigos.
Licença poética
O Centro de Tecnologia da Toyota em São Bernardo, onde a empresa só fabrica peças para as unidades da multinacional instaladas bem longe da região, é uma licença poética em meio à carnificina econômico-empresarial da qual a Província do Grande ABC não se livra entre outras razões porque o sindicalismo não lhe dá trégua e joga para a plateia da exibicionista constelação de montadoras.
Esse é um teatro de operação que transforma expectadores e, principalmente, figurantes das pequenas indústrias, em peças descartáveis num processo de miniaturização de representação que demorou mas começa a dar sinais de exaustão diante da falta de peças nas linhas de montagem.
A destruição dos pequenos negócios metalúrgicos da região não está na pauta sindical. Os sindicalistas preferem mesmo passear de braços dados com representantes das grandes corporações. É um jogo de faz de conta do qual nem todos tem mais paciência para esticar o cronograma, porque o Estado em situação falimentar não suporta mais sobrecargas. O caso mais evidente de que já não é possível esticar a corda indefinidamente é o da Mercedes-Benz de São Bernardo, que se utilizou de todos os mecanismos protelatórios de demissões e já não encontra mais saída conciliatória.
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