Resinas para tintas feitas de proteína do leite, filtros de óleo que dão mais durabilidade a motores, sistemas de telefonia para surdos, portais de comércio em telecomunicações, softwares que barateiam exames de ultra-sonografia e agilizam a gestão de multinacionais e universidades -- estas são as novidades da nascente indústria de base tecnológica das incubadoras de empresas do Grande ABC que começam a entrar no mercado. Produtos e soluções desenvolvidas em pequenas salas de dois galpões em Santo André e São Bernardo provam que é possível passar da produção científica ao conhecimento que efetivamente gera emprego e renda em uma região carente de inovações e desenvolvimento econômico.
A Iesbec (Incubadora de Empresas de São Bernardo) e a Innova (Incubadora Tecnológica de Santo André) não são a panacéia para todos os males da região, mas apontam rumos. Um é o de que ciência tem de caminhar ao lado do desenvolvimento, transformando boas idéias em negócios promissores. O que surge nesses dois berços empresariais mostra que saber acadêmico pode ser compatível com prática de negócios. As incubadoras apontam também para a necessidade de investimento nos projetos nascentes e evidenciam a urgência de as universidades do Grande ABC apoiarem novos empreendimentos.
"Existe dinheiro. O que falta é projeto. Não importa saber se a idéia vai ser rentável. Tem que ir à Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) ou à Finep (Financiadora de Estudos e Projetos)" -- afirma Alexandre Vancin, gerente da Iesbec, que em outubro de 2003 organizou o 1º Fórum de Inovação Tecnológica de São Bernardo para discutir como viabilizar a junção de ciência e empreendimentos com a ajuda de financiamentos.
Mas produção acadêmica nem sempre anda de mãos dadas com o mercado. Se de 1981 a 2001 a produção brasileira de artigos científicos em revistas especializadas mais que triplicou, a viabilização prática da tecnologia ainda fica muito a desejar. Um exemplo é o número de novas patentes nacionais em 2000, que foi de apenas 98, enquanto a Coréia do Sul teve 3.314 patentes depositadas. Não por acaso o Brasil aumentou o gasto com importação de tecnologia de US$ 209 milhões em 1990 para US$ 2,2 bilhões em 2000 na tentativa de modernizar a economia.
Negócios já surgem
Projetos começam a surgir, entretanto, e alguns já se transformaram em negócios. Os engenheiros Alcides Pietro e George Paulus Pereira Dias criaram a Proage no final de 2002, empresa incubada na Iesbec de São Bernardo que se dedica a desenvolver softwares de gerenciamento de projetos. O primeiro foi o GP3, sistema simples e de baixo custo que opera inteiramente na Internet. O programa pode ser usado para uma grande empresa integrar equipes que elaboram projetos internos em diferentes filiais, mas também pode ser útil a um pequeno escritório de arquitetura apresentar propostas para clientes distantes, sempre pela rede mundial de computadores. A Proage cobra mensalmente de R$ 20 a R$ 40 por usuário, muito menos do que o custo de uma assinatura de provedor.
Alcides e George já conseguiram vender o software para gigantes como Santista Têxtil, que opera unidades espalhadas pelo Brasil, Argentina e Chile. Atualmente negociam para que 200 pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) também utilizem o GP3, que tem cerca de mil usuários distribuídos por 15 clientes. A Proage tem sete funcionários, incluídos os dois sócios, e planeja desenvolver o novo sistema para o inglês e espanhol de olho em negócios com empresas no Exterior.
História semelhante tem o analista de sistemas Marcelo Duarte, diretor da 2M Tecnologia de Informações, incubada há um ano na Innova de Santo André. A idéia inicial era produzir e comercializar um sistema informatizado de gestão de clínicas, laboratórios e centros de diagnósticos, temporariamente deixada de lado pelas dificuldades financeiras nas operadoras de seguro-saúde. Em oito meses, Marcelo redirecionou os esforços da empresa e conseguiu criar outro software, o Expert Image, que dispensa filme e papel fotográfico e imprime a imagem dos exames de ultra-sonografia e tomografia em papel sulfite normal. Só em material, a economia é de 70%.
Pagamento parcelado
Dependendo do volume de serviço, o sistema é pago em seis meses. O Expert Image já foi vendido para um dos mais importantes laboratórios de análises clinicas, o Elkis e Furlanetto. "A área de saúde, que representa 6% do PIB brasileiro, é muito grande. Em todos os segmentos, é a que tem maior potencial para crescer" -- faz figa Marcelo Duarte, de olho em um mercado que reúne 33 mil clínicas e 12 mil laboratórios no País.
Também na Innova e bastante ativa está a BolsaTelecom, portal de comércio eletrônico para o setor de telecomunicações criado pelo engenheiro eletrônico Paulo Sérgio Srabotnjak, o administrador de empresas Paulo Roberto Marinho e a advogada Maria Emília Ridolfi Melchiori. A empresa, que além dos sócios conta com mais três funcionários, faz a ligação entre 80 fabricantes e fornecedores com 500 empreiteiras espalhadas pelo País e comercializa cerca de 1,8 mil itens tão diferentes como cabos óticos, postes e tampas de ferro fundido. "É um conceito de bolsa de mercadorias, onde os fabricantes colocam produtos à disposição de interessados e onde há um regime de competição" -- explica Paulo Sérgio, que colocou a empresa em atividade no início de 2003. O sistema BolsaTelecom está sendo ampliado para comercializar produtos dos segmentos de TV a cabo, redes elétricas e de cabeamento estruturado.
Nova geração
Enquanto empresas como a BolsaTelecom, 2M e Proage já debutaram no mercado, a segunda geração de negócios tecnológicos se prepara para vender inovações, uma das quais pode revolucionar o mercado de filtros de óleo para motor a diesel. Tudo começou na Argentina na década de 80, quando o químico industrial Alberto José Schmieliauskas percebeu que motores a diesel eram danificados pela má qualidade do combustível e da ineficiência dos filtros. O principal problema era a água que se misturava ao óleo e que os filtros de resíduos sólidos não eliminavam.
Durante anos, Alberto pesquisou um novo método de filtragem por meio de ionização, com uso de correntes elétricas para separar a água do óleo. O químico argentino se associou em 2003 ao engenheiro mecânico Domingos Zampieri para criar a Pentagrama, empresa abrigada na Iesbec e que já conseguiu financiamento a fundo perdido da Fapesp no valor de R$ 31 mil para desenvolver o protótipo. "O filtro aumenta a durabilidade dos motores de caminhões, tratores e caminhonetes entre 250% e 300%, amplia a potência, além de reduzir a poluição na queima do diesel" -- garante Alberto. O novo filtro deverá estar pronto em um ano para ser comercializado, após a finalização de testes nos laboratórios da UniFEI (Faculdade de Engenharia Industrial), que mantém parceria com a Iesbec.
Outro produto com perfil ambiental é o ligante termoplástico protéico aperfeiçoado pela química industrial Priscila Pierina Paglioriti, sócia da Menver, empresa abrigada na Iesbec. Trata-se de uma resina usada na dispersão de pigmentos de tintas, vernizes e colas que, ao contrário de outros ligantes de base tóxica, é produzida à base de proteínas do leite. Ao trabalhar em uma das duas multinacionais que produziam a resina no Brasil, ainda como estagiária, Priscila passou a aperfeiçoar a fórmula. "Descobri que era um excelente dispersante de pigmento e que dava boa aderência à superfícies de alumínio" -- comenta a química, que também pesquisa utilização de proteína semelhante extraída da soja ou do milho, que poderia ser produzida a menor custo no Brasil.
Preservando a saúde
A resina orgânica permite boa aderência de tintas a sacos de papel alumínio, além de garantir a fixação dos rótulos de cervejas e refrigerantes em garrafas. Também pode ser usada como cola em móveis ecologicamente corretos. De quebra, há ainda a vantagem de o produto não ser poluente e preservar a saúde de quem trabalha na área química. Priscila Paglioriti viveu o drama de uma contaminação que a fez deixar a multinacional e a motivou a se empenhar no aperfeiçoamento da resina já na nova empresa, na qual investiu R$ 50 mil, custo que seria bem maior caso a empresária não pudesse utilizar os laboratórios da UniFei (Fundação Educacional Inaciana). Alexandre Vancin, gerente da Iesbec, que ajuda na montagem da equipe de vendas, estima que a Menver tenha capacidade de produzir 60 toneladas de resina ao mês, ao custo de R$ 5 o quilo.
Também está em fase de montagem a equipe de vendas da 3S Soluções, abrigada na Innova, que pretende vender em 2004 duas mil unidades do Sics (Sistema Integrado de Comunicação para Surdos), que permite ao deficiente auditivo usar o telefone. Por meio de um hardware especial desenvolvido pelo matemático Rodrigo Marques dos Santos e o sócio Thiago Lavoratto, formado em ciências da computação, o surdo-mudo pode digitar uma mensagem, recebida em uma central já existente na Telefônica.
O chamado é transformado em áudio pelo operador da central e transmitida a qualquer telefone, seja de um ouvinte normal, serviços públicos ou mesmo uma entrega de pizza. A resposta é enviada à central, transformada em texto e retransmitida para o deficiente. Existem no Brasil apenas 50 equipamentos similares importados, instalados em alguns terminais públicos e que custam três vezes mais do que o Sics, que será comercializado entre R$ 300 e R$ 400.
"Essas pessoas estão desligadas do mundo e não podem se comunicar nem mesmo por telefone. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) calcula esse público em 5,7 milhões" -- ressalta Rodrigo, que pretende montar a equipe de vendas exclusivamente com surdos-mudos. Para o empresário, ninguém melhor do que o próprio deficiente para localizar o cliente e argumentar sobre o produto.
Investimentos
"A incubadora está sendo vista como agente de desenvolvimento regional e já saiu da etapa de apenas transformar idéias em produtos" -- afirma Alexandre Vancin, gerente da Iesbec, que já fez os cálculos e garante que a taxa de retorno sobre o investimento nas empresas incubadas é de 3,7% ao mês, com prazo de retorno médio de 18 meses. Na Iesbec, além da Pentagrama, que já conseguiu financiamento, outras quatro empresas apresentaram projetos para a Fapesp. Na Innova, 19 projetos foram inscritos em linhas de crédito da Fapesp, Finep e CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
As nascentes empresas de base tecnológica também podem recorrer ao capital de risco, mas precisam de pleno funcionamento e boa rentabilidade pois o investimento mínimo nunca é inferior a R$ 400 mil. "Buscamos alto retorno de empresas que tenham grande velocidade de crescimento" -- sinaliza Clóvis Meurer, da ABCR (Associação Brasileira de Capital de Risco), que participou do 1º Fórum de Inovação Tecnológica de São Bernardo em outubro último. Dados da ABCR indicam que a preferência do capital de risco são setores tradicionais como transportes, indústria e geração de energia elétrica. Áreas novatas como biotecnologia e softwares atraem apenas 10% dos investimentos.
A Iesbec e Innova são iniciativas das prefeituras de São Bernardo e Santo André em aliança com o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), Sindicato da Indústria Moveleira do ABC e Agência de Desenvolvimento do Grande ABC. Em Mauá há outra incubadora que não é de base tecnológica, produto de parceria da Prefeitura com Agência de Desenvolvimento.
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