Quase dois anos após assumir a presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva está vencendo de goleada os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso no jogo de compromisso regional. Depois de viabilizar o acordo comercial que ampliará a capacidade de produção da Petroquímica União, o governo Lula está decidido a fortalecer o setor automotivo: se o plano de incentivos tributários e creditícios em discussão virar realidade, nenhuma região brasileira será mais beneficiada que o Grande ABC, dona de um quarto da produção nacional de veículos em 2003. O setor automotivo é a principal atividade econômica do Grande ABC e sofreu duros reveses durante o governo FHC.
Outra prova da disposição do governo Lula da Silva para desengavetar antigas reivindicações regionais mobilizou o MEC (Ministério da Educação) para trazer o centro administrativo e financeiro da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Mais importante que o acolhimento da estrutura burocrática e diretiva é a perspectiva de multiplicar oportunidades no Ensino Superior — foco da UFABC (Universidade Federal do Grande ABC) mantido na formatação do projeto da Unifesp. A expectativa é criar 20 mil vagas de graduação em centros de pesquisas de Tecnologia (Engenharias), Ciências Sociais e Educação.
O plano de incentivos ao setor automotivo que o governo pretende colocar em marcha no ano que vem representa espécie de ponte-de-safena para o colapso automotivo da Era FHC. A intenção do projeto elaborado com base em reivindicações da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) é reduzir preços e alongar prazos de financiamento para proporcionar alargamento do mercado interno. O Brasil tem 180 milhões de habitantes, mas as vendas domésticas estão restritas a 1,5 milhão de unidades por ano.
Nova câmara setorial
A expectativa é tamanha que o plano já está sendo interpretado como segunda câmara setorial, alusão ao pacto celebrado entre governo, trabalhadores e empresas no início dos anos 90 que possibilitou expansão sem precedentes da produção e das vendas ao longo da década.
O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Luiz Fernando Furlan, considera que a pretendida desoneração e a facilitação do crédito podem atrair 500 mil novos usuários de automóveis zero quilômetro por ano no Brasil. O volume representa pouco menos que as 600 mil unidades que devem ser exportadas este ano, de um total recordista de 2,1 milhões de unidades. “É ilusão acreditar que as exportações podem salvar a indústria automobilística. O País precisa de mercado interno forte para garantir estabilidade à produção e atrair novos investimentos” — observa Rogélio Golfarb, presidente da Anfavea.
O recorde histórico amparado nas exportações está longe de tranquilizar a indústria porque a capacidade de 3,2 milhões de veículos convive com ociosidade de 35%.
O vácuo que o governo Lula pretende preencher com plano emergencial é resultado da desastrosa política do governo anterior. Cortejadas pelo Regime Automotivo, as montadoras investiram US$ 16,6 bilhões entre 1994 e 2002. Das 48 unidades industriais que compõem o parque nacional, 22 foram inauguradas no período 1996-2002. Como o milagre da multiplicação dos usuários não se realizou, sobrou estrutura fabril comprometedora para o balanço financeiro.
Regime reprovado
O regime automotivo patrocinado pelo governo FHC conseguiu desagradar tanto o pelotão do capitalismo internacional quanto o grupo dos nacionalistas brasileiros. O festival de isenções fiscais federais, estaduais e municipais oferecido em troca da instalação de novas fábricas foi duramente atacado por estudiosos como Glauco Arbix, então professor da USP (Universidade de São Paulo) que se tornou presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Particularmente para o Grande ABC o regime automotivo representou um desastre. Em pouco tempo, novas montadoras invadiram o País em condições mais favoráveis e, para não perder a oportunidade, as mais antigas seguiram o mesmo caminho. O resultado foi a descentralização induzida com a instalação de fábricas da Ford na baiana Camaçari, da Volks na paranaense São José dos Pinhais e da General Motors na gaúcha Gravataí, além das chamadas newcomers como o Grupo PSA — Peugeot/Citroen no Rio de Janeiro e a Renault no Paraná.
Berço da indústria automobilística, a região sofreu esvaziamento simultâneo a invasão de novos competidores que passaram a brigar por mercado relativamente menor.
Do ponto de vista da política industrial a pulverização geográfica bate de frente com o conceito dos clusters consagrado pelo norte-americano Michael Porter. Em vez de concentrar fabricantes do mesmo setor em território delimitado para promover redução de custos e geração de inovações setoriais potencializadas pela proximidade física, FHC trilhou a senda da dispersão alimentadora de ineficiências.
Descentralização canibalizadora
O repertório de barbeiragens macroeconômicas que alijaram o Grande ABC não se esgota com a descentralização canibalizadora. Sob pretexto de combater a inflação, o governo FHC promoveu queda abrupta da taxa de importação de autopeças num contexto marcado por paridade artificial do Real em relação ao dólar. “A tarifa caiu de 70% para 2%” — lembra Paulo Butori, presidente do Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores). Conclusão: centenas de metalúrgicas tradicionais e familiares foram dizimadas no Grande ABC.
Ao lado da intervenção na Petrobras que garante fornecimento de matéria-prima adicional para a expansão do Pólo de Capuava, a decisão de trazer o centro administrativo, financeiro e de pesquisas da Unifesp representa o segundo gol de placa do governo Lula no Grande ABC em 2004. A região continua longe de um Plano Marshall — expressão alusiva à ajuda financeira concedida pelos Estados Unidos à Europa Ocidental após a Segunda Guerra Mundial — para restabelecer o tecido socioeconômico dos rombos provocados pela perda de 39% do Valor Adicionado nos oito anos do governo FHC. Mas pelo menos deixou de ser vista como mera contribuinte de impostos pelo Planalto Central e recuperou 5,67% do Valor Adicionado no primeiro ano do governo Lula.
A Unifesp foi a solução encontrada para contornar as dificuldades de implementação da UFABC (Universidade Federal do Grande ABC), anseio histórico olimpicamente negligenciado por FHC. O projeto de lei da UFABC emperrou na bancada baiana do PFL (Partido da Frente Liberal). Para remover o obstáculo político, o governo Lula tirou da manga a transferência para a região da reitoria e do conselho administrativo da Unifesp, medida que independe de aprovação do Congresso Nacional.
Na prática, a instituição cumprirá o mesmo papel reservado à idealizada UFABC, já que deve contemplar, em cinco anos, 20 mil vagas em cursos de Tecnologia (Engenharias), Educação e Estudos Sociais.
Tratativas com Consórcio
A comissão instituída pelo MEC está em tratativas com o Consórcio Intermunicipal e pretende definir as diretrizes básicas do projeto até o final deste ano: o espaço físico onde os cursos serão ministrados provisoriamente até a construção do campus, o cronograma de criação dos centros de pesquisa e a data do primeiro vestibular. Se depender do professor Manuel Palácios, diretor de Desenvolvimento do Ensino Superior do MEC, a Unifesp regional deve tomar corpo no primeiro trimestre de 2005 com vestibular e abertura de concurso público para contratação de professores e funcionários.
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