Coincidentemente após a newsletter CapitalSocial Online, da Editora Livre Mercado, ter chamado a atenção para o risco de agravamento da evasão industrial do Grande ABC por causa do prolongamento viário da Jacu-Pêssego, agentes públicos da região integram-se numa espécie de arranjo institucional para tratar do assunto. A Agência de Desenvolvimento Econômico e as prefeituras de São Paulo e Guarulhos alinhavam cláusulas de acordo para atrair empresas às margens do complexo viário, que somado ao trecho sul do Rodoanel completa a sonhada ligação entre o Porto de Santos e o Aeroporto de Cumbica.
A união sugere o nobre propósito de evitar a concorrência predatória, que poderia ser traduzida em eventual transferência de empresas do Grande ABC para a zona leste caso a Prefeitura de São Paulo decidisse implementar sozinha o plano de povoamento industrial dessa populosa área da Capital paulista.
Promessa de campanha de Marta Suplicy, o Plano de Desenvolvimento Econômico da Zona Leste inspirou análise do CapitalSocial Online em 14 de novembro de 2003 sob ângulo até então distante da percepção regional. Diante da lógica de que ruas, avenidas e rodovias são quase sempre indutoras de desenvolvimento, a newsletter observou que a criação de condições favoráveis à atração de empresas na cidade vizinha pudesse transformar-se em mais uma rota de fuga às empresas do Grande ABC que buscam custos mais competitivos.
Combate à desindustrialização?
A extensão da Jacu-Pêssego até Mauá sempre foi festejada pelas autoridades públicas como importante conquista logística capaz de melhorar o quadro crônico de desindustrialização que acomete a região.
"Não tem sentido entrar num ciclo de disputas e crescer em detrimento do Grande ABC ou de Guarulhos" -- enfatiza o coordenador da equipe técnica da Prefeitura de São Paulo e responsável pelo projeto da zona leste, Branislav Kontic.
O tom politicamente correto da declaração embute recente histórico de entendimento. As primeiras conversas sobre a importância exclusivamente viária da Jacu-Pêssego ocorreram no início de 2003, quando a Prefeitura de São Paulo retomou as discussões sobre as obras. Mas a possibilidade de canibalização industrial do Grande ABC em favor da zona leste foi colocada na pauta só recentemente, depois do alerta de CapitalSocial Online. "O Grande ABC sempre esteve na dianteira das discussões sobre a Jacu-Pêssego" -- jura o secretário executivo da Agência de Desenvolvimento Econômico, Paulo Eugênio Pereira Júnior, omitindo a informação de que a disputa econômica jamais mereceu na região qualquer avaliação formal até que a newsletter abordasse o tema.
As prefeituras de São Paulo, Guarulhos e Grande ABC, prevalecentemente dirigidas pelo PT, estimam acertar as arestas do projeto até o final de janeiro, quando também aguardam agenda com o governo federal para apresentar as propostas. Em síntese, cada participante precisa definir as áreas alvo do projeto e que tipo de atividade industrial pretende atrair.
Setores definidos
São Paulo já tem estudo pronto que aponta para os setores têxtil e de bens de capital, o Grande ABC deve valer-se de ações já em curso como a ampliação do Pólo Petroquímico de Capuava e Guarulhos pretende dar destinação produtiva ao entorno do aeroporto internacional. "As coisas não podem demorar muito para acontecer. É preciso definir as ações, estabelecer prazos e cumprir as metas para em cinco anos, no máximo, apresentar resultados positivos" -- preocupa-se Branislav Kontic.
Como esse prazo abrange inclusive o próximo período eleitoral, mais uma vez a habilidade e principalmente a agilidade na articulação política vão ser determinantes. Por ora, o cenário é favorável. O fato de São Paulo, Guarulhos, a maior parte do Grande ABC e governo federal estarem abrigados sob a mesma sigla partidária petista, teoricamente, facilita as negociações. O orçamento da União de 2004 já reservou R$ 200 milhões para aplicar na execução de parte da Jacu-Pêssego, embora o governo estadual ainda não tenha sinalizado com recursos. O Palácio dos Bandeirantes, no entanto, já manifestou que o trecho é estratégico para o desenvolvimento da Região Metropolitana.
A preocupação de consolidar o projeto no curto prazo é compreensível diante da volatilidade das urnas e de um histórico de descontinuidade administrativa que condena anos de trabalho ao arquivo morto dos gabinetes oficiais. O primeiro passo é garantir que as verbas já destinadas à obra cheguem ao destino, porque se a estrada não for prolongada o plano de ocupação empresarial da zona leste cai por terra. O orçamento completo do complexo viário Jacu-Pêssego chega a R$ 356 milhões, dinheiro que não sairá dos enfraquecidos cofres municipais.
Por enquanto, a Prefeitura de São Paulo investe R$ 40 milhões -- R$ 30 milhões de recursos próprios e R$ 10 milhões do governo federal -- na execução de 1,8 quilômetro do prolongamento norte da Jacu-Pêssego já existente com a Rodovia Ayrton Senna. O trecho total está orçado em R$ 106 milhões. Já os 8,6 quilômetros entre a divisa de Mauá e a saída sul do Rodoanel estão estimados em R$ 70 milhões. Mauá já avisou que não dispõe de recursos para a obra.
Zona Leste industrial
Enquanto aguarda a chegada de recursos financeiros federais, a Prefeitura de São Paulo engatilha o Plano de Desenvolvimento da Zona Leste. Estudo realizado pela consultoria americana A. T. Kearney em conjunto com técnicos da municipalidade detectou que o entorno paulistano da Jacu-Pêssego deve ser ocupado por um pólo têxtil e outro de empresas de bens de capital. Essa região de São Paulo tem sete milhões de metros quadrados disponíveis para abrigar empresas, principalmente nos bairros de Itaquera, São Miguel Paulista e São Mateus.
Uma das principais justificativas da consultoria e dos técnicos da Prefeitura para apontar os dois setores leva em conta as taxas internacionais de crescimento entre 7% e 8% e a possibilidade real de desbravar novos mercados com essas atividades. "É importante apostar em cadeias que não estejam saturadas" -- reforça Branislav Kontic.
Mas há também fatores localizados. A zona leste de São Paulo tem 450 mil desempregados, número que deixa a taxa de desemprego local quase cinco pontos percentuais acima da média de 20% registrada na Grande São Paulo.
Esse batalhão de mão-de-obra disponível funciona como espécie de atrativo natural porque deixa implícita a possibilidade de reduzir custos de contratação, diante da abundante oferta numa área de pobreza endêmica. No Grande ABC a situação de desemprego também é crítica, com 22,2% de desocupados, mas a região ainda embute na mão-de-obra os resquícios dos tempos de prosperidade.
Cadeias complementares
A linha de condução do Plano de Desenvolvimento Econômico da Zona Leste sugere ainda outra importante reflexão para o Grande ABC e até para Guarulhos. O povoamento econômico integrado só surtirá efeito se as prefeituras não apostarem nas mesmas cadeias produtivas. Caso todos decidam atrair empresas do segmento têxtil e de bens de capital, inevitavelmente cria-se uma disputa interna que enterra o propósito do projeto de evitar a concorrência predatória.
Não por acaso, uma das preocupações do estudo contratado pela Prefeitura de São Paulo foi procurar estabelecer sinergia entre as microrregiões da metrópole. Apesar de todo o projeto estar sustentado na melhoria do sistema viário, a consultoria não indicou empresas de logística. Isso porque o setor já está estabelecido em Guarulhos e também no lado oeste da cidade, junto ao trecho inaugurado do Rodoanel e ao sistema Anhanguera-Bandeirantes.
Entretanto, o estudo evidencia a possibilidade de isolamento econômico ao sublinhar que as cadeias produtivas mais interessantes para a zona leste podem estar ou não integradas ao restante do eixo metropolitano, especialmente Grande ABC e Guarulhos. Ou seja: até o alerta de CapitalSocial Online, não existia qualquer garantia de interlocução entre os governos municipais tendo-se como foco as questões produtivas sob o ângulo econômico.
Ideias antigas
Ainda altamente dependente da indústria automotiva, o Grande ABC se integraria ao projeto de ocupação industrial do entorno da Jacu-Pêssego sem ter plano específico como o da Prefeitura de São Paulo, porque jamais se preparou para isso e sempre enxergou o traçado sob o ponto de vista exclusivamente logístico. A região ainda não estabeleceu atividade alternativa para o entorno do complexo viário e pretende turbinar idéias antigas.
O secretário executivo da Agência de Desenvolvimento Econômico, Paulo Eugênio Pereira Júnior, acredita que a iminente ampliação do Pólo Petroquímico de Capuava encaixa-se na proposta. Há 1,5 milhão de quilômetros quadrados disponíveis para instalação industrial no território das petroquímicas à espera de interessados, prevalecentemente da cadeia produtiva do plástico.
Em maio de 2003, LivreMercado revelou com exclusividade estudo da consultoria gaúcha MaxiQuim que aponta o plástico como um dos futuros da região. O diagnóstico, porém, não estimulou ações efetivas até agora porque tanto a Agência quanto o Consórcio de Prefeitos, as duas instâncias regionais do Grande ABC, não conseguem desvencilhar-se de projetos pontuais.
Também o Pólo Industrial do Sertãozinho, em Mauá, é apontado agora por Paulo Eugênio Pereira como outra área com perfil ideal para integrar o projeto de sinergia estratégica decorrente da extensão da Jacu-Pêssego. São cinco milhões de metros quadrados de terrenos industriais ainda disponíveis, depois de atraírem mais de 70 empresas nos últimos sete anos. Só que Sertãozinho não assumiu características de um arranjo produtivo local porque a maioria das indústrias de diferentes atividades migrou de outras cidades do Grande ABC interessadas na farta oferta de terrenos baratos para expansão física.
Falta planejamento
A área jamais foi planejada estrategicamente para um determinado setor, especialmente o de plásticos tão potencialmente beneficiário das unidades químicas e petroquímicas da vizinha Capuava. O Pólo de Sertãozinho está a meio caminho do entorno em Mauá da Jacu-Pêssego e da ligação com o Rodoanel.
A estrada chega pelas proximidades da Refinaria da Petrobras e desemboca próxima ao piscinão de Capuava, ponto de intersecção do futuro prolongamento da Avenida dos Estados com a Avenida Papa João XXIII, que segue para a saída sul do Rodoanel.
Paulo Eugênio Pereira acredita que será possível conectar as ações de atração de empresas até o projetado Pólo Tecnológico de São Caetano, apesar de a cidade não estar exatamente no entorno da Jacu-Pêssego e de haver certo exagero no anúncio da Prefeitura dirigida por Luiz Tortorello. De fato, a tecnologia reservada para a área da antiga Cerâmica São Caetano não passaria de empresas prestadoras de serviços sem valor intensamente agregado. Isso significa que seriam empresas prestadoras de serviços e não indústrias de ponta.
Competitividade logística
Ao contrário do Grande ABC, negligente com o traçado, Guarulhos enxerga no projeto da Jacu-Pêssego um atrativo adicional de competitividade logística. A Prefeitura da cidade de 1,1 milhão de habitantes pretende criar espécie de anel de negócios na órbita do Aeroporto de Cumbica. A intenção é atrair investidores interessados em erguer um centro de feiras e convenções, além de incentivar a criação de distritos industriais alfandegários voltados para o comércio exterior. Nesse cenário, a extensão da Jacu-Pêssego funcionaria como a abertura que falta para ligar a cidade ao Porto de Santos.
Seja qual for a política de desenvolvimento econômico que as Prefeituras adotarem, o principal desafio de induzir o processo de ocupação industrial das margens da Jacu-Pêssego é trazer desenvolvimento ligado ao emprego. Grande ABC, zona leste e Guarulhos concentram 800 mil desempregados e não há qualquer garantia efetiva de que a chegada de novas empresas seja capaz de absorver essa mão-de-obra excedente.
Não à toa, a prefeita Marta Suplicy determinou que o Plano de Desenvolvimento da Zona Leste esteja atrelado à criação de postos de trabalho. "Não se convence rapidamente uma empresa a investir em São Paulo. Mas em cinco ou seis anos a zona leste será outro mundo" -- disse Marta Suplicy durante uma das apresentações do estudo realizado pela A.T. Kearney e que teve apoio financeiro de empresas privadas.
Reforçar trabalho
O Plano de Desenvolvimento da Zona Leste prevê uma modalidade diferente de Operação Urbana, na qual a contrapartida será justamente o impacto social da contratação formal de trabalhadores. Em vez de trocar a flexibilização da legislação por melhorias na infra-estrutura urbana, procedimento comum nesse tipo de acordo entre poder público e iniciativa privada, a Prefeitura de São Paulo vai oferecer benefícios para quem efetivamente empregar o morador da zona leste.
Como o zoneamento industrial de São Paulo é antigo e não contempla as necessidades atuais da atividade industrial, abrem-se inúmeras possibilidades de acordo. "Se o projeto for gerador de emprego, ganha a flexibilização da lei e o empreendedor fica isento de entrar com a contrapartida em dinheiro para alguma obra de infra-estrutura como aconteceria no trâmite convencional" -- explica o coordenador técnico Branislav Kontic.
O Plano de Desenvolvimento da Zona Leste mostra também a necessidade urgente de as prefeituras reverterem o quadro de perdas econômicas. Juntos, Grande ABC, São Paulo e Guarulhos abrigam mais de 16 milhões de habitantes, respondem por 71% do PIB metropolitano, 35% do estadual e 12% do brasileiro e assistem as demandas sociais multiplicarem-se em progressão exponencial. O gigantismo dos números, no entanto, não é mais suficiente para esconder o quadro de desindustrialização explicitado oficialmente pelo Valor Adicionado -- principal indicador de transformação de riqueza industrial. Dados do IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos) indicam que entre dezembro de 1995 e dezembro de 2002 o Grande ABC perdeu 39% de VA, Guarulhos declinou 18,1% e a Capital paulista em 5,3% em valores reais, ou seja, deflacionados pelo IGP-M.
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