Esqueça a “Teoria da Dependência”, segundo a qual países pobres seriam resultados de um sistema de dominação e exploração imposto por nações ricas com o firme propósito de que não se desenvolvam. Especialmente no último quarto de século, os chamados países em desenvolvimento – ou emergentes -- despontam como grandes beneficiários de um processo de globalização que, muito além de favorecer o fluxo de produtos, provocou a maior onda de disseminação de conhecimento técnico e tecnológico de que se tem notícia.
Essa é a principal consideração do livro The Great Converge – Information Technology and The New Globalisation (A Grande Convergência – Tecnologia de Informação e a Nova Globalização), escrito por Richard Baldwin, professor de Economia Internacional do Graduate Institute of Geneva, Suiça, além de professor visitante e pesquisador da Oxford University, Inglaterra.
O livro foi lançado em novembro de 2016 pela Harvard University Press. Concomitantemente, portanto, à eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. O discurso protecionista foi uma das principais bandeiras do então candidato republicado, com base na percepção de que a nação mais poderosa do mundo está levando a pior na interação comercial com países menos desenvolvidos.
Esse contexto está diretamente associado à obra de Baldwin e serviu para voltar os holofotes sobre o livro cujas lições são muito mais que conjunturais, na medida em que inserem fenômenos recentes em perspectiva histórica.
Radiografia inesperada
O ponto de partida de The Great Convergence é uma inesperada radiografia geoeconômica que subverte o padrão da Teoria da Dependência. Baldwin mostra que a participação do chamado G7 no PIB mundial foi reduzida de forma substancial entre 1990 e 2010, o dado mais recente disponível.
Neste período de 20 anos, o grupo dos países mais ricos do mundo formado por Estados Unidos, Alemanha, Canadá, França, Itália, Japão e Reino Unido viu o próprio naco de riquezas produzidas no planeta cair de 65% para 47%. Redução de 18 pontos percentuais.
Ao mesmo tempo, um grupo de países emergentes formado por China, Coréia, Índia, Indonésia, Turquia, Tailândia e Polônia apresentou crescimento considerável à bordo da industrialização. A China liderou o pelotão saindo de 3% em 1990 para 19% em 2010. Os outros seis países praticamente dobraram a participação conjunta, passando de 5% para 9% do PIB global.
Nova Globalização
O pano de fundo da transferência de riqueza dos países ricos para os emergentes é o que Baldwin chama de Nova Globalização. Ele explica que a Nova Globalização é marcada pelo advento das Tecnologias de Informação e Comunicação -- Information and Communications Technology (ICT), no idioma original. Tal revolução teve origem na última década do século passado e continua revolucionando o desenvolvimento do intelecto.
Basicamente, Baldwin sustenta que, ao baratear radicalmente a transmissão de dados e informações além das fronteiras nacionais, a Internet e seus subprodutos tecnológicos deram um grande empurrão para que corporações empresariais radicadas nos países ricos pudessem acelerar o ritmo de instalação ou ampliação de atividades fabris em países em desenvolvimento. Países emergentes nos quais aportaram num primeiro momento motivadas por custos salariais mais baixos.
“A revolução das tecnologias de informação e comunicação permitiu que empresas do G7 pudessem coordenar atividades complexas à distância, o que potencializou a transferência de conhecimento agregado para as subsidiárias onde essas atividades complexas são realizadas. Os trabalhadores do G7 deixaram de ter o monopólio do conhecimento da alta tecnologia. Países emergentes e sua força de trabalho pegaram carona em know-how que nunca desenvolveram” – explicou Richard Baldwin, durante lançamento do livro na sede do Peterson Institute of International Economics, localizada em Washington.
Perda de participação
Em abordagem histórica, Baldwin mostra que no período entre 1820 e 1970, a participação do G7 no PIB mundial saltou de 20% para quase 70%. Essa tendência de distanciamento dos países mais ricos em relação ao resto do mundo – tratada por historiados pelo termo “divergência” -- sofreu inflexão justamente devido às transformações carreadas pela revolução tecnológica na Nova Globalização.
“A curva começou a se inverter nos 40 anos entre 1970 e 2010, mas de uma forma mais acentuada na segunda metade deste período, a partir de 1990 por conta da revolução nas comunicações” – enfatiza Baldwin, que adiciona mais um dado estatístico à análise: a relativa desindustrialização dos países ricos em contraste ao rápido crescimento industrial dos emergentes fez com que a participação do primeiro grupo no PIB mundial voltasse ao que era em torno do ano 1900.
A esta altura, é possível notar que o título “A Grande Convergência" diz respeito à trajetória mais recente de aproximação entre polos sempre vistos como antagônicos. Diante de uma plateia de executivos, empresários e acadêmicos na capital dos Estados Unidos, Baldwin confessou que sua escolha original para o título seria “Misthinking Globalization”, algo como “Interpretando a globalização de forma errônea”, numa tradução livre. O nome escolhido pela Harvard University Press mostrou-se mais direto e contextualizado à terminologia já utilizada por especialistas.
A escolha de 1820 como ponto de partida para comparação também não se deu por acaso. Aquele ano marca o que Baldwin chama de Globalização Moderna, com a invenção da máquina a vapor e o desenvolvimento de meios que culminaram no barateamento do transporte de mercadorias.
“São duas fases distintas da globalização. A anterior era baseada no trade de produtos, componentes e matérias-primas. A mais recente adicionou o fluxo de conhecimento e know-how com o advento das tecnologias de informação. Meu esforço neste livro é convidar as pessoas a enxergar a globalização mais como um fenômeno de fluxo de ideias do que de produtos materiais” – destaca Baldwin.
Progresso e frustração
Neste contexto de globalização sem reservas, a combinação de salários mais baixos e uma força de trabalho mais engajada e autônoma representa em muitos casos a nova nota de corte da competitividade mundial, a qual indústrias de variados setores obrigam-se a se submeter.
Nos países emergentes, os resultados deste imperativo da internacionalização são dignos de comemoração. “Centenas de milhões de pessoas saíram da pobreza e ascenderam à classe média graças à rápida industrialização. Pessoas da minha idade são duas ou três vezes mais ricas do que seus pais, e até dez vezes mais ricas que seus avós” – observou Baldwin, citando a urbanização como outro efeito flagrante das mudanças.
Para as nações mais ricas, entretanto, a Nova Globalização é disruptiva, nas palavras de Baldwin. O termo que passou a ser muito utilizado do âmbito dos negócios e da economia embute sentidos tais como desagregadora, desestabilizadora, desorganizadora, e por aí afora. Quem acompanha o noticiário sabe o motivo. Trabalhadores desempregados no primeiro mundo ampliam camada indesejada de exclusão social que durante a maior parte do século passado costumava ser associada ao terceiro mundo. O aumento dos deserdados da Nova Globalização nos países ricos leva à frustração do orçamento público com demandas de intervenção social.
Esse clima de frustração foi o que levou a região norte-americana conhecida como Rust Belt (Cinturão da Ferrugem) a contribuir decisivamente para a vitória de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. O discurso nacionalista embalado pela promessa de recuperar a pujança industrial caiu como luva aos anseios de uma população assombrada pelo cenário estarrecedor de uma infinidade de fábricas fechadas, com rastro desolador de desemprego e pobreza a fragilizar porções dos estados de Nova Iorque, Pensilvânia, Ohio, Michigan, indiana, Virginia, Wisconsin e Illinois.
Livre de tarifas
À luz da Nova Globalização de Richard Baldwin, torna-se ainda menos provável que Trump seja bem sucedido em entregar o que prometeu. Políticas protecionistas baseadas em aumento de tarifas já seriam questionáveis à lógica econômica, pelo simples fato de que nenhum cidadão norte-americano ou de qualquer nacionalidade estaria disposto a pagar mais caro por um produto sob a justificativa de que foi produzido por um compatriota. Ainda mais num cenário em que a exportação de know-how – invisível e incalculável por métricas tradicionais aplicadas a elementos físicos -- tornou-se inerente à interação de matrizes e subsidiárias no século XXI.
”A quebra do monopólio que os trabalhadores do G7 tinham em relação à alta tecnologia é um fato que não pode ser desfeito ou evitado por meio de tarifas” – destaca Baldwin.
Ou, colocado de outra maneira: a Internet, que contribui de forma decisiva para a implosão de regimes autoritários, para a diversificação das fontes de informação descomprometidas com o status quo e para a transparência de políticos que se acostumaram a atuar na penumbra, é a mesma que impõe dificuldades ao plano de Donald Trump de transformar os Estados Unidos em uma ilha de custos mais elevados para a manufatura.
Ao se considerar o conhecimento como espécie de “produto dos produtos”, é provável que a globalização tenha atingido seu patamar mais avançado – e indomável -- a menos que a ficção científica salte à realidade com equipamentos de teletransporte, daqueles capazes de transferir fisicamente um viajante da América do Sul à Ásia num simples piscar de olhos.
Se tal perspectiva é mais que improvável, muito menos inverossímil é o aprimoramento de recursos de telepresença que deverão demarcar o próximo estágio da Nova Globalização, na visão de Baldwin. A telepresença pode ser compreendida como a teleconferência levada à enésima potência com recursos virtuais, de modo a tornar encontros fictícios cada vez mais próximos da realidade.
“Após a remoção das limitações espaciais para circulação de produtos e da retirada dos empecilhos tecnológicos para o fluxo de ideias, o próximo passo deverá se dar na evolução da telepresença” – explica Baldwin.
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