O futuro do Grande ABC está em jogo. Os próximos quatro anos, que se iniciam em janeiro com novos administradores públicos, vão definir o resultado de uma disputa que pode significar a diferença entre o sucesso e o fracasso. Para isso, terá peso decisivo a educação, voltada estrategicamente para a profissionalização da mão-de-obra, tendo em vista uma indústria cada vez mais atualizada tecnologicamente e um setor terciário, comércio e serviços, também agregador de novas tecnologias.
Quem faz a projeção é a pesquisadora Maria do Carmo Romeiro, a partir de estratégico cargo de coordenadora do Inpes, braço de estudos do Instituto Municipal de Ensino Superior de São Caetano – IMES. Depois de analisar a fundo os últimos resultados da semestral Pesquisa Socioeconômica do ABC, desenvolvida em setembro último, correlacionando-os com a série histórica desde os primeiros resultados registrados em 1984, Maria do Carmo chegou à conclusão de que as fundas transformações pelas quais passou a ocupação da mão-de-obra residente em Santo André, São Bernardo e São Caetano estão a exigir providências não só do Poder Público mas também de lideranças sociais e econômicas.
Entre a primeira pesquisa socioeconômica sobre a ocupação da mão-de-obra residente nas três principais cidades da região, em 1984, e a mais recente, do segundo semestre deste ano, é contundente a mudança da cara do emprego. De participação relativa de 52,4%, o conglomerado industrial caiu para 30,6%. Isso representa queda relativa de 71%. Esses empregos deslocaram-se para o setor terciário.
O comércio saltou de 11,6% para 17,2%, enquanto os serviços empinaram de 36% para 52,2%. O terciário ocupa, pois, 69,4% da mão-de-obra pesquisada. Cautelosa, Maria do Carmo só não arrisca dizer que concorda com estudos de LivreMercado que registram esvaziamento econômico do Grande ABC. “Os indicadores de que dispomos não nos asseguram dizer sim ou não sobre a evasão industrial.
Os dados da Eletropaulo sinalizam para número maior de empresas, mas como não identificam o porte de cada uma e se sabe que a partir de 1990 acelerou-se o processo de terceirização, seria complicado garantir qualquer coisa. Os cadastros das Prefeituras também não estão atualizados para permitir maior incursão nesse tema” — afirma a professora do IMES.
Certo mesmo é que o perfil da mão-de-obra ocupada mudou nos três municípios mais tradicionais do Grande ABC. Maria do Carmo acredita que o forte vácuo existente na década passada no setor terciário e hoje bem menos distante do limite de ocupação minimizou os efeitos negativos da extinção de uma parcela do emprego industrial.
A pesquisadora interpreta os números históricos e os projeta para os próximos 10 anos com natural cuidado. Mas não teme afirmar que, em vez do radicalismo das transformações, a mão-de-obra ocupada no ABC viverá período de gradual reacomodação. A indústria não deverá ter, mesmo com novos rebaixamentos ditados pelos investimentos tecnológicos e modernização de gestão, menos que 25% dos trabalhadores. Os demais 75% estarão distribuídos entre comércio e serviços, os quais agregarão alta tecnologia, tendo informática e telecomunicações como âncoras.
É aí que entra o preparo educacional dos trabalhadores da região. Maria do Carmo fala da necessidade de entrosamento regional para planejar os passos que o Grande ABC dará na direção do emprego tecnológico. “É importante que o Consórcio Intermunicipal, formado pelos sete prefeitos, comece a partir de janeiro a efetivar políticas voltadas à preparação de mão-de-obra especializada. Essa é tarefa, aliás, que deve ter a participação dos mais diferentes agentes, casos do Fórum da Cidadania, dos sindicatos, das empresas. Os próximos anos vão decidir o que será da distribuição da mão-de-obra da região. Para evitar novos desequilíbrios, que acrescentariam disparidades de renda, o sistema educacional, integrado às novas tendências de ocupação da mão-de-obra regional, deve ser acionado com urgência” — afirma.
O setor terciário tem condições de absorver mão-de-obra egressa da indústria também fora de áreas mais recentemente descobertas, casos dos shoppings, dos hipermercados, das franquias. Maria do Carmo acredita que serviços especializados de âmbito social, educacional, lazer, pesquisa e desenvolvimento podem receber muitos trabalhadores em novas frentes de atendimento a demandas latentes. Ela lembra que o fluxo de evasão de usuários e consumidores de serviços e produtos rumo à vizinha Capital perdeu força à medida que o Grande ABC recepcionou novos investimentos nos dois setores. Isso esparrama benefícios, porque complementa relações comerciais.
Investimentos em recursos humanos antes prevalecentes nas indústrias já se manifestam no setor terciário e tendem a se avolumar. Mas Maria do Carmo ressalta que, para não se aprofundarem as disparidades sociais, com a elitização da mão-de-obra ocupada, deve entrar em campo aparato educacional voltado para o novo mercado de trabalho.
Se não mete a mão na cumbuca do esvaziamento econômico, posição natural de quem diagnostica apenas com o suporte científico dos números, a professora também não arrisca dizer que melhorou a qualidade de vida no ABC entre o primeiro e o mais recente trabalho do IMES. Diz, sim, que o rendimento médio do trabalhador ocupado é melhor hoje do que em 1984, até porque os anos 1980 foram uma sequência de quedas do PIB (Produto Interno Bruto) e os anos 1990 privilegiaram cortes de mão-de-obra combinados com ganhos reais dos que se mantiveram empregados. Mas melhor remuneração pelo trabalho, apesar das transformações macroeconômicas ditadas pela abertura comercial seguida de estabilidade monetária gerada pelo Plano Real, não significa automática melhoria de qualidade de vida.
Maria do Carmo considera complexos demais os indicadores que poderiam ser utilizados para correlacionar a qualidade de vida dos dois períodos. Trata-se de algo que necessitaria de pesquisa específica, que considerasse variáveis como segurança, habitação, saúde, transporte, menores de rua, usuários de drogas, entre outros: “Acredito que tivemos nichos de melhora e nichos de piora nesse período, mas no conjunto fica difícil diagnosticar sem forte base de estudos” — diz.
A Pesquisa Socioeconômica do ABC divulgada em novembro pelo IMES detectou que a taxa de desemprego entre moradores de Santo André, São Bernardo e São Caetano, em agosto deste ano, foi equivalente a 10,8% da PEA (População Economicamente Ativa) com idade mínima de 18 anos, apresentando significativa retração em relação ao índice observado em fevereiro deste ano, que chegou a 14,6%. Maria do Carmo avalia os números dentro da lógica de que o segundo semestre sempre aponta evolução da atividade econômica. Ainda mais em ano eleitoral. A professora ressalta, entretanto, que o índice de desemprego é superior ao de agosto de 1994, logo após a implantação do Plano Real, que atingiu 9,3%. Nas pesquisas seguintes, sempre realizadas nos meses de fevereiro e agosto, foi ganhando maior altitude o quadro de desempregados, com leve rebaixamento em fevereiro e forte queda agora em agosto.
A metodologia aplicada pelo IMES é semelhante à utilizada pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). Difere apenas quanto à faixa etária abordada, a partir de 18 anos, contra 14 do Dieese. A metodologia do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que considera desempregado quem está há uma semana à procura de emprego, é mais amena na quantificação do exército de sem-salário, já que a do IMES leva em conta os últimos três meses.
A última pesquisa do IMES detectou também que 33,3% dos entrevistados que estavam desempregados são formados por mão-de-obra especializada, contra 18,8% de fevereiro. Também aumentou, no conjunto de mão-de-obra ocupada em agosto último, comparativamente a fevereiro deste ano, a parcela de autônomos, que passou de 24,2% para 27,6%. Outro aumento atingiu a parcela de empregados em empresas sem carteira assinada. Do total de empregados de empresas, 13% declararam não apresentar registro em carteira, contra 9,3% em fevereiro. Esses dois indicativos de precarização do trabalho contribuíram para a queda do rendimento médio apurado em agosto, equivalente a R$ 1.155,42, contra R$ 1.309,33 em fevereiro último, o que resulta em redução de 6,1%. A comparação com agosto do ano passado seria ainda mais desvantajosa, porque o rendimento médio naquele mês chegou a R$ 1.320,83.
Perdas individuais não significam, segundo a pesquisa do IMES, sangria do agregado familiar. O rendimento médio das famílias residentes no ABC cresceu 12% no período fevereiro-agosto/1996, passando de R$ 1.675,15 para R$ 1.880,80. Maria do Carmo explica que a diferença é estimulada pela redução da taxa de desemprego constatada no período, de 14,6% para 10,8%. O número médio de pessoas que contribuem para a renda familiar passou de 1,91 para 2,01. Isto é: em cada 100 famílias, cinco acrescentaram um novo membro no mercado de trabalho.
Extrapolar os números e as conclusões da pesquisa do IMES para o conjunto dos sete municípios do Grande ABC não é aconselhável, adverte a própria pesquisadora. Ela afirma que, dadas as características dos municípios não pesquisados, situados na periferia da região, é possível projetar patamares inferiores aos recolhidos em Santo André, São Bernardo e São Caetano num universo de 658 entrevistados e com técnica de amostragem probabilística por conglomerados em estágios sucessivos — quarteirão, domicílio, entrevistado.
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