Num final de semana de intensas horas de leitura transversal, eis que resolvi fazer rápida e pontual investigação editorial na revista LivreMercado que circula há quase 18 anos num Grande ABC atingido pela desindustrialização e pelo esvaziamento econômico. Nenhuma outra publicação conseguiu manter a qualidade em meio às intempéries. Mais que isso: durante largo tempo, LivreMercado sofreu deliberadas pressões e boicote do setor público mas, mesmo assim, manteve-se em constante evolução de compromisso social numa escalada inversamente proporcional à depauperação do mercado publicitário privado.
Antes de entrar na breve análise da revista, explico o que é leitura transversal, para que nenhum leitor mais abusado ou imaginativo coloque este profissional em posição maliciosa: trata-se de coquetel de textos de jornais e revistas que vão da economia à política, passa por entretenimento, arte, editoriais e tudo o mais. Salto de um temário a outro como trapezista. Quando sinto que um assunto mais técnico já cansou, vou para um artigo mais ameno, e assim por diante. Depois, volto ao ponto de origem. Essa é uma das maneiras de contornar a possibilidade de esgotamento para quem faz da obsessão da leitura um prazer.
Explicada a expressão “leitura transversal”, eis que vou pegar o leitor de calças curtas. Responda, responda de primeira, quantas páginas relacionadas à Economia LivreMercado publicou na edição de agosto, do total de 102 disponíveis? Antes de responder, não esqueça que todo o material de LivreMercado é produzido por sua equipe de colaboradores. Nada vem de agência. Nada, nada, nada.
Já pensou? Garanto que se você não conhece bem a revista, caiu do cavalo da subestimação de nossa vocação para além da Economia, induzida pelo título. Foram 57% das páginas, contra 22,5% de páginas sociais, 15,2% culturais e 5% de sociedade. A diferença entre páginas “sociais” e páginas de “sociedade” é que matérias sociais dizem respeito a organizações públicas, privadas ou não-governamentais que atuam no Grande ABC; já as matérias de sociedade são encontros festivos, semelhantes mas sem a babaquice da maioria das colunas sociais dos jornais.
Talvez solicite à assessoria multifuncional de que disponho um apanhado desta temporada das páginas de LivreMercado para extrair dados consolidados das vertentes em que a publicação atua, entre outros motivos porque o monitoramento contribui para o aperfeiçoamento. Com uma contagem temporalmente mais extensa, provavelmente haverá a subida participativa de cases sociais em detrimento de cases culturais, porque, em agosto, tivemos de limpar as gavetas das reportagens com agentes que cuidam das artes na região. Afinal, teremos em setembro o anúncio dos Destaques do Ano do Prêmio Desempenho Cultural e só participa parte das reportagens publicadas.
No fundo, no fundo, o que quero dizer mesmo é que duvido que exista no País uma revista de economia que seja tão versátil na cobertura de outros campos. Trata-se de processo de amadurecimento contínuo da linha editorial numa região que respira negócios mas transpira problemáticas urbanas.
Entendemos que a melhor maneira de tornar uma sociedade mais ajustada aos valores humanos num País de tão fundas diferenças sociais é a aproximação permanente entre governo, mercado e sociedade — insumos indispensáveis do capital social. Exatamente o perfil da transposição das páginas de LivreMercado para o Prêmio Desempenho que só é festa para quem não entende do riscado de comprometimento indissociável de jornalismo maduro com questões da comunidade.
É por essas e outras que jornalismo não é empreendimento que deva ser submetido à correlação automática com planilhas econômico-financeiras de atividades comuns que se movem sob o signo da rentabilidade acima de qualquer coisa e de quaisquer valores.
Total de 1894 matérias | Página 1
10/12/2024 UMA GOLEADA MAIS QUE FRUSTRANTE