E edição de 23 de junho de 2004 do OmbudsmanDiário estava recheadíssima de informações e críticas. Prosseguia este jornalista a tarefa de esquadrinhar o jornal mais tradicional da região -- até que assumisse a direção editorial menos de um mês depois. Fiz abordagens importantíssimas sobre assuntos então candentes. O Santo André começaria a decidir a Copa do Brasil com o Flamengo, numa disputa da qual sairia vencedor. A Universidade Federal do Grande ABC (ainda UABC, não UFABC) seguia sob o controle estratégico de gente sem preocupação com a economia da região, além de outros assuntos que clamavam por atenção. Lembramos que a cronologia desta série e das edições de OmbudsmanDiário não é a mesma porque a abertura explicativa ganhou o número um.
Edição número 11
Está mais curta a edição da newsletter desta quarta-feira de futebol decisivo e também de debates no Legislativo de Santo André sobre o perfil da Universidade Federal do Grande ABC. Mas nada que seja substantivo deixou de ser analisado por este ombudsman. Minha rotina de leitura atenta dos jornais foi sensivelmente adensada desde que assumi este cargo. A exposição intrauterina deste trabalho me coloca diariamente em confronto saudável com leitores do jornal, da revista e da newsletter Capital Social Online. A pergunta que mais ouço é sobre a democratização dessas informações. Respondo que, se depender exclusivamente do ombudsman, não demorará.
Aliás, se formos aplicar um mínimo de sensatez comparativa, se o jornal publica a coluna do Conselho do Leitor, nada o impediria, também, de uma coluna do ombudsman. Entretanto, um erro não justificaria outro. Aliás, um baita erro não justificaria uma cautela, para ser mais preciso.
Como ombudsman, espero que o público-alvo deste trabalho se manifeste sobre comentários eventualmente contestáveis ou procedentes. Outro dia tivemos a colaboração de Irati Motta, decorrente de observação sobre um estranho desenho gráfico no Cultura & Lazer. Dias depois, voltei a registrar o que considerei inconformidade gráfica, mas a profissional não se manifestou. Quero crer que não há em qualquer escala hierárquica da organização restrições à interlocução com o ombudsman -- ou mesmo qualquer outra iniciativa que conflite com os objetivos de melhoria do produto.
Nem passa pela minha cabeça a possibilidade de que alguém que eventualmente se julgue acima do bem e do mal se interponha como obstáculo à consolidação de mecanismos que catapultem a publicação a novo patamar de qualidade. Aliás, quando essa meta for alcançada, qualquer interpretação que venha a ser exposta e que exclua o conceito de coletivismo se consagrará como egocêntrica e devastadora à perpetuação dos avanços.
Caso Celso Daniel (I)
O jornal foi econômico e impreciso sobre mais um desdobramento do caso Celso Daniel, agora envolvendo o ex-secretário municipal Klinger Sousa e empresários de Santo André. Não há qualquer informação que relacione a cronologia do julgamento e o encurtamento do cabresto investigatório do Ministério Público que está na mira do Supremo Tribunal Federal, em Brasília, previsto para agosto. É impressionante como o jornal não consegue enxergar além dos limites do imediatismo. A atenuar o erro, também o Estadão e a Folha de S. Paulo, por motivos não necessariamente semelhantes, não têm o alcance do aspecto político e institucional que está por trás da questão. Independentemente de juízo de valor sobre a suposta participação dos denunciados pelo Ministério Público Estadual.
Celso Daniel (II)
A cobertura do Diário foi, mesmo assim, mais cautelosa e responsável que a do Estadão, que, inclusive em primeira página, encaminha editorialmente uma decisão que à Justiça pertence. Trata-se, como se sabe, de um jornal alinhado às forças políticas que pretendem detonar o governo federal e cuja trajetória de lambeção ao governo FHC chegou ao ponto da irresponsabilidade. Palavra de quem é só jornalista, ou seja, não tem vínculo partidário com qualquer agremiação.
Telecomplicações
A abertura da matéria "Horizon adquire operadora de TV a cabo no Grande ABC", da Economia, página 2, é a consagração de entrecruzamento de informações que deixa os leitores atônitos. Reparem: "A operadora de serviços múltiplos Canbras, que iniciou as operações em Santo André em 1996, com a oferta de serviços de TV a cabo -- pertencente à Bell Canada International e ao Grupo Abril -- foi adquirida recentemente pela Horizon Serviços Digitais, com sede em Americana (SP), formada por capital nacional e norte-americano, e se transformou na segunda maior operadora de TV a cabo do país".
Tudo isso, tudo isso mesmo, num único e intrincadíssimo parágrafo. Não vou me dar ao luxo de, em 30 segundos, refazer esse manancial de informações e transformá-lo em texto compreensível. Afinal, esse não é filho único da estrutura editorial do jornal. Trata-se, na verdade, de lugar-comum. Há entre as deficiências estruturais da redação um vácuo imenso no controle da qualidade editorial. Nenhum jornalista é obrigado a escrever integralmente correto porque, sabemos, o dia-a-dia muitas vezes nos pega de calça curta.
Entretanto, nessas horas o trabalho de equipe aparece. Ninguém erra sozinho. Meus textos são revisados pelo menos duas vezes por mim e passa, também, por copidescagem de pelo menos mais um profissional. Pobre do jornalista que não tenha humildade de reconhecer que comete falhas estruturais ao sabor dos acontecimentos muitas vezes incontornáveis. Pobre do jornalista, também, que não escorrega em concordâncias, em excesso de apostos. Quem não errar estará denunciando um perfil de burocrata cuja capacidade de sensibilizar os leitores provavelmente será a mesma de um corpo anestesiado reagir a um corte cirúrgico.
Universidade Pública
O jornal volta ao assunto hoje à página 4 de Setecidades com o título "Pesquisa tornaria UABC mais útil". Francamente, é de lascar a insistência com que o jornal se dobra às fontes de informações e não consegue se agarrar minimamente à ancoragem do assunto. Basta uma leitura da revista LivreMercado (Reportagem de Capa de junho) para constatar que o Consórcio de Prefeitos contratou há quatro anos uma empresa que levantou todos os dados sobre a indústria do plástico no Grande ABC. O trabalho está levemente defasado, mas é a porta de entrada para a aplicação inicial de recursos com cursos dirigidos à atividade.
Há acadêmicos sem qualquer intimidade com desenvolvimento econômico que transformarão a UABC numa Torre de Babel. Basta o jornal continuar entregando a terceiros a iniciativa de manipular os cordéis da informação.
Copa do Brasil
Dos jornais que li hoje -- Diário, Folha e Estadão --, a matéria mais interessante sobre as finais da Copa do Brasil entre Santo André e Flamengo está nas páginas da Folha. Um texto criativo, com abordagem providencial que, sem dúvida, poderia ter algo semelhante nas páginas do Diário. O tom do Diário encaminha-se vertiginosamente para um evento épico quando seria sim possível combinar a importância do acontecimento para a região e os valores intrinsecamente esportivos.
Exemplo de interpretação
Quando martelo sobre a importância de interpretação das matérias provavelmente há aqueles derrotistas ou contraventores éticos que procuram desclassificar a ponderação. Eles são incapazes de entender que interpretação e opinião são pontos distintos de um trabalho jornalístico, embora se situem em limites tênues. Vejam um exemplo, no Estadão de hoje, do estilo de qualificação editorial que defendo:
"A Guarda Civil Metropolitana (GCM) de São Paulo virou polícia de fato. Seus homens não se limitam mais a tomar conta de escolas, parques e praças municipais. Eles estão fazendo rondas nas ruas e até prendem ladrões armados. Isso tudo antes de o Congresso votar a emenda constitucional que a tornaria polícia municipal".
Na sequência do texto, uma série de informações que dão sustentação ao chamado lide (abertura) da matéria. Fosse no Diário, o texto estaria recheado de "de acordo" ou de "segundo ele", entre outros vícios de apuração e de análise. É por essas e outras que insisto em dizer que o jornal perdeu a capacidade de chamar para si a responsabilidade de transmitir aos leitores a segurança de informações rigorosamente apuradas.
Criminalidade
Corroborando com o que escrevemos ainda outro dia sobre o triunfalismo de um editorial do jornal que transformou um acontecimento isolado da área policial em regra de vitalidade da área de segurança, o Estadão de hoje, à página A4, publica interessante matéria. Sob o título "Para a maioria, violência está fora de controle", o texto é dinamitador: "A maioria absoluta (80,6%) dos entrevistados pela Sensus acha que a violência no Brasil está fora de controle e 35,5% entendem que a forma de violência mais ameaçadora são os assaltos, em casa ou na rua; 29,6% temem especialmente o tráfico de drogas. Já 64,6% dos entrevistados acham as ações das polícias inadequadas ou ineficazes. Só 29,1% as consideraram adequadas e eficazes".
Imaginem se a metodologia aplicada tivesse apenas o Grande ABC como campo de análise. O jornal está bastante leniente na abordagem das questões criminais que atingem a região.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)