Fui instigado a escrever sobre a UFABC e a regionalidade e é o que faço. Antes, porém, algumas informações que julgo necessárias.
A luta pela criação de uma Universidade pública no Grande ABC remonta aos anos 60, quando se ventilava a possibilidade de um Campus onde hoje se localiza a ETE Lauro Gomes, no centro de São Bernardo. O movimento sofreu uma interrupção óbvia anos de chumbo e renasceu na década de 80.
Na retomada a reivindicação era de uma Universidade estadual ou federal, desde que pública. Sustentava o pleito as nossas especificidades econômicas, o porte populacional e a necessidade de oferta de ensino superior público e gratuito que atendesse a família dos trabalhadores no Grande ABC.
Era um momento de grave crise econômica e desemprego, que se fazia sentir com intensidade no Brasil em especial na região.
Quis o destino que o movimento tivesse eco e que ela viesse pelas mãos do presidente Lula, oriundo do ABC, no seu primeiro mandato. Seus dois Campus abrigam mais de 14 mil alunos de graduação e 1500 na pós-graduação.
Um princípio que sempre esteve na dianteira da criação da UABC era o aproveitamento das faculdades e universidades municipais, a saber: Faculdade de Direito em São Bernardo, Fundação Santo André e Medicina ABC em Santo André e USCS (antigo IMES) em São Caetano.
Havia uma combinação atrativa de interesses que cercavam esta proposta: a oferta de cursos em diferentes áreas do conhecimento e a infraestrutura existente que seria inteiramente absorvida.
Além disso, os municípios repassariam ao governo federal/estadual uma obrigação constitucional sua, que é a oferta do ensino superior, permitindo desta forma concentrar seus esforços no ensino básico, seu foco legal.
Ocorre que no meio do caminho as forças provincianas municipais falaram mais alto e assistimos um festival de chauvismo marcado por uma patriotada descabida. Prefeitos batiam no peito e diziam que “ninguém mexe no que é meu”. Azar da regionalidade e dos interesses coletivos.
Tivesse isso ocorrido a UFABC nasceria com uma regionalidade mais instituída e estruturada em seu DNA, em função das relações já estabelecidas e dos cursos oferecidos. Isso em nada impediria uma rediscussão de novos cursos a partir de demandas amplamente discutidas na sociedade.
Mas não foi o que aconteceu. A oferta de graduação e da estrutura correspondente seguiu as diretrizes definidas pelo MEC em Brasília quase que exclusivamente. Houve uma participação bastante limitada dos atores sociais da região nas decisões maiores.
O mecanismo de núcleo comum nos anos iniciais e a abertura de opções nos anos finais, respondia a um desejo do MEC de um modelo que se diferenciava das demais Universidades Federais do Brasil.
Considero, sem nenhuma dúvida, que a UFABC é uma conquista importante para a região e o país. Importante polo de atração de jovens talentos e de qualidade inquestionável.
Mas nem todos enxergam desta forma. Lembro que sua expansão para São Bernardo sofreu forte boicote do ex-prefeito Dib em função das diferenças partidárias, numa atitude provinciana e reprovável.
Após 13 anos de existência é preciso admitir que a proximidade entre a UFABC e as gestões municipais, o Consórcio de Prefeitos, Agência Regional e o governo do estado ainda são tímidas. Mas é preciso identificar as causas.
O discurso e a prática da regionalidade nascem com o prefeito Celso Daniel (PT) na segunda metade dos anos 90. Foi a partir dele que descobrimos nossos vizinhos quando o assunto é gestão, até então ilustres desconhecidos. Nem é preciso reafirmar a importância da elaboração de diagnósticos comuns e da definição de políticas públicas regionais em função de nossas especificidades.
Ocorre que a morte prematura de Celso Daniel provocou um abatimento nos mecanismos de discussão coletiva quando eles ainda não estavam suficiente maduros e sedimentados entre os representantes políticos e partidos àquela época.
Os últimos 15 anos foram marcados pelo esvaziamento gradual e constante destes órgãos e a perda de importância na gestão municipal. Chegamos ao ponto de Diadema e Rio Grande da Serra abandonarem esta perspectiva sem rodeios.
Recuamos neste processo de integração, reduzimos sua importância nos debates eleitorais e tornamos esta pauta secundária diante de desafios que se colocam aos gestores e à sociedade.
Neste quadro de solubilidade da pauta regional recebemos a UFABC. Enquanto a regionalidade foi perdendo em importância a Universidade foi se consolidando a partir das diretrizes e desejos do MEC, percorrendo um caminho contrário.
Caberia aos nossos representantes recompor a pauta regional e abrir um diálogo direto com a Universidade, a partir das necessidades locais. Esta luta não está perdida e precisa ser reanimada.
Uma saída interessante seria um chamamento amplo dos mais diversos setores da sociedade para uma discussão coletiva de prioridades em todos os sete municípios da região, culminando num grande congresso regional que sintetizaria as propostas a serem trabalhadas.
Este trabalho deveria incorporar, inclusive, as outras Universidades e Faculdades da região, poderia desembocar em novos cursos a partir das demandas levantadas e poderia indicar estudos superiores em pós-graduação na formação de quadros gestores.
Há outras possibilidades neste caminho, que passam pela relação com a requalificação das escolas públicas, com a oferta de serviços na área da saúde, na defesa do que sobrou da mata atlântica, no estímulo à criação destartups, enfim, a lista é grande, mas parece que a vontade é pequena.
As necessidades sociais se acumulam em tempos de crise. Aproximar os vínculos entre os centros produtores do saber e a gestão pública é sinal de inteligência. O distanciamento evidencia sinais em contrário.
Para avançar neste sentido precisamos superar esta patriotada local que regozija egos mas produz muito pouco no sentido de apontar soluções para nossos problemas. A iniciativa tem que ser dos prefeitos, sem o que avançaremos pouco.
O tempo urge. Se não houver unidade entre os gestores municipais nesta linha de criar políticas públicas regionais não adianta buscar culpados nas Universidades para nossos fracassos. Simples assim.
(*) Ricardo Alvarez é professor da Fundação Santo André.
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