Nesta segunda rodada de um confronto de ideias com Ricardo Alvarez chamo a atenção dos leitores para um buraco negro na dupla premissa do professor da Fundação Santo André. Diferentemente das afirmativas dele, a UFBC (Universidade Federal do Grande ABC) não é nem uma conquista regional e tampouco deve ser aprimorada. Trata-se de instituição que faz pouco caso da região. E a recíproca é verdadeira, embora por razões completamente antagônicas. Resultado? A precisão da expressão “barriga de aluguel”.
Como mil palavras limitadoras a definições e incursões mais substanciosas, vou procurar esgotar essa métrica no que for possível na certeza de que, ante idas e vindas, poderei dar maior consistência às contraposições.
Vejo, resumidamente (e, portanto, com propensão a intervenções mais detalhadas no futuro) vários pontos que minam o centro da retórica da rodada inicial. A UFABC (e o artigo do professor) peca por passar como trator sobre o apelo mais evidente à própria razão de estar na região: o compromisso com o desenvolvimento econômico e os desdobramentos sociais e ao próprio ecossistema de cidadania.
Verbetes ignorados
Nesse ponto (e daí se explica o resumo das ideias do professor contido no título que escolheu) as crateras de descaso com a região estão tipificadas na ausência de um texto reparador. Verbetes (e equivalentes) como produtividade, desenvolvimento econômico, competitividade, desigualdade social, empreendedorismo, Custo ABC e tantos outros que remeteriam diretamente ao cerne da questão são olimpicamente esquecidos ou, com muito boa vontade, mitigados por Ricardo Alvarez.
Fossem apenas esses os pontos frustrantes (no sentido da questão central desse debate), tudo estaria num patamar menos grave. Mas o que temos é algo muito pior, daí minha imensa curiosidade de receber a segunda rodada de intervenções do professor. Suspeito que ele não tenha se dado conta do que está em debate como peça essencial.
A UFABC contrariou a vontade do então presidente da República, Lula da Silva. O petista deixou claro em entrevistas que pretendia ver uma instituição voltada à economia regional, mas o MEC o atropelou com um comitê centralizador de ideias fixas e um esnobismo curricular que sugeria estar a região plantando o mais extraordinário exemplar de revolução na área. Seriamos a fina flor da universidade pública. Levaríamos ao Brasil e ao mundo prerrogativas de eficiência na produção de saberes. Só faltou combinar com os russos. No caso, nós mesmos.
Outro ponto a tornar turbulento o horizonte da UFABC foi o preparativo estatizante dos debates locais para encaminhar o projeto ao governo federal. Os movimentos seguiram em direção à exaltação da teoria em desfavor da prática. Raramente houve citação à importância de juntar no processo acadêmicos e agentes econômicos. Como se o MEC já não fosse suficiente para meter a colher no cozido alheio.
Sociedade excluída
Para que não haja dúvida sobre esse processo de preparação acompanhado atentamente por este jornalista numa série de matérias, a sociedade praticamente não participou de nada. E a bem da verdade não seria sensato dizer que se fosse convocada para valer os resultados seriam muito diferentes, porque se há algo que falta à região é o comprometimento com a regionalidade. Nosso gataborralheirismo é orgânico. Adoramos entregar a terceiros externos o que não temos coragem e em muitos casos competência técnica de realizar internamente.
Por conta disso e de muito mais fico a me perguntar: qual seria o fio condutor proposto pelo professor Ricardo Alvarez à recomposição da pauta regional em torno da UFABC se a matéria-prima de que se utilizou para sugerir essa iniciativa está viciadíssima pelo erro de origem da instituição, ou seja, a visão excessivamente estatal das coisas e o sentimento bovino de subordinação aos mandachuvas de Brasília.
Prefeitos despreparados
A Universidade Federal do Grande ABC é tanto encalacradamente estatal nos pressupostos curriculares e desprezível à atividade econômica que o professor Ricardo Alvarez entrega a rapadura da iniciativa supostamente restauradora a um Clube dos Prefeitos esfacelado, não bastasse a inapetência de décadas.
Entender que o Clube dos Prefeitos, na modelagem atual, antiga, autoritária e inadequada, seria capaz de dar o tom, o ritmo, a direção e tudo o mais para retirar a UFABC dos abusivos braços do MEC tem o mesmo sentido que delegar a uma estátua de concreto em forma de militar a capacidade de dissuadir ações terroristas.
O imobilismo do Clube dos Prefeitos é estrutural entre outros motivos porque não conta com uma espécie de Conselho Especial, integrada por agentes da sociedade sem rabo preso com os poderes públicos. Gente preparada para apontar soluções.
Para que a UFABC saia do casulo autonomista sedimentado em solo de Santo André não existe possibilidade de preservar um resquício sequer de algo que lembraria tanto a pretensa conquista quanto o decantado aperfeiçoamento. Pau que nasce torto morre torto. A saída é um redirecionamento espetacular para explodiria o elitismo destilado de Brasília. A UFABC é uma pretensiosa industrializadora de manequins destinados a passarelas internacionais em vez de centroavantes arrebatadores de competitividade regional.
Retrato acabado
A expressão barriga de aluguel, rebocada de uma entrevista com o especialista em educação Valmor Bolan, severo crítico da formulação e da execução do projeto da UFABC, pode até parecer de mau gosto, mas retrata à perfeição a consolidação de uma instituição que atua como espécie de principado na região.
A UFABC é uma ilha de fantasia no sentido de que não tem peso algum no destino regional. Caso seguisse outras iniciativas de Ensino Público Superior, poderia catalisar o desenvolvimento regional. É disso que pretendo tratar numa segunda rodada.
Espero que o professor Ricardo Alvarez se fixe na ideia central desse Debate Digital: o que a UFABC entregou até agora para a região?
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)