A vida do ser humano nunca foi tão confortável como hoje. Mesmo levando-se em conta os solavancos econômicos provocados pela volatilidade dos capitais, e cuja intensidade de insegurança coletiva talvez só se compare à causada pela peste negra na Idade Média ou, mais recentemente, pela pretensão nazista de dominar o mundo, a verdade é que o homem -- visto sob perspectiva histórica -- vive num bem-bom sem precedentes graças à multiplicação de bens duráveis e de consumo.
A satisfação de dirigir um carro zero quilômetro que desliza silencioso sobre o asfalto, de vestir uma camisa bem cortada e cujo material pensado para não incomodar ventila no verão e retém calor em tempo frio, assim como a possibilidade de fazer sexo por simples prazer, sem risco de concepção devido à utilização de preservativos, eram simplesmente impensáveis, impraticáveis, há pouco mais de uma centena de anos.
Apesar de a maioria da população mundial tirar proveito dos bens industrializados, poucos se dão conta dos esforços em pesquisa e desenvolvimento que estão por trás desses produtos. Todo mundo dirige automóvel, usa máquina de lavar e viaja de avião, mas ninguém pára para refletir como essas maravilhas são possíveis. Pois o domínio tecnológico dos mecanismos físicos, mecânicos e químicos embutidos em praticamente tudo o que cerca a existência do homem moderno é a alma do Ipei (Instituto de Pesquisas e Estudos Industriais), co-irmão da FEI (Faculdade de Engenharia Industrial), criada há mais de 50 anos, e mantido pela FCA (Fundação de Ciências Aplicadas).
O Ipei tem instalações de dois mil metros quadrados no complexo da FCA em São Bernardo, onde, além da FEI, estão a Esan (Escola de Administração e Negócios) e a nova Faculdade de Informática. O que se passa nos 17 laboratórios dos centros de química, mecânica, elétrica e têxtil, quatro das cinco ilhas de excelência do instituto, excede a capacidade de entendimento do cidadão comum. Os 30 engenheiros e técnicos, muitos dos quais também professores da FEI, falam de nêutrons, elétrons, plasma, elementos finitos e outros termos normalmente incompreensíveis com a naturalidade com que donas-de-casa trocam receitas de bolo. As condições climáticas dos laboratórios são preservadas por rígidos controles de temperatura e umidade para que os resultados dos trabalhos não sofram desvios.
É um mundo à parte, mas que interage com o universo do qual todos participam porque tem portas abertas ao mercado. O papel do Ipei é justamente o de atender a indústrias de praticamente todos os segmentos com serviços de análises, testes e calibrações, além de projetos e desenvolvimento de processos e produtos.
"É o que se pode chamar de terceirização tecnológica. Centralizamos serviços que demandam tecnologia e estrutura, os quais as empresas preferem não manter internamente muitas vezes por questões de custos" -- explica Luiz Antônio Mortaio, responsável pelas áreas de Marketing e Vendas do Ipei. Formado na FEI em engenharia elétrica e com mestrado em automação e controle com ênfase em sistemas digitais, Mortaio também é professor da disciplina automação e robótica no curso de engenharia elétrica.
Certificado com a ISO 9002 desde 1997, o Ipei foi criado em 1975 como resposta ao aumento da demanda por serviços especializados voltados ao meio empresarial. Em meados dos anos 60, os professores da FEI já assessoravam empresas nas áreas de assistência técnica, controle de qualidade de matérias-primas e de produtos, desenvolvimento de protótipos e consultoria empresarial. O Ipei surgiu para atender ao crescimento contínuo da procura por esses e outros serviços. O objetivo é assistir e apoiar a indústria no desenvolvimento científico e tecnológico. No cadastro do instituto constam mais de duas mil organizações servidas nos 24 anos de atividades, entre as quais Asea Brown Boveri, Bridgestone Firestone, Du Pont, General Motors, Johnson & Johnson, Nestlé, Poliolefinas, Philips, Pirelli, Tintas Coral, Union Carbide e Shell, entre outros gigantes nacionais e internacionais, além de empresas de médio e pequeno portes.
Medidas precisas -- No CPM (Centro de Pesquisas Mecânicas e Metalúrgicas), os bastidores técnicos respaldam a performance de produtos sedutores e de alta tecnologia como um automóvel último tipo. Descobre-se que segurança, funcionalidade e outros conceitos sublinhados pelo marketing não são consequência de passe de mágica, mas fruto de preocupações tecnológicas que não toleram nem desvios imperceptíveis a olho nu.
Com laboratórios nas áreas de Metrologia Dimensional, Veículos, Balanceamento, Ensaios Mecânicos e Metalurgia, o CPM é especialista em serviços como controle dimensional de peças e calibração de instrumentos de metrologia dimensional, como micrômetros, parquímetros e relógios comparadores. Também faz calibração de máquinas de tração, durômetros, torquímetros e anéis dinamométricos. Isso significa que, entre outras atividades, o CPM é perito em aferir instrumentos de medição utilizados em indústrias mecânicas e metalúrgicas, na condição de integrante da Rede Brasileira de Calibração (RBC) do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia).
"A precisão das medidas é uma das maiores preocupações da indústria, pois reflete no fim da cadeia produtiva, junto ao consumidor. Uma peça mal-dimensionada poderia comprometer a funcionalidade ou a segurança do produto" -- observa Renato Gallina, supervisor do CPM.
O CPM conta com equipamentos ultraprecisos para dar conta de tamanha responsabilidade. Possui uma máquina suíça de medição tridimensional cuja precisão é de décimo de milésimo de milímetro, o que equivale a dividir um milímetro em 10 mil partes. Só há outros dois equipamentos similares no Brasil, um dos quais no próprio Inmetro. Outro equipamento do centro, de tão sensível, é protegido por paredes de vidro porque a respiração do operador pode influenciar nos resultados.
O CPM também é equipado para realizar ensaios mecânicos de tração, compressão, dureza, impacto, dobramento, flexão e fadiga, entre outros, de matérias-primas, peças ou produtos acabados. Realiza ainda ensaios metalográficos -- por intermédio dos quais é possível dissecar substâncias que integram metais de modo a avaliar a estrutura cristalina do material --, entre outros serviços indispensáveis para a qualidade de imensa gama de produtos acabados. O Centro de Pesquisas Mecânicas do Ipei também é credenciado pelo Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) para fazer inspeção e dar aval de segurança a veículos sinistrados ou modificados.
De pilha a termômetro -- Assim como o CPM é especialista em aferir instrumentos de medição, o CPE (Centro de Pesquisas Elétricas, Eletrônica e em Informática) é tarimbado em calibrar instrumentos elétricos e sensores de temperatura e umidade. Dotado de laboratórios de Metrologia Elétrica, Termometria e de Ensaios, Projetos e Manutenção, o CPE atende desde produtores de pilhas com serviço de medição de voltagem, até fabricantes de chuveiros elétricos, hospitais e laboratórios de análises clínicas com calibração de equipamentos que necessitam de precisão de temperatura.
"Nos Estados Unidos, um consumidor entrou com ação na Justiça e foi indenizado por ter se queimado gravemente com um café servido de uma máquina desregulada. Já no Brasil sabe-se de casos de bebês que morreram recentemente em hospitais simplesmente porque os termômetros estavam desregulados. Episódios como esses exemplificam a importância da qualidade na medição de temperatura" -- comenta Francisco José de Oliveira Maia, supervisor do CPE.
Perfeição é meta também na área elétrica e eletrônica. Para garantir nível de precisão que chega a inimaginável décimo de milionésimo de volt, cerca de R$ 350 mil foram investidos só nos últimos três anos em equipamentos inéditos ou versões mais modernas. Aliás, no Ipei como um todo tecnologia é patrimônio -- boa parte dos equipamentos é importada, alguns representando o que há de mais moderno na sua linha.
Experimentos como o realizado a pedido de um fabricante de interruptores para avaliar a capacidade do produto de suportar determinada carga elétrica, bem como o executado para um montador de lanternas automotivas interessado em saber como se comportariam em temperaturas gélidas, já que tinha intenção de exportar, são algumas das atribuições do CPE na área de ensaios.
Já o CPQ (Centro de Pesquisas Químicas), supervisionado pelo engenheiro Geraldo Luiz Pereira Fontana, dispõe de sete laboratórios para desenvolver serviços em nove áreas: análises diversas como de resíduos industriais, produtos alimentícios e metais e ligas metálicas; aproveitamento e recuperação de subprodutos e resíduos; fornecimento de atestados para exportação, importação e em casos de sinistros, em conformidade com normas técnicas nacionais e estrangeiras; desenvolvimento de processos e produtos; estudo de recursos naturais para beneficiamento e aproveitamento; projetos de modificação, modernização e racionalização de instalações químicas industriais; reutilização de águas industriais residuais; testes físico-químicos especiais; além de tratamento e disposição final de despejos sólidos, líquidos e gasosos, e calibração de vidrarias.
Laboratório estratégico -- A Usina Piloto de Operações Unitárias é um laboratório estratégico de desenvolvimento para as indústrias. Trata-se de uma minifábrica química equipada para produzir qualquer produto em pequena escala. Indústrias de cosméticos, entre outras, costumam se valer da estrutura da usina piloto para desenvolver novas mercadorias e testá-las no mercado para, só posteriormente, com a receptividade assegurada, agregá-las na própria fábrica sem correr riscos de fazer investimentos internos sem retorno. Em meados da década de 80, três processos para obtenção de álcool combustível a partir de mandioca também foram desenvolvidos na usina.
Atualmente os técnicos e engenheiros do CPQ estão envolvidos no desafio de dar um fim ecologicamente saudável a 4,2 mil toneladas de resíduos gerados mensalmente pela indústria de móveis do Grande ABC. O objetivo é que os resíduos em forma de pó, cavacos e retalhos de chapas, que não podem ser simplesmente descartados sob pena de causar danos ao meio ambiente, virem insumos para outros setores ou mesmo para os próprios moveleiros.
O CPT (Centro de Pesquisas Têxteis) é especializado em serviços de controle de qualidade, análises, testes e ensaios tanto em matérias-primas como fios e fibras quanto em produtos acabados, como tecidos, malhas, tapetes, carpetes, artigos para estofamento, feltros, chapéus e até cintos de segurança. "Atendemos a montadoras interessadas em testar a resistência e a durabilidade do material" -- explica Marcelo de Camargo, responsável pelo CPT. Até ensaios para avaliação da inviolabilidade de raspadinhas, aquelas cartelas da sorte, já foram realizados nos laboratórios.
O Centro de Pesquisas Têxteis dispõe de dois laboratórios: de Ensaios Físicos e Análises Químicas, que dão suporte a fabricantes de vestuários e de matérias-primas interessados em assegurar em bases científicas a qualidade de seus produtos. No equipamento Xenotest, por exemplo, é possível simular condições climáticas de calor e umidade para descobrir como determinada roupa se comportaria em seis meses ou um ano. "Dá para saber, por exemplo, em quanto o tingimento do tecido é afetado pela ação das intempéries climáticas" -- destaca Mortaio.
Há também estufa para simular o desgaste provocado por suor, equipamento que possibilita análise de conformidade de etiqueta para verificar se a composição do tecido equivale ao relacionado pelo fabricante; balança ultra-sensível com precisão de micrograma (isto é, a milionésima parte do grama); torciômetro para analisar a quantidade de torções de fios, entre outros recursos que sugerem haver muitos pormenores técnicos por trás de uma camisa de bom caimento.
Consultoria -- A ligação com indústrias levou o Ipei a criar há dois anos o Núcleo de Consultoria em Engenharia Industrial. É comandado pelo engenheiro de produção Giorgio Arnaldo Chiesa, professor da FEI especializado em planejamento e sistemas de informação e coordenador de cursos do Iecat (Instituto de Especialização em Ciências Administrativas e Tecnológicas), responsável por cursos de especialização e pós-graduação de logística.
O núcleo oferece serviços nas áreas de planejamento empresarial, implantação de sistemas produtivos, operações industriais e implantação de sistemas industriais. São trabalhos que abrangem desde a definição de localização e viabilidade do empreendimento até projeto do produto e do processo produtivo, layout e logística. Também enlaça sistemas de informação e de gestão de recursos humanos, da qualidade e dos custos, entre outras especialidades que contribuem para melhorar a produtividade. "Muitas vezes o empresário está tão absorvido pelo dia-a-dia que não enxerga os problemas na produção. O papel do núcleo de consultoria é detectar oportunidades e criar condições de elevar a qualidade e a produtividade. Como num jogo de xadrez, quem está de fora tem condições de enxergar melhor" -- afirma Giorgio Chiesa.
O núcleo de consultoria já atendeu a oito organizações de segmentos como embalagens, químico, concessionárias de automóveis e fabricação de móveis. Há mais projetos engatilhados, em fase de contratação. O núcleo conta com a equipe de professores-colaboradores do Departamento de Engenharia de Produção e dispõe de recursos que permitem simular alguns trabalhos. Com isso, o empresário visualiza por meio de modelos matemáticos como ficará a operação da empresa antes da sua implementação propriamente dita.
O núcleo de consultoria conta com apoio da agência São Bernardo do Sebrae-São Paulo (Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa). Por intermédio do Patme, Programa de Apoio Tecnológico à Microempresa, o Sebrae faz ponte entre pequenos negócios e os diversos serviços do Ipei com direito a custos reduzidos e financiamento de parte do serviço.
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