Enquanto o Grande ABC procura detectar alternativas de desenvolvimento que permitam compensar a diminuição da importância do setor industrial, de modo a reverter o visível quadro de deterioração social, bem perto, a menos de 100 quilômetros, uma região com semelhantes 2,3 milhões de habitantes vive situação diferente, de admirável ascendência. A Grande Campinas está desabrochando economicamente em contraposição ao Grande ABC, que ainda não acordou para o perigo de depender demasiadamente do setor automotivo, extremamente sensível aos reveses macroeconômicos e cada vez mais descentralizado pela instalação de novas fábricas em outros pontos do País.
Formada pela principal cidade e o conjunto de 21 municípios localizados ao longo dos eixos compostos pelas Rodovias Anhanguera, Bandeirantes, Santos Dumont e Dom Pedro I, além da Adhemar de Barros, que liga Campinas a Mogi-Mirim e Mogi-Guaçu, a Grande Campinas é região empresarialmente hipertrofiada que em nada sugere o estereótipo de pacata cidade interiorana, onde moradores fumam cigarro de corda, usam chapéu de palha e carregam o erre na linguagem. Trata-se do terceiro pólo industrial do País, responsável por 9% do Produto Interno Bruto Nacional e 17% do PIB estadual, com participação quase duas vezes maior que a do Grande ABC. De acordo com levantamentos do governo paulista, a Grande Campinas recebeu entre 1995 e 1998 US$ 7,91 bilhões dos US$ 29,23 investidos no Estado, o equivalente a 27,07%. E a previsão é de que 25% dos US$ 73,1 bilhões previstos para o Estado até 2003 aportem na Grande Campinas.
Detalhe importante: investimento, no caso de regiões emergentes como Grande Campinas, Grande Curitiba (PR) e Grande Porto Alegre (RS), pode ser traduzido como geração de empregos e melhorias sociais a reboque do incremento da renda local, pois está relacionado à instalação de novas empresas ou ampliação das já existentes. Bem diferente de regiões como o Grande ABC, onde grandes investimentos quase sempre são sinônimo de agravamento do quadro social, pois estão relacionados à adoção de tecnologias modernas descartadoras de mão-de-obra. Sobretudo quando anunciados pela indústria automobilística, ávida por ferramentas de redução de custos e aumento da produtividade.
Essa inversão na rota de investimentos tem motivos claros. Em cidades do Interior, não saturadas, é possível encontrar o que se tornou escasso nas grandes cidades ou metrópoles: perfeita combinação de custos de produção baixos, mercado consumidor em desenvolvimento e qualidade de vida. Em suma, o capital encontra habitat favorável e bem aclimatado para reprodução em municípios emergentes. Sobretudo quando são servidos por boas rodovias, têm a vantagem da proximidade com núcleos econômicos tradicionais e ainda dispõem de centros tecnológicos e universidades para formação de mão-de-obra qualificada, como é o caso da Grande Campinas. Só Unicamp, PUC e Unip somam mais de 50 mil estudantes.
Ciclo de 12 anos -- Com 4,5 mil estabelecimentos produtivos responsáveis por 25% da produção química, 19% de máquinas e equipamentos, 27% da produção de couro, papel e papelão, 21% da produção têxtil e 17% da produção agroindustrial do Estado de São Paulo, a Grande Campinas -- é razoável acreditar -- ainda vai crescer muito. Numa comparação com as fases vitais do ser humano, a região está em plena juventude, com muita lenha para queimar, bem longe da desaceleração típica da terceira idade. Quem compartilha dessa visão é o jornalista Dirceu Pio, diretor da Gazeta Mercantil para o Planalto Paulista, como é chamado o jornal que circula em mais de 70 municípios e um dos maiores conhecedores das transformações em curso no Interior, especialmente na Grande Campinas.
Ele acredita que o PIB da região vai crescer 50% nos próximos anos na esteira de uma verdadeira avalanche de investimentos já assegurados. "Se alguém disser que a região da Grande Campinas está em crise, pode mandar prender que é boato, é mentira" -- descontrai. "Baseados em intenso trabalho de pesquisa que respalda as atividades da Gazeta Mercantil, temos condições de afirmar que nada vai conseguir frear ou atropelar o processo de expansão dessa região. Calcula-se que esse ciclo de crescimento histórico muito forte deve se projetar para os próximos 10, 12 anos" -- afirma.
Boa parte dos investimentos apontados para a Grande Campinas está relacionada à área de tecnologia de ponta. Especificamente o setor de telecomunicações, que deverá experimentar crescimento sem precedentes no Brasil como um todo graças ao impulso da privatização. A Tess, empresa de origem sueca que ganhou concessão para explorar a Banda B da telefonia celular em todo o Interior paulista, vai injetar US$ 1,3 bilhão até final de 1999 a partir da matriz operacional instalada em Campinas. Com início de atividades em dezembro do ano passado, a Tess projeta entregar linhas e aparelhos em área de cobertura que tem cerca de seis milhões de usuários em potencial. Já contratou 500 funcionários e pretende admitir mais 500.
Também em Campinas, a Lucent Technologies inaugurou há pouco fábrica cujos investimentos iniciais e aportes programados para o decorrer de 1999 devem atingir US$ 130 milhões. A Nortel aplicará quase US$ 150 milhões nos próximos três anos em uma fábrica de sistemas de telefonia celular e um centro de treinamento de excelência, enquanto o Grupo Algar promete investir pesado numa fábrica de cabos de fibra ótica. Em Jaguariúna, a Motorola projeta investir US$ 309 milhões em nova planta industrial.
"A Ericsson, que fornece sistema de antenas de telefonia para a Tess, também está interessada em montar unidade industrial em Campinas" -- afirma Dirceu Pio. "Se forem levados em conta só os valores mobilizados pelas indústrias de teles, já se tem dinheiro para sustentar o crescimento e desenvolvimento da região sem precisar de mais nada. Mas cada dia se é surpreendido pela geração de empreendimentos em outros setores" -- complementa.
Automotivas -- A Grande Campinas se fortalece também com o incremento do setor automobilístico e de autopeças. "A chegada das gigantes japonesas Honda, em Sumaré, e Toyota, em Indaiatuba, está impulsionando o desenvolvimento de inúmeros fornecedores nos municípios vizinhos" -- comenta Dirceu Pio. A autopeças norte-americana Eaton, transferida de Santo André para Valinhos, projeta investir US$ 25 milhões em 1999. A planta de Valinhos receberá US$ 10 milhões e os US$ 15 milhões restantes serão direcionados para nova fábrica em Mogi-Mirim, que pretende produzir anualmente 250 mil transmissões para a General Motors a partir de abril.
"A Honda chegou a Sumaré há apenas um ano e já toca projeto de expansão. Pretende investir US$ 20 milhões para elevar a produção de 80 para 135 carros por dia a partir de setembro de 1999" -- lembra Pio.
Como não poderia ser diferente em se tratando de região em expansão, a Grande Campinas será também alvo de investimentos no fortalecimento infra-estrutural. A recentemente privatizada CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz) anunciou que vai investir R$ 150 milhões na modernização do sistema de distribuição de energia elétrica. Além disso, um consórcio de empresas liderado pelo Grupo Odebrecht está empenhado em criar um pólo petroquímico provavelmente no Município de Campinas, o que, segundo Dirceu Pio, detonará efeito dominó no surgimento de empresas termoplásticas de terceira geração.
"A Odebrecht quer aproveitar a sinergia com a refinaria de Paulínia e o gás da Bolívia, que chegou à região em dezembro como verdadeiro presente de Papai Noel. Temos mantido contato com dirigentes da OPP, empresa que a Odebrecht criou em sociedade com a Petrobrás para implantação de projetos petroquímicos que vão consumir mais de US$ 2 bilhões. A determinação de dar a largada nesse projeto é total" -- conta Dirceu Pio.
A Grande Campinas não está imune ao êxodo industrial conhecido do Grande ABC. A diferença é que lá a quantidade de baixas é menor e as perdas são amplamente compensadas. "A Grande Campinas tem uma capacidade extraordinária de dar a volta por cima das situações de crise, em vez de ficar lamentando o leite derramado. Por questões operacionais, a Kaiser resolveu transferir a fábrica de Mogi-Mirim para Jacareí. Aí apareceu o empreendedor José de Souza Cintra e injetou US$ 60 milhões nessa fábrica para apostar num projeto audacioso: produzir a cerveja Cintra" -- afirma.
"O setor têxtil, que sempre foi representado pelas indústrias de Americana, dá sinais de recuperação, de que o fantasma da globalização está indo embora" -- destaca. "Se alguma crise houver, só ser for das saudáveis e transformadoras crises de crescimento. Em Sumaré, por exemplo, o serviço municipal racionaliza água industrial porque não dá conta de atender ao volume crescente de empresas. A pedido de indústrias, a Unicamp já está fazendo estudo para apurar a disponibilidade de aumentar o abastecimento" -- informa.
Viracopos -- O Aeroporto Internacional de Viracopos, instalado em Campinas, é outro bom parâmetro da expansão econômica da região. O aeroporto foi o que mais cresceu no Brasil nos últimos anos nos quesitos volume de aeronaves, transporte de cargas e de passageiros. E se prepara para investir quase R$ 58 milhões em obras de expansão até o ano 2000, de modo a dar conta de esperados aumentos de demanda. Quem explica é Sérgio Reina, superintendente da Infraero (Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária), braço governamental vinculado ao Ministério da Aeronáutica responsável por implantação, administração, operação e exploração da infra-estrutura aeroportuária nacional. Sérgio Reina garante que Viracopos nunca viveu fase tão eufórica desde que foi fundado, na década de 30.
"Viracopos teve grande desenvolvimento nos anos 50, época em que passou a ser utilizado comercialmente de forma mais intensa pelas empresas aéreas; na década de 60, quando foi homologado para operações internacionais e recebeu nome oficial de Aeroporto Internacional de Viracopos; e transformou-se num grande aeroporto de passageiros internacionais de São Paulo até a inauguração do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em 1985. Mas nos anos 90 o movimento voltou a crescer e hoje é um dos maiores da América Latina em volume de cargas" -- conta.
Números lhe dão respaldo. De 1992 a 1997, enquanto a média de crescimento do volume de cargas transportadas nos aeroportos brasileiros foi de 11,3%, Viracopos cresceu 58,35%. No mesmo período, a alta no volume de passageiros em Viracopos foi de invejáveis 41,64%. Como consequência, o movimento de aeronaves aumentou 29,26%, bem acima da média nacional de 7,84%. Foram 445 mil passageiros transportados em 1998, contra 310 mil em 1997. Também registraram-se no ano passado 206,5 mil toneladas de carga transportada -- com importações responsáveis por cerca de 60% desse volume -- e 42 mil movimentos de aeronaves, contra 35 mil em 1997.
É para fazer frente ao crescimento da demanda que a Infraero investiu e investe pesado na expansão do aeroporto. Entre 1995 e 1997, a Infraero pôs em prática a primeira etapa do projeto de ampliação e Viracopos recebeu benfeitorias ao custo de R$ 30 milhões. Executou a primeira etapa de ampliação do pátio três, destinado a aeronaves de grande porte, construiu um terminal de exportação e outro de importação, além de um terminal específico de passageiros, entre outras obras. Na segunda etapa, mais R$ 57,7 milhões estão sendo aplicados desde 1997 até o ano 2000. As melhorias consistem em 14 obras em fase de projeto ou execução, dentre as quais um novo terminal de passageiros, construção de prédio administrativo e anexos ao atual terminal de carga, além da torre de controle mais alta do Brasil, com 65 metros.
Essas são as novidades a curto prazo, mas os planos de crescimento do Aeroporto Internacional de Viracopos vão mais longe. O plano diretor prevê outras obras em períodos intercalados. Até 2005, o aeroporto terá pista de acesso aos hangares, ampliação do pátio para novo terminal, construção de acesso externo, novo parque de combustíveis, novos prédios para a administração e subestação principal de cabeceira. Para 2015, haverá ampliação de pátios, do terminal de passageiros e das vias de acesso externas, construção de dois edifícios-garagem e expansão operacional dos equipamentos da torre de controle. Também serão ampliados o sistema de telefonia e o parque de combustíveis.
O Grupo Arcel, com negócios em Campinas nas áreas de hotelaria, restaurantes, concessionárias de veículos e mercado imobiliário, vai investir de olho no aumento do fluxo de turistas. Apostará alto na ampliação do The Royal Palm Plaza Hotel, menina dos olhos do grupo há 15 anos no Município. O cinco estrelas terá a área construída triplicada para 30 mil metros quadrados, a quantidade de apartamentos saltará dos atuais 124 para 300 e o espaço destinado a convenções pulará de 700 para 2,5 mil metros quadrados. Tudo estará pronto até março do ano 2000, assegura o diretor Antônio Dias.
Além disso, o grupo liderado pelo presidente Armindo Dias inaugura em dezembro de 1999 o The Royal Palm Towers. O hotel em construção no centro da cidade terá 83 apartamentos, salas de reunião para 220 pessoas e um business-center completo para acolher executivos.
O conjunto de investimentos em diversos setores econômicos torna o clima da Grande Campinas bem mais ameno que o do Grande ABC. E não apenas devido ao baixo índice pluviométrico que presenteia com sol constante as cidades do Interior.
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