Carvão é o subproduto mais viável obtido a partir da reciclagem de resíduos da indústria moveleira do Grande ABC. O Ipei (Instituto de Pesquisas e Estudos Industriais), de São Bernardo, acaba de concluir a primeira fase do projeto de reaproveitamento das 4,2 mil toneladas mensais que o setor estima descartar na forma de pó, retalhos de chapas e de cavacos (serragem) e indicou o carvão combustível como solução econômica e ecológica mais correta. A avaliação preliminar do Ipei é de que sobrem de 30% a 35% de carvão após a queima dos resíduos pelo processo de pirólise -- sem ar. O produto pode ser usado em fornos de pequenas siderúrgicas, metalúrgicas, cerâmicas e até mesmo por indústria moveleira que utilize secagem por estufa.
Mais importante do que um subproduto de fácil comercialização, entretanto, é que a solução não gera qualquer impacto ambiental. "Os gases e alcatrão liberados na queima são reaproveitados no próprio processo e outros ácidos, como o pirolenhoso, serão tratados antes de descartados" -- relata o engenheiro Geraldo Fontana, supervisor do Centro de Pesquisas Químicas do Ipei. A notícia aliviou o presidente do Sindicato da Indústria de Móveis de São Bernardo e Região, Hermes Soncini. A destinação das montanhas de restos de madeira gerados pelos 450 fabricantes de móveis do Grande ABC é uma fenda aberta há décadas no setor. A maioria paga para retirar o lixo e desconhece o destino dado. A celulose leva pelo menos oito meses para se decompor e ser absorvida pela natureza e o pinheiro, quando queimado, gera gás carbônico e monóxido de carbono, altamente tóxicos. Aterros sanitários, onde a nova Lei de Crimes Ambientais manda descarregar o lixo industrial, praticamente não existem na região.
O projeto de reciclagem encomendado pelo sindicato segue agora para a segunda das três fases. O Ipei, co-irmão da FEI (Faculdade de Engenharia Industrial), desenvolverá planta-piloto em laboratório com mini-reator para montar a sequência das operações que resultarão em carvão combustível de baixo custo e com a menor quantidade possível de novos resíduos. Hermes Soncini revelou que a indústria cerâmica já demonstrou interesse em adquirir o carvão resultante da reciclagem e que serrarias e fabricantes de embalagens de madeira também podem aderir no fornecimento de lixo reaproveitável. O Ipei vai agora fazer estudo detalhado dos resíduos, como serão separados no processo, qual a viabilidade econômica da comercialização e como será a logística -- incluindo a escolha de local para implantação da futura usina, que é a terceira etapa. O próprio Ipei, segundo o engenheiro Geraldo Fontana, tem metodologia para retirada e transporte de material, pois trabalha com autopeças, químicas, hipermercados e indústrias mecânicas na região.
A partir de parâmetros sobre custo, tamanho da usina e capacidade de processamento o sindicato definirá como será a gestão do negócio. Duas opções são cogitadas: um pool de moveleiros assume o processo ou terceiriza para a iniciativa privada. Tudo deve se desenrolar até por volta de meados do ano 2001, prazo acertado na parceria do Ipei com a Câmara Regional do ABC por meio do grupo dos moveleiros, integrado ainda pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico de São Bernardo e pela agência local do Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). A primeira fase do projeto de reciclagem custou R$ 56 mil, 70% cobertos pelo Sebrae por meio do Patme (Programa de Apoio Tecnológico às Micro e Pequenas Empresas) em parceria com a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). O restante foi rateado entre sindicato e 22 moveleiros. A segunda fase é estimada em R$ 250 mil e na terceira provavelmente será acionado o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para financiar máquinas e equipamentos.
A partir da madeira, o Ipei chegou a oito processos de reciclagem, entre os quais obtenção de pasta de celulose, de poliuretanos (espuma) e até suporte para cultivo de cogumelos. À exceção da pirólise, todos esbarravam na geração de resíduos mais poluentes ainda ou na baixa escala que torna economicamente inviável a matéria-prima para outras aplicações. Além do carvão combustível, outra solução possível é gerar MDF, placa aglomerada de madeira bastante usada pelos moveleiros. Mas o MDF necessita de serragem homogênea para ter uniformidade e qualidade, algo impraticável com a heterogeneidade de descartes da indústria da região, citou Hermes Soncini.
Reestruturação -- Na crista de uma profunda reestruturação desencadeada com a concorrência de outros pólos moveleiros do País, a indústria de móveis do Grande ABC passa a limpo métodos gerenciais e treinamento da mão-de-obra. Desde meados do ano passado cursos para empresários e funcionários sucedem-se no Sebrae, consultorias ajudam a rever layout e formas de produção e até o renomado Cetemo (Centro Tecnológico do Mobiliário), do Rio Grande do Sul, foi acionado para capacitar trabalhadores e assessorar na melhoria de processos. Dois grupos de seis empresas já foram visitados pelo Cetemo. A expectativa da gerente do Sebrae São Bernardo, Silvana Pompermayer, é fazer o Cetemo capacitar técnicos da região como multiplicadores de conhecimentos mais modernos. Senai e ETE (Escola Técnica Estadual) Lauro Gomes já foram contatados. "É gravíssima a falta de locais na Grande São Paulo que capacitem a mão-de-obra moveleira" -- cita Silvana, que foi procurada por empresários ligados ao Sindimóvel da Capital para integrar-se ao projeto do Cetemo no Grande ABC.
Os moveleiros também inovaram com o lançamento do Certificado de Garantia de Entrega e com o SPCM (Serviço de Proteção ao Consumidor de Móveis), por meio dos quais o comprador é ressarcido se houver falha na encomenda e pode obter informações sobre os fabricantes. Para enfrentar a concorrência do boom de shoppings de móveis e decorações, fabricantes da região acabam de montar showroom no SP Market, na Capital. O setor se debruça agora na viabilização de centros de Desenvolvimento de Design e de Apoio & Difusão Tecnológica. O selo verde que a indústria persegue com o projeto de reciclagem é estratégico para vôos mais altos visando à exportação, cuja experiência é zero, já que o Grande ABC limita-se a abastecer a Região Metropolitana e a Baixada Santista. No mês passado, o setor foi indicado pela Câmara Regional para abrir uma porta de negociação com a Câmara Britânica de Comércio, interessada nos móveis locais.
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