Economia

Olhe o que nós
estamos perdendo!

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/06/1999

Ao contrário do Grande ABC, que continua virgem em matéria de turismo de eventos por conta da falta de espaço adequado à realização de grandes feiras, congressos e convenções, Curitiba já começou a tirar proveito da vertente mais promissora da chamada indústria sem chaminés. A iniciação da Capital paranaense em  negócio que movimenta US$ 83 bilhões anuais nos Estados Unidos, de acordo com pesquisa divulgada pela Association Meetings, e US$ 2,8 bilhões em São Paulo, conforme estudos da Fipe/USP (Fundação Instituto de Pesquisa da Universidade de São Paulo), deu-se com a abertura do Show Car99 -- Salão Internacional do Automóvel e Náutica. O evento marcou no mês passado a abertura do Expo Trade, o mais moderno centro de exposições do País e o número dois no quesito tamanho, com 32 mil metros quadrados de área construída em espaço total de 268 mil metros quadrados, atrás apenas do Pavilhão de Exposições do Anhembi, em São Paulo. 

Fruto de R$ 6 milhões em investimentos desembolsados pelo Royal Paraná, braço do Grupo Atacadão, o Expo Trade surge sob o signo da ousadia. Pela primeira vez um grande salão de automóveis é promovido em espaço fora do eixo Rio-São Paulo. "Faltava no Paraná um centro de exposições que justificasse a pujança do Estado" -- afirma Paulo Rubens Lima, diretor do Grupo Atacadão.  

Ironicamente, para quem vive no Grande ABC e sabe da desconexão entre antigas lideranças públicas e privadas e novas empreitadas econômico-sociais que o mundo moderno demanda, o Expo Trade entrou em cena envergando figurino que já foi o símbolo da grandiosidade regional de décadas passadas, de mercado enclausurado e de inflação maquiadora de custos inapropriados. Os 150 expositores reunidos de 20 a 30 de maio representavam amostra fidedigna da cadeia automobilística. Autopeças e fornecedoras dos mais diversos produtos e serviços como Glasurit e 3M compartilharam espaço com os últimos lançamentos de Alfa Romeu, Chrysler, Renault, Volkswagen, General Motors, Mercedes-Benz, Fiat, Volvo, Kia, Audi, Ford e outras montadoras representadas por concessionárias, além de importados como Astro Martin, Ferrari, Porsche e Subaru. 

"A feira representa ótima oportunidade de aparecer para parceiros em potencial. Não poderíamos ficar de fora" -- afirma Roberto di Fonzo, diretor comercial da Inylbra, fabricante de tapetes automotivos instalada há 30 anos no Grande ABC e com filial recentemente erguida em São José dos Pinhais para atender a pedidos da Volkswagen/Audi, além de uma unidade em preparação na planta gaúcha da General Motors em Gravataí. Em meio à diversidade de autopeças, montadoras e importadoras, havia espaço reservado para dezenas de carros antigos expostos por três associações de apreciadores. Ao todo, foram 1,2 mil produtos exibidos para 200 mil visitantes, que geraram negócios estimados em R$ 25 milhões -- o Show Car tornou-se o primeiro salão automobilístico brasileiro em que os produtos também estavam à venda. 

Lideranças públicas e privadas do Grande ABC que eventualmente estejam inclinadas a criar um grande centro de exposições precisam saber que, nesse mercado, tradição conta mais do que qualquer outro aspecto para o sucesso do negócio. Portanto, é indispensável ter paciência e perseverança para colher frutos a longo prazo. Tanto que o evento inaugural foi promovido pelo próprio Expo Trade na figura do executivo Dinho Abud, porque os diretores não conseguiram convencer grandes promotoras a comprar a idéia de um salão automobilístico em pavilhão novato e fora do tradicional eixo Rio-São Paulo. 

"A primeira edição de um evento é sempre de risco; é como desbravar novo nicho de mercado. A partir daí, os outros se vendem automaticamente. Vamos transformar o Show Car em evento permanente, de periodicidade anual" -- aposta Dinho Abud. Ele revela que o Royal Paraná investiu mais de R$ 600 mil na materialização do Show Car99, valor que inclui da montagem dos estandes aos gastos com publicidade.


Agenda cresce -- O diretor do Grupo Atacadão, Paulo Rubens Lima, lembra que a escolha do segmento automotivo para inaugurar o Expo Trade não poderia ser mais adequada, num momento em que o Paraná se consolida como segundo pólo automotivo do País. No entanto, a pluralidade setorial do empreendimento pode ser atestada na agenda de eventos desenrolada a partir do Show Car99. Em agosto, a Latin Event, promotora argentina radicada em Blumenau, Santa Catarina, realizará duas feiras no Expo Trade: a SulSec99 -- Feira Internacional de Segurança e a SulClean -- Feira Internacional de Produtos, Máquinas e Equipamentos para Limpeza Institucional.

Em setembro o Expo Trade recepciona a maior feira de turismo do Hemisfério Sul, a Abav99, promovida pela Associação Brasileira dos Agentes de Viagem, com mil expositores e previsão de 20 mil visitantes. Em 21 de outubro, o espaço acolhe a etapa paranaense da British Education99, feira itinerante que percorrerá também São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. A British Education99 contará com 75 estandes de escolas e universidades da Grã-Bretanha para representar o sistema educacional inglês, com opções que vão de cursos de aperfeiçoamento na língua de Shakespeare a doutorados, mestrados, MBAs, graduação e pós-graduação. 

Em novembro a promotora Latin Event tem agendada feira de lojas de conveniência e franquias, e para o ano 2000 pelo menos três eventos já estão programados: o Hospital do Pequeno Príncipe realizará o Criança 2000, megaevento que prevê participação de mais de cinco mil médicos; a Hannovers Fairs promoverá a Femade 2000, exposição do setor madeireiro; enquanto o Grupo Iman, que desde 1981 realiza feiras industriais e no ano passado passou a analisar a viabilidade do lançamento de feiras em outros setores, decidiu realizar em junho do ano que vem a Feira de Esportes. Tudo no Expo Trade. 

Os executivos do Royal Paraná apostaram no Expo Trade apoiados em constatação que deveria ser referência a lideranças do Grande ABC: a infra-estrutura brasileira é insuficiente para fazer frente ao verdadeiro caldeirão em ebulição representado pelo mercado de feiras, congressos e exposições no Brasil. A chegada maciça de grandes grupos promotores internacionais está turbinando o setor, a exemplo do que aconteceu com diversas outras atividades da economia brasileira com o fenômeno da globalização, do varejo à indústria automobilística. 

Já se sabe que é equivocado o argumento segundo o qual um grande pavilhão de exposições seria financeiramente inviável no Grande ABC devido à vizinhança com o Anhembi e o Expo Center Norte. Afinal, justamente por estar próximo de concorrentes tradicionais que vivem de agenda cheia, com grandes promotores disputando espaço, é que um Expo Trade no Grande ABC seria beneficiado por demanda natural da Capital e da região e teria todas as possibilidades de emplacar, como disseram especialistas trazidos ao 1º Workshop de Turismo promovido em fins de 98 pela Câmara Regional.

Grandes pavilhões deslocados do eixo Rio-São Paulo assumem forma de bom negócio principalmente quando observados sob visão prospectiva, de como o mercado se comporta nos países mais avançados, de maior tradição em promoção de grandes eventos. Na Alemanha, onde são promovidas 120 feiras internacionais por ano e que atraem seis milhões de visitantes estrangeiros -- o Brasil recebeu cerca de dois milhões de turistas durante todo o ano passado --, as maiores feiras de informática, telecomunicações e máquinas e ferramentas são realizadas em Hannover, cidade de 450 mil habitantes relativamente pequena se comparada a Berlim, com 2,5 milhões de habitantes, Hamburgo, com três milhões, e Frankfurt, Colonia e Dusseldorf, com cerca de 700 mil habitantes cada. "Essa história de só querer promover feiras em grandes cidades é visão um tanto limitada. A descentralização proporciona ao expositor, e também aos visitantes, condições de melhor aproveitamento das feiras" -- afirma Constantino Baumle, diretor da promotora Messe Hannovers.  


Seriedade -- Jogam muito a favor do desenvolvimento do Expo Trade -- e devem servir de benchmarking -- a seriedade e o profissionalismo com os quais o empreendimento foi estabelecido. Dos R$ 6 milhões desembolsados na reforma do prédio que o Grupo Atacadão comprou da C&A em 1990, boa parte foi investida em sistemas avançados de telefonia, eletricidade e hidráulica. O Expo Trade tem capacidade para até 300 ramais telefônicos sem prejuízo da qualidade das ligações. A capacidade energética, inclusos dois geradores próprios que mantêm o pavilhão iluminado mesmo com queda generalizada de força, é de três mil KVAs, suficiente para iluminar uma cidade de 25 mil habitantes.

Faltar água é praticamente impossível, uma vez que as duas caixas contêm 180 mil litros, equivalentes a mais de 10 caminhões-pipa. A temperatura ambiente é mantida com forro instalado a 2,5 metros do teto para isolar o calor nos dias mais quentes. O pavilhão também está equipado com infra-estrutura de ar comprimido, necessária para expositores de máquinas, por exemplo e a composição dos estandes é facilitada com os pontos elétricos a seis metros de distância um do outro.

Também converge para o sucesso do empreendimento a composição física modular que lhe permite acolher, ao mesmo tempo ou não, exposições dos mais variados portes. Os 28.960 metros quadrados de área de feira, do total de 32 mil metros quadrados de área construída que incluem ainda hall de entrada e bilheteria com 864 metros quadrados e mezanino com dois auditórios para 300 pessoas cada e um centro de convenções, podem ser utilizados na totalidade, como no caso do Show Car99, ou separadamente. O Bloco A tem 8.208 metros quadrados, o Bloco B tem 6.180 metros quadrados e o C conta com 12.240 metros quadrados. Cada módulo possui acessos de público e cais para carga e descarga independentes, cuja capacidade total suporta movimento de até 22 caminhões simultaneamente. O estacionamento tem 46.268 metros quadrados. O Expo Trade está bem localizado, a nove quilômetros do centro de Curitiba, a oito quilômetros do Aeroporto Internacional Afonso Pena, encostado no Carrefour, próximo ao Macro e em uma região que os executivos do Royal Paraná definem como o epicentro do Mercosul.

A importância do Expo Trade é exaltada por autoridades e personalidades do Paraná. O secretário de Turismo do Estado do Paraná, Ney Leprevost Neto, que participou com jornalistas de todo o País do pré-lançamento da feira da Associação Brasileira de Agentes de Viagem, lembrou que o turismo de eventos é muito bem-vindo por ser ainda mais lucrativo que o turismo de passeio. "Enquanto o turista de passeio gasta em média R$ 80 por dia, o turista de eventos desembolsa R$ 250. E ainda exige nota fiscal, gerando arrecadação para o Município e o Estado" -- afirmou. O presidente da Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), José Carlos de Carvalho, lembra que o crescimento econômico do Estado, que nos últimos três anos e meio recebeu US$ 14,5 bilhões em investimentos diretos, torna natural a expansão do setor de serviços no qual o Expo Trade está inserido. 

O turismo de eventos tem enorme capacidade de vitaminar a economia por estar entrelaçado com diversos segmentos produtivos e de serviços. Estudos técnicos indicam que a indústria do turismo movimenta nada menos que 52 setores, entre os quais agências de viagens, taxistas, organizadores de eventos, fornecedores de sistemas de som, tradução simultânea, gráficas, bares, restaurantes, empresas de transportes e hotéis, entre muitos outros.


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