Economia

União selada
na dose certa

TUGA MARTINS - 05/07/1999

Marketing e consolidação de marcas são os vetores que fomentam a desenvoltura da Bacardi-Martini em todo o mundo. Depois de sete anos da fusão internacional dos ícones do rum e do vermute, a companhia brasileira brinda a estabilização do mercado e projeta para este ano faturamento de US$ 60 milhões. Com duas unidades produtivas instaladas no Brasil, uma em São Bernardo para fabricação de vermutes e destilados e outra em Garibaldi, no Rio Grande do Sul, para produção de vinhos, a Bacardi-Martini chega a destinar US$ 14 milhões por ano para publicidade e promoção das 22 marcas e 40 tipos de bebida que coloca no mercado. 

"A Bacardi-Martini está em 180 países ao redor do mundo e investe pesado na construção e crescimento de marcas. Somos a empresa de bebidas, sem mencionar as de cerveja e refrigerantes, que mais se utiliza de propaganda" -- menciona o presidente da companhia brasileira, Paulo Serra. E fazer propaganda de bebida alcoólica requer habilidade. As restrições são as mais variadas. Para se ter idéia, não é permitido atrelar imagem de pessoa muito jovem aos drinks nem tampouco usar sex-appeal. Isso sem mencionar que na TV a veiculação de anúncios só é permitida após 21h.

Além da rigidez da legislação sobre a publicidade, as indústrias de bebidas alcoólicas enfrentam tributação difícil de engolir. Numa garrafa, em média 45% do valor é imposto, 40% insumo e 15% produção. Mesmo assim, investir em boas marcas compensa. Na rota de nomes que rompem fronteiras, a empresa comprou há seis meses as marcas Dewars, uísque nas versões White Label e 12 Years, líder de vendas no mercado americano e Bombay Sapphire Dry Gin. Em ambas aposta na tradição. Ainda neste mês lança em free-shops dos quatro cantos do mundo o Bacardi-8, brandy produzido com a tecnologia do rum oito anos. "Os free-shops são a porta de entrada para todos os países. Nosso público alvo passa obrigatoriamente por muitos" -- afirma Serra. 

Bom exemplo do êxito de lançamentos recentes é o Bacardi Limon. Após os primeiros três anos alcança a marca de um milhão de caixas só nos Estados Unidos. Por aqui, as vendas do produto chegaram a 90 mil caixas no último ano. No entanto, os obstáculos legais nada significam diante da concorrência desleal do mercado de bebidas. A companhia é obrigada a enfrentar plágios de marcas e produtos que dividem de igual para igual as prateleiras. Uma das providências tomadas este ano foi a mudança do design das garrafas de vermutes, que ficaram mais ovaladas. "Com formato diferenciado o consumidor corre menos risco de ser ludibriado" -- sublinha o presidente.


Caipiríssima -- Sobre área de 51,8 mil metros quadrados, metade construída, a fábrica de São Bernardo tem alcançado anualmente produção de 10 milhões de garrafas na linha Martini e cinco milhões de garrafas de rum Bacardi. Os números são resultados de apenas 60% da capacidade instalada. A empresa tem operado a meia carga, seguindo o ritmo de retração no consumo de bebidas.

Mas a timidez brasileira frente aos drinks não transparece nos índices apresentados pelo instituto internacional de pesquisa ACNielsen. No País são consumidas oficialmente 700 milhões de doses de rum e vodca e sete bilhões de doses de pinga por ano. É o xodó brasileiro pelas caipirinhas, caipiríssimas e caipiroscas. As caipiríssimas levam rum à mistura consagrada de gelo, açúcar e limão. Anualmente a empresa supre a América Latina com 10 mil caixas de rum Bacardi, que divide  a medalha de carro-chefe da companhia com o Martini Bianco.

Além das fórmulas herbáceas, extratos, álcool e outros componentes, a Bacardi-Martini depende, e muito, de água para sua produção. A água passa por completo processo de desmineralização. O consumo chega a 100 mil litros por dia. Para suprir essa necessidade, a empresa conta com cinco poços artesianos, que no início da produção não aprofundavam mais que 40 metros. Em razão da impermeabilização realizada, atingem hoje 284 metros abaixo do solo. "Temos água suficiente para a produção, manutenção e limpeza" -- garante o supervisor administrativo da fábrica de São Bernardo, Antônio Guerra. O consumo de açúcar não fica atrás. A cada mês, 150 mil quilos adoçam o paladar das bebidas.

A mistura das ervas para produção dos vermutes é segredo inviolável guardado pela Tradall, empresa suíça pertencente ao Grupo Bacardi-Martini. A fórmula é padronizada e distribuída para todo o mundo, o que garante sabor uniforme. Mais de 70 tipos de ervas são combinados para cada produto. Só no licor Strega são usadas 60 espécies. A fábrica de São Bernardo responde pela conservação e maceração das ervas vindas da Suíça para toda a América Latina. A produção de extratos é de seis mil litros a cada duas prensagens. A qualidade dos produtos utilizados na formulação das bebidas é controlada por laboratório, que atenta para graduação alcoólica e coloração com equipamentos de última geração. O cromatógrafo, que no mercado é encontrado pela bagatela de US$ 50 mil, faz verdadeira radiografia do álcool.

Com capacidade para produzir três milhões de caixas de bebidas por ano, a Bacardi-Martini de São Bernardo conta com três linhas de engarrafamento. Uma para vermutes com capacidade de 12 mil garrafas por hora; outra para uísque, vodca e licores, que suporta sete mil garrafas por hora; e a terceira para rum e vodca, que envasa nove mil garrafas a cada 60 minutos. Nos galpões da fábrica é possível armazenar 400 mil caixas de produtos, que do Grande ABC são distribuídos para quase todo o País. As exceções são Rio Grande do Sul, que conta com a distribuição a partir de Garibaldi, e Nordeste, que recebe de Recife. A distribuição mensal é de 300 mil caixas para todo o Brasil.

Mesmo aos avessos à bebida alcoólica, é impossível não conhecer pelo menos um dos itens da lista de produtos Bacardi-Martini. Fora o rum Bacardi nas versões Carta Blanca, Carta de Oro, Premium Black, Solera e Limon, e a linha de vermutes Martini Bianco, Rosso, Dry e Rosé, os vinhos Baron de Lantier e Chateau Duvalier, bem como o espumante De Gréville, são velhos conhecidos nas gôndolas de supermercados brasileiros e no mercado internacional. A exportação dos vinhos para Japão e até França ainda é modesta: 20 mil caixas por ano. A pretensão é dobrar. St. Raphael, Licor Bénédictine, Tillers Natasha e Baikal também são marcas conhecidas da empresa.

O processamento das bebidas antes do engarrafamento é feito em tanques de concreto e aço-carbono. Na fábrica de São Bernardo são 55 tanques com capacidades individuais que variam de 100 mil a 500 mil litros. Câmara frigorífica com quatro tanques de 100 mil litros cada zela pela estabilização dos produtos, que chegam a ficar sete dias à temperatura de cinco graus negativos.


Tradição e história -- Os traços de modernidade impressos na linha de produção da Bacardi-Martini contrastam com a cultura empresarial de preservar a própria história. As paredes trazem estampadas relíquias que remontam a saga das indústrias mesmo antes da fusão em 1992. A velha tesoura que cortava os selos fiscais e o disco de carnaúba com o primeiro jingle publicitário foram enquadrados, assim como uma folha do primeiro talão de notas e outra do talão de pedidos. A antiga prensa manual de ervas decora o espaço reservado a confraternizações. À entrada da fábrica, o velho destilador de cobre resiste ao tempo junto ao jardim. O destilador pertenceu à inglesa Gin Gordon, foi depois adquirido pela Bacardi, que o levou para a fábrica de Recife. Com a venda da fábrica pernambucana, o equipamento voltou para São Bernardo.

A preservação dos primórdios não se limita a objetos. Maior exemplo humano é o diretor técnico da fábrica Enrico Berti, que encontrou em 1957 o primeiro trabalho na Martini & Rossi do Brasil, à época ainda instalada em velho galpão no Cambuci, em São Paulo. Ele veio da Itália como enólogo e foi contratado como auxiliar de laboratório na empresa. "A companhia quer do funcionário paixão e dedicação, só não fica quem não quer" -- defende Berti.

Maior prova de que o turnover sempre esteve em baixa na empresa é a média de 10 anos dos nomes constantes da folha de pagamento. Com 260 funcionários -- 80 na fábrica de São Bernardo --, a preocupação da empresa com o bem-estar dos trabalhadores vai além dos benefícios normais. É uma das poucas organizações que mantêm o 14º salário. Seguro de vida e plano de saúde são fornecidos, assim como programa de alfabetização, treinamento de capacitação e cursos no Exterior.

O perfil humanitário da Bacardi-Martini extrapola o quadro funcional. "A responsabilidade social faz parte da política internacional da empresa" -- afirma o presidente Paulo Serra. Ele discorre que esse compromisso parte do pagamento de impostos, passa pela seguridade dos funcionários e se estende até a participação comunitária. No ano passado, a companhia doou cerca de 40 computadores para a Prefeitura de São Bernardo, que foram destinados às escolas municipais. Duas vezes por ano supre algumas escolas próximas com material escolar básico e planeja para outubro lembrar dos professores das escolas vizinhas. Com a revogação da obrigatoriedade do kit de primeiros-socorros nos veículos, a empresa passou a coletar os estojos com destino à AACD (Associação de Assistência à Criança Defeituosa). Em duas semanas de campanha, arrecadou 600 kits.

A companhia ainda abre as portas para profissionais da área de alimentação e bebidas. Maitres e barmen costumam visitar as instalações e receber informações sobre o melhor uso dos produtos. "É mais uma investida de marketing da empresa" -- destaca o supervisor Antônio Guerra. Porém, nenhuma propaganda vale mais que a herança dos bons nomes da Bacardi-Martini. Mesmo quando eram concorrentes, as empresas já fincavam o desenvolvimento na qualidade do produto, da companhia e dos funcionários. A receita não tem erro.


Bebida dos piratas -- A história tanto da Bacardi quanto da Martini & Rossi tem início em momentos praticamente simultâneos. As duas foram fundadas na metade do século XIX e traziam fórmula secreta de produção de bebidas. Ainda em comum, as companhias não demoraram muito a conquistar o mercado mundial. A Bacardi saiu um pouco à frente. Verifica-se ainda coincidência de modelo empresarial familiar no controle das organizações. Depois da fusão, a empresa optou por estrutura profissional de comando.

A trajetória da Bacardi começa em 1838 quando o espanhol Facundo Bacardi y Maso desembarcou em Cuba fugindo dos rescaldos da guerra de Napoleão Bonaparte. Escolheu Santiago, área agrícola com invejável produção de cana-de-açúcar, para iniciar a produção de rum. Naquela época, a conhecida bebida dos piratas era feita nas ilhas caribenhas. Para diferenciar seu produto, que refinou o drink popularesco, rotulou pela primeira vez a garrafa com um morcego. O símbolo facilitava a identificação pela população cubana, majoritariamente analfabeta na época. Até os dias atuais a logomarca é considerada ideal para romper limites idiomáticos.

A reputação do rum Bacardi foi consagrada em 1876 durante a Exibição Centenária da Filadélfia, mesmo evento em que Alexander Graham Bell apresentou o telefone. A empresa não só assistiu como também contribuiu para a independência cubana. Iniciou o século XX com as vendas em alta até a década de 20, quando a lei seca norte-americana dilacerou o mercado. A escassez de drinks nos Estados Unidos transformou Cuba em rota certa de férias e a Bacardi pôde celebrar os anos de ouro dos coquetéis.

Em 1958, às vésperas da revolução cubana, a Bacardi decidiu transferir-se para Nassau, nas Bahamas. Assim que Fidel Castro assumiu o poder, os ativos da empresa, avaliados à época em US$ 76 milhões, foram confiscados. Na antiga destilaria da Bacardi funciona hoje o Havana Clube. Nesse período, a companhia já edificava a fábrica de Recife, em Pernambuco. A produção nacional começou em 1962 em área de 224 mil metros quadrados próxima à praia de Boa Viagem.

As memórias da Martini & Rossi começam em 1847 na Itália, na região do Piemonte, onde flores silvestres e ervas aromáticas crescem nas montanhas e as uvas nas planícies. Ingredientes básicos para a fabricação do vermute. Dos ideais de Luigi Rossi nascia a Distilleria Nazionale di Spirito da Vino, que em pouco tempo despertou o interesse de Alessandro Martini. Em pouco tempo surgiu a Martini & Rossi. 

Logo a marca de vermute ganhou o mundo. A diversificação de produtos começou em meados de 1870. No Brasil a empresa chegou em 1950. Mudou-se de São Paulo para São Bernardo em 1958, quando a avenida Caminho do Mar, em Rudge Ramos, acolhia nada além de poucas casas. Fotos desde a compra do terreno até a ampliação para receber a produção da Bacardi formam formidável galeria cronológica. É mais uma prova de que a força da imagem não raras vezes sobrepõe-se às palavras.


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