A partir de texto de minha autoria publicado no "CapitalSocial” sobre a importância da UFABC para a região, e do contraponto do jornalista Daniel Lima, dou continuidade ao debate sobre um tema que considero vital para o futuro do Grande ABC.
A primeira grande questão que considero central no debate é o papel da Universidade e sua relação com as demandas empresariais, ou do capital. Os termos "produtividade, desenvolvimento econômico, competitividade, desigualdade social, empreendedorismo, Custo ABC (...)" apontam, em geral, para isso, com a óbvia exceção da desigualdade.
Uma segunda questão, relacionada diretamente com a anterior, é a relação de baixa intensidade da Universidade com o Grande ABC. Comecemos pelo primeiro.
O equívoco original se estabelece quando a formatação da instituição obedece aos interesses empresariais, ou, de outra forma, serve de suporte às necessidades do capital. Há uma diferenciação essencial que são os interesses públicos e os privados. A UFABC, por óbvio, deve se curvar às necessidades e demandas sociais.
Interesses privados
Texto recentemente publicado no site Undark, (revista digital, sem fins lucrativos que explora a interseção entre ciência e sociedade) mostra os desvios provocados nos resultados das pesquisas científicas na área da alimentação/nutrição. Pergunta o texto: “Numerosos estudos sugerem que conflitos de interesse são prejudiciais à ciência nutricional. Mas com financiamento federal em falta, o que um pesquisador deve fazer?
A resposta é óbvia: estudos financiados pelas empresas do ramo mostram que açúcar e refrigerantes, por exemplo, fazem bem à saúde. Ao contrário, pesquisas financiadas pelo Estado apontam exatamente o contrário[1]. A submissão das atividades aos financiadores deturpa os resultados da pesquisa e criam um ambiente de confusão científica, certamente maléfica para o bem comum. Não se trata de identificar mocinhos ou bandidos, mas simplesmente em reconhecer que os objetivos esperados são reconhecidamente divergentes.
Crescimento do capital
Não existe a máxima preconizada pelo liberalismo de que se o capital vai bem a sociedade também. Basta observar que a linha de crescimento dos lucros das grandes corporações no Brasil e no mundo, após a crise do subprime de 2007/2008, foi amplamente superior aos rendimentos do trabalho.
A UFABC, bem como nenhuma outra universidade no Brasil, deve estar à serviço ou subordinada aos interesses privados. Uma pergunta, no entanto, fica sem resposta: por que o empresariado local não busca relação e apoio nas universidades e faculdades privadas?
A resposta é simples: educação é um investimento de alto custo e as privadas se preocupam em, no máximo, formar quadros laborais. Pesquisa e extensão, quando existem, são limitadas e de baixa qualificação.
Conquista civilizatória
Nesses estabelecimentos de ensino predomina o “aulismo”, que é a atividade econômica possível resultante da equação entre mensalidades mais baixas (energizadas por bolsas públicas - Fies e Prouni) e corpo docente mal remunerado. Nessa contabilidade que ainda incorpora a remuneração dos investimentos dos empresários do ramo, sobra muito pouco para pesquisa e extensão.
Por isso os olhos das atividades econômicas produtivas e de circulação se voltam para as universidades públicas, cuja produção de tecnologia e conhecimento é infinitamente superior aos resultados das instituições privadas.
Sendo assim, é importante frisar que a produção de conhecimento é uma conquista civilizatória, de toda a sociedade e seu foco está nos interesses e necessidades sociais coletivos e difusos e não privados.
Uma outra questão central no debate é a baixa intensidade na integração da UFABC com a região. Concordo que essa relação precisa ser aprimorada e aprofundada, mas cabe uma leitura mais acurada das origens desse distanciamento.
A questão da regionalidade veio com os governos do PT, especialmente Celso Daniel nos anos 1990 e 2000. Não foi fácil retirar os prefeitos e Câmaras Municipais de seus quadradinhos de poder, elaborar propostas regionais e, principalmente, aplicá-las. A tarefa andou a passos lentos, mas andou. Gerou frutos e, mais do que isso, chacoalhou corações e mentes para uma nova forma de ação do poder público que extravasasse as fronteiras políticas e demarcatórias municipais.
Esvaziamento regional
O que se observa hoje com um crescente de vitórias eleitorais de governos de centro e direita? Vejam o caso de Rio Grande da Serra e Diadema, com suas posições isolacionistas, agora acompanhadas de São Caetano do Sul.
Vivemos um gradual e sequente esvaziamento dos fóruns de discussão de temas eminentemente regionais e de políticas públicas coletivas. Os prefeitos mantêm uma pauta de discussão numa mão, mas, ao mesmo tempo, retiram os recursos aplicados esvaziando as possibilidades de integração e avanço com a outra.
O caminho da regionalidade foi sendo substituído pelo chauvinismo mais tosco e bruto e a síntese maior deste movimento é a eleição de Jair Bolsonaro para presidente. Vale lembrar que não estamos sós. Uma onda conservadora se abate mundo afora que aponta seus dedos em forma de arma para os segmentos mais vulneráveis da sociedade, além do discurso de Estado mínimo e redução de investimentos sociais.
O que esperar da UFABC nesse contexto? Que ela construa uma unidade regional que a política, seus representantes e as eleições não construíram? Seria pedir demais e nem é papel dela navegar por essa seara.
Somente uma mudança profunda na linha política regional poderia gerar uma nova coalizão de interesses e, a partir deles, buscar ampliar as relações com a UFABC e demais unidades universitárias da região.
Os prefeitos e as câmaras municipais têm a obrigação de buscar a regionalidade, não o contrário.
(*) Professor da Fundação Santo André
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