Celso Torii nasceu no Brasil. Cresceu e foi educado no maior país da América Latina. Formou-se em Engenharia Mecânica Automobilística na FEI (Faculdade de Engenharia Industrial de São Bernardo) e mora em Santo André. Mas não é mais cidadão exclusivamente do Grande ABC ou brasileiro. Três anos de residência na Suécia, convivência com cultura diferente e trabalho em ambiente de tecnologia avançada, entre 1991 e 1993, mudaram sua forma de ver e interpretar o mundo. Antes da permanência na Europa ele entendia a vida de um único jeito -- o brasileiro. Na Suécia, comparou diferenças entre países, continentes e etnias. Recebeu influências, trocou conhecimentos, ampliou o campo do olhar. Tornou-se cidadão global. Resultado: aos 42 anos, sente-se apto hoje a propor soluções que conciliem culturas.
Gerente de Marketing de Pós-Vendas da fábrica da Scania Latin America em São Bernardo, Celso Torii integra o clube (ainda) fechado dos executivos globais que começam a despontar nas grandes companhias instaladas no Brasil. O convite para morar, estudar e trabalhar por três anos na Suécia, onde fica a matriz da Scania, foi oportunidade oferecida pela montadora que ele soube aproveitar bem. Torii aprendeu a aplicar conhecimento global no negócio de ônibus e caminhões pesados, adaptando conceitos europeus aos mercados regionais da América Latina. E é esse mesmo o sentido da globalização: desfazer fronteiras e interligar continentes.
Comprada em agosto pela ex-concorrente Volvo, em negociação que envolveu entre US$ 6 bilhões e US$ 7 bilhões, e com 2,1 mil funcionários, a Scania investe só no Brasil mais de US$ 1 milhão/ano em dois programas de expatriação de executivos e técnicos que têm como objetivo globalizar mentes. Os programas se diferem principalmente no quesito duração. O que atende executivos exige entre dois e cinco anos de disponibilidade para morar no Exterior -- mais especificamente na Suécia, México ou Argentina, onde a marca tem fábricas. O programa dirigido aos engenheiros e técnicos pode ser concluído no máximo em um ano. Profissionais convidados a residir no Exterior deixam o Brasil com uma bagagem de promessas. Retornam com malas recheadas de conhecimentos e conceitos que tornam a organização mais ágil, moderna e competitiva.
No momento há 11 profissionais da fábrica de São Bernardo residindo em unidades da Scania na Suécia, México e Argentina. Foram indicados por superiores que enxergaram no seu desempenho profissional e pessoal características de líderes que precisam ser incentivadas, valorizadas e preservadas pela empresa. Desde que foi implantado, em 1994, o intercâmbio beneficiou 26 brasileiros. São trabalhadores com capacidade para empreender, antecipar, coordenar, envolver equipes e reagir com qualidade mesmo sob forte pressão. Como o programa tem mão dupla, a fábrica de São Bernardo repassa atualmente conhecimento para 14 executivos e técnicos da matriz sueca e outros quatro da filial argentina.
Global e local -- A Scania leva tão a sério os programas de expatriação que todo início de ano solicita aos diretores e gerentes que cada um indique um ou dois funcionários que mereçam ser contemplados com experiência internacional. É dessa lista que saem os futuros executivos, técnicos e engenheiros globais. "Os resultados dos programas são fantásticos. Tanto para a corporação quanto para os profissionais" -- diz Luís Antonio Secol, diretor de Recursos Humanos da Scania Latin America. Sósia e xará do técnico do Palmeiras, Luiz Felipe Scolari, com quem é frequentemente confundido, Secol enfatiza o ganho da montadora: "A experiência internacional ensina a aplicar conteúdo global na ação local. Globalizar significa entender inter-relações e negócios entre países. O mundo é um imenso mercado. Essa nova visão é necessária ao executivo".
Profissional que iniciou carreira na própria Scania em 1973, mas teve passagens pelas áreas de Recursos Humanos da Rhodia e Johnson & Johnsons entre 1981 e 1996, Secol também integra o rol dos executivos globais. Não precisou fazer programa de expatriação porque sua experiência foi vivida em diferentes ambientes de trabalho e viagens internacionais de negócios. Na Rhodia, absorveu a cultura dos franceses e aprendeu muito sobre química e têxteis, entre outros segmentos explorados pelo grupo Rhône-Poulenc. Na Johnson & Johnsons bebeu na fonte dos norte-americanos e conheceu meandros da indústria de consumo pessoal. A tudo isso Secol soma conceitos desenvolvidos em reuniões de cúpula na matriz da Scania, na Suécia.
"É fundamental manter a cabeça sempre aberta porque a vida é aprendizado permanente" -- diz o executivo, que acrescenta: "Todo negócio intercontinental depende do conhecimento profundo das diferenças culturais e do uso de linguagem padronizada para se expandir". O diretor de Recursos Humanos da Scania Latin America lembra que em passado recente funcionários de outras plantas consideravam-se mais produtivos porque desconheciam o que se passava nas demais unidades. "Com o programa de expatriação, que custa muito pouco pelo que proporciona, todos ficaram sabendo que as fábricas têm a mesma importância e tecnologia para o bom desempenho global da companhia. Acabaram-se as diferenças e nasceu espírito de cooperação benéfico, pois nos torna mais produtivos e competitivos" -- enfatiza.
Profissionais com conhecimento global do negócio têm mais facilidade para propor soluções voltadas a mercados locais. Isso faz sentido porque o objetivo da Scania é integrar cada vez mais executivos, técnicos e engenheiros em torno de produtos comuns para todos os mercados. Importante é enxergar o todo e perceber especificidades que precisam ser atendidas. Para evitar acidentes nas esburacadas rodovias brasileiras é preciso desenvolver reforços nas estruturas e sistemas de amortecedores dos veículos produzidos no País. Esse é um lado da questão, mas não é tudo. Recentemente a Scania Latin America transferiu parte da montagem de ônibus de São Bernardo para a fábrica do México. Isso significa que a linha do país azteca também terá que manufaturar e exportar veículos apropriados para as condições brasileiras. Outra questão relevante é que os profissionais precisam conhecer e absorver diferenças às vezes radicais entre legislações e sindicalismo em países de um mesmo bloco cultural.
Cobertura total -- Funcionário escalado para um dos programas de expatriação não precisa se preocupar com nada. Os casados ficam em residências mobiliadas e têm escola e plano de saúde garantidos para toda a família. Para evitar problemas com adaptação, a montadora permite que o casal e filhos façam visita de uma semana ao país onde irão se fixar. Além disso, paga curso de inglês para que sejam superadas barreiras de idioma nos contatos com executivos globalizados.
Solteiros podem optar por flats ou hotéis e têm direito de fazer pelo menos uma viagem ao País de origem com despesas pagas pela montadora. A Scania disponibiliza ajuda de custo e coloca carro à disposição em tempo integral para que o funcionário tenha facilidade de locomoção. Na Suécia, os brasileiros costumam hospedar-se em edifício de apartamentos adquirido pela montadora exclusivamente para essa finalidade. Os expatriados que vêm para o Brasil ficam alojados em apartamentos alugados nos bairros de Moema e Campo Belo, em São Paulo, e são conduzidos diariamente à fábrica de São Bernardo.
Luís Antonio Secol afirma que experiência internacional não significa imediata promoção profissional no retorno ao Brasil, mas garante que isso é inevitável. "Se não aproveitarmos bem nosso funcionário global, que é um investimento importante, o mercado saberá fazer bom uso dele" -- afirma. Secol sabe que funcionário que se dispõe a morar temporariamente no Exterior retorna ao Brasil convicto de que será recompensado com cargo e salários mais altos. Não poderia ser diferente. Por isso, uma providência tomada pela empresa toda vez que um trabalhador brasileiro conclui programa de expatriação é checar a possibilidade de realizar remanejamentos. "Não é fácil. Para se ajustar uma peça é preciso quase sempre mexer em outras 15" -- analisa o executivo.
Sobre os suecos que periodicamente fazem estágios em São Bernardo, Secol garante que acabam surpresos quando percebem que estão num País moderno, que expõe avanços tecnológicos e culturais. "Nosso único problema é a violência. Os estrangeiros costumam ficar assustados com o noticiário dos jornais e das TVs e também com o que vêem nas ruas. Por isso têm pedido atenção especial da empresa no item segurança" -- observa o diretor de Recursos Humanos.
Cabeças globais -- Luís Antonio Madureira, brasileiro, 43 anos, gerente de Informática, é o único executivo da Scania Latin America que integra o board mundial de informática da companhia. Em maio do ano passado ele foi expatriado para a Suécia e ficou um semestre fora do País. "Nos primeiros três meses realizei trabalhos em conjunto com o staff de informática da Scania mundial. No período seguinte operei dentro dos fornecedores do nosso sistema, para conhecer detalhadamente todo o processo. Foi uma grande experiência. Morei com esposa e três filhos num país diferente e aprendemos muito sobre a cultura sueca. Agora estou apto a comandar o processo de implantação, controle e manutenção de sistemas de informática interligando a Scania Latin America ao restante das unidades mundiais" -- diz Madureira.
O gerente de Informática afirma que chegou a temer pelos resultados da viagem à Suécia. Os filhos -- um rapaz e duas moças de 16, 18 e 19 anos -- não se empolgaram com a idéia de trocar provisoriamente o Brasil por um país de clima frio e relações humanas mais formais. "A Scania nos deu muito apoio e isso foi imprescindível para que os meninos se adaptassem. Acabaram gostando tanto que fizeram amigos, um dos quais planeja passar férias em nossa casa, no Brasil. Minha esposa e os filhos também se tornaram pessoas globais, o que abriu novas perspectivas para a família. Existe agora disposição maior para novas experiências internacionais" -- relata o executivo, que a cada três meses viaja à Suécia para participar de reuniões da cúpula de Informática da montadora.
Na Scania, todas as áreas estão informatizadas. Do desenvolvimento de produtos à distribuição para a rede de concessionários, passando pelos departamentos de compras e logística, tudo é comandado pelos computadores. Madureira acaba de concluir com sua equipe a operação que livra as fábricas da Scania Latin America no Brasil, Argentina e México do risco de serem surpreendidas pelo bug do milênio. O programa consumiu US$ 780 mil nos últimos três anos.
Celso Torii, gerente de Marketing e Pós-Vendas para a América Latina, teve mais problemas que Madureira para adaptar-se à vida na Suécia porque permaneceu mais tempo na Europa. "Ganhei como profissional e como pessoa. Não apenas conheci, mas entendi a cultura sueca. Agora posso enxergar um mundo mais amplo. Enquanto no Brasil estamos pensando em preservar a natureza, os suecos vivem os benefícios de políticas preservacionistas bem sucedidas. Lá a cidadania é mais aflorada e a consciência de que todos devem se empenhar pelo bem comum está disseminada na população" -- diz o executivo.
Não foram fáceis os primeiros meses de Torii na Suécia. Acompanhado da mulher e da filha que tinha então um ano e meio, o executivo percebeu de início que não poderia se comportar simplesmente como brasileiro em ambiente que conta com outros valores. "Na verdade tive que virar sueco, comer o que o sueco come e beber o que o sueco bebe. O cardápio tem muita batata e carnes de peixe e porco. Quase não se come frutas. O mamão papaya, que se acha em qualquer esquina no Brasil, é caríssimo no Norte da Europa" -- lembra Torii. Mas ele diz que prova de fogo mesmo foi a adaptação cultural. "O brasileiro é sentimental, herança da colonização portuguesa e da predominância da religião católica. Os povos nórdicos são extremamente formais; acho que é por causa do clima frio".
Faz tanto frio na Suécia que até calçadas precisam ser permanentemente aquecidas por sistema de água quente que corre em serpentinas subterrâneas. Temperaturas de até 17 graus negativos são consideradas razoáveis. A fábrica da matriz da Scania em Södertälje tem sistema de aquecimento que permite a todos os funcionários trabalhar com camisa esporte. Como o sol nunca fica em posição vertical na Suécia, a luz do dia costuma avançar noite adentro e o escuro chega a durar só três horas.
Celso Torii saiu do Brasil como chefe de Assistência Técnica. Durante quatro a cinco meses trabalhou no setor de Qualidade do Produto da matriz sueca, transferindo-se depois para Marketing e Pós-Venda. "Desde que retornei, minha visão do mundo nunca mais foi a mesma. Conheci o DNA de uma grande empresa. Gostaria de ter mais oportunidades como essa. Aceito trabalhar em qualquer outro lugar do mundo" -- diz o empolgado executivo global.
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